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O S do ESG e o trabalho infantil

Os consumidores, investidores e sociedade estão em comum acordo de que as empresas devem se responsabilizar pelos impactos positivos e negativos que suas operações causam e acompanham cada movimento realizado.

4/10/2022

Recentemente, em um dos muitos webinars sobre a temática ESG ouvi a seguinte frase "não podemos agir de forma punitiva com os fornecedores que descumprem regras - por exemplo: os que adotam trabalho infantil - nosso papel é ajudar a capacitar para que tais atos não sejam cometidos." Como advogada, ex gestora de empresas e ser humano, fui extremamente impactada por essa fala, em especial por ter surgido em meio às discussões sobre a pauta social do ESG e em um círculo de pessoas - teoricamente - letradas no assunto. É preciso reforçar que não se trata aqui do exercício laboral infantil artístico autorizado pelo Estatuto da Criança e Adolescentes, mas de atividades que possam colocar em risco direitos inerentes às crianças e aos jovens. 

O Art. 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal proíbe o trabalho para menores de 16 anos, com exceção da condição de jovem aprendiz, válida após os 14 anos, sendo assim, qualquer prática divergente do previsto na Carta Magna brasileira e reforçada pelo Art. 403 da CLT, é considerada ilegal. Ainda tramita nos órgãos legisladores brasileiros, um projeto de lei que criminaliza o ato. Há, entretanto, consenso mundial de que o trabalho infantil é uma grave violação dos direitos humanos e dos direitos e princípios fundamentais no trabalho, sendo uma das pautas prioritárias da Organização Internacional do Trabalho.

Quando se fala sobre o pilar social do ESG, estamos falando de como os negócios se relacionam de maneira justa, transparente e respeitando os interesses das partes interessadas, como: colaboradores, clientes, fornecedores e a sociedade, observando princípios básicos de direitos humanos e de trabalho. Neste caso, é preciso reforçar que as companhias devem atuar internamente (com seus colaboradores) e externamente (com os demais stakeholders) buscando preservar os direitos de todos. Um dos maiores riscos empresariais consiste na relação com fornecedores, e hoje, com a globalização e internacionalização dos negócios vemos cada vez mais a terceirização da produção como tendência.

Nesse sentido, questiona-se, qual é o papel da companhia em relação à gestão empresarial de seus fornecedores? Qual é o limite quando se pensa em elementos externos ao controle? Esse questionamento aliado aos diversos casos controversos de fornecedores ao redor do mundo ressaltou a necessidade da busca por empresas que atendam critérios éticos e responsáveis. Negócios que se preocupam verdadeiramente com a agenda ESG não podem avaliar apenas critérios financeiros para definir a contratação de um serviço ou produto, é preciso entender o que está por trás daquele custo e quais são os riscos gerados por aquela escolha. Ressaltando que ESG está, também, relacionado à gestão de riscos.

Deve se considerar o fato de que, em alguns casos, o cancelamento de um contrato de fornecimento entre empresas é causa de prejuízos financeiros podendo levar, inclusive, ao fechamento da operação do fornecedor. Dessa forma, algumas pessoas avaliam que o prejuízo socioeconômico decorrente de uma eventual punição por má conduta possa ter piores consequências que a conduta em si, o que demanda uma análise caso a caso por parte da empresa contratante, sopesando os danos causados a ela e aos demais stakeholders. 

Sendo assim, é imprescindível que as empresas tenham uma boa gestão de risco para mapear quais são as condutas que causam mais danos à companhia, não desconsiderando o risco reputacional causado por uma ação prejudicial aos direitos humanos. É mister reforçar que a questão humanitária está se tornando tão relevante no contexto empresarial que a própria atualização do GRI (Global Reporting Indicators) incluiu os impactos aos direitos humanos como um dos propósitos do relatório, que é um dos principais indicadores de impacto da atualidade. Além disso, a Resolução 59 da CVM, que entrará em vigor em janeiro de 2023, passou a exigir que as empresas de capital aberto apresentem no Formulário de Referência os riscos causados pelos fornecedores, reforçando a importância dessa relação para a tomada de decisão pelos investidores. 

Os consumidores, investidores e sociedade estão em comum acordo de que as empresas devem se responsabilizar pelos impactos positivos e negativos que suas operações causam e acompanham cada movimento realizado. As empresas que estão habituadas a fazer "social washing" e utilizar subterfúgios legais para atuar de maneira incompatível com os direitos humanos terão que se adequar imediatamente para garantir que não sejam colocados à margem do mercado, perdendo reputação, valor financeiro, investimentos e mercado consumidor. 

Clara Souza Garcia Saar
Graduada em Direito pela UFMG, especialista em Finanças pela Fundação Dom Cabral. Atuou por 6 anos como franqueada do Grupo O Boticário, gerindo 8 lojas e 4 centrais de revenda nos Vales do Mucuri e Jequitinhonha. Experiência em Gestão de Projetos, Membro do Comitê de Impacto Social da Fundação Dom Cabral, embaixadora certificada do Instituto Capitalismo Consciente Brasil e participante ao Inner MBA da New York University(início em Setembro/2022).

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