O Decreto nº 6.042/2007 e a implementação do Fator Acidentário Previdenciário e do Nexo Técnico
Claus Nogueira Aragão*
Bruno Toledo Checchia*
Há muito o Governo Federal buscava uma forma de contemplar as empresas que efetivamente investiam na prevenção de acidentes do trabalho. Desde 1989 foram editadas várias normas nesse sentido, as quais jamais chegaram a ser postas em prática, tanto que, mesmo no atual Governo, foram necessários mais de quatro anos para regulamentar tal matéria.
Sobre o mesmo tema já havia sido publicada a Resolução do Conselho Nacional de Previdência Social nº 1.269, de 15 de fevereiro de 2006 (clique aqui), aperfeiçoando a metodologia para a flexibilização das alíquotas de contribuição destinadas ao financiamento do benefício da aposentadoria especial e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho.
No período anterior à vigência de tais normas, o financiamento dos benefícios concedidos em razão de incapacidade laborativa decorrente de riscos ambientais do trabalho e de aposentadoria especial, se dava pelas empresas, então divididas em três grupos – conforme o ramo de sua atividade econômica – as quais contribuíam com alíquotas de 1%, 2% ou 3% incidentes sobre a totalidade da remuneração paga aos empregados e trabalhadores avulsos, além do adicional de 6%, 9% ou 12% dos trabalhadores sujeitos aos riscos que ensejam a aposentadoria especial.
Todavia, o Ministério da Previdência Social, entendendo não ser justa a cobrança da mesma alíquota para todas as empresas de um mesmo setor, independentemente dos investimentos em segurança no ambiente de trabalho, alterou o cálculo de tais alíquotas por meio da implantação do FAP, que consiste em um multiplicador que deve variar entre 0.5 e 2, sobre a alíquota de 1%, 2% ou 3% correspondente à Classificação Nacional de Atividades Econômica – “CNAE” da empresa. Este novo cálculo – que pode reduzir à metade ou dobrar o valor da contribuição – levaria em consideração três fatores, quais sejam: (i) freqüência; (ii) gravidade; e (iii) custo dos acidentes de trabalho.
Assim sendo, não se tomaria mais como parâmetro a Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT, eis que, de acordo com o CNPS, a sua utilização poderia beneficiar as empresas que sonegassem a emissão de tal documento. O parâmetro encontrado para embasar a nova metodologia foi o registro de diagnóstico – Classificação Internacional de Doença (CID) – do problema de saúde que motivasse solicitações de benefícios junto à Previdência Social.
Nesse ponto, importante esclarecer que a comunicação de doença por meio do CAT, diferentemente do CID, influencia tão somente na caracterização, como acidentária ou previdenciária, da natureza da prestação de benefícios pelo INSS.
A utilização do CID apresenta, todavia, algumas desvantagens: o CID relata todo e qualquer fator mórbido, seja ele relacionado, ou não, às condições do ambiente de trabalho. O CID não apresenta tão-somente as doenças decorrentes de acidentes de trabalho, mas também engloba toda e qualquer enfermidade a que o empregado estiver acometido. Questão essencial que se põe diz respeito à distinção entre quais os benefícios, com um mesmo CID atribuído, guardam ou não associação com o fato de o segurado pertencer a um empreendimento de um determinado CNAE.
E é nesse ponto que o decreto em comento estabelece critérios aparentemente irregulares. De acordo com a referida norma, a fixação de alíquotas do SAT levaria em consideração não somente os acidentes de trabalho e as doenças profissionais stricto sensu, mas todas as causas de morbidade e mortalidade presentes na população de trabalhadores de cada empresa e, principalmente, de cada ramo de atividade.
Haveria, então, o implemento do chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, que consiste em uma relação entre o Agrupamento CID e o CNAE da empresa. Por meio de um cálculo probabilístico, identificar-se-ia quais doenças e acidentes estão relacionados com a prática de uma determinada atividade profissional. Tal cálculo levaria por base todos os empregados registrados no Cadastro Nacional de Informações Sociais pertencentes ao CNAE-classe e o número de casos registrados com o agrupamento CID sob teste.
Com a adoção dessa metodologia, o empregador que contrair uma enfermidade relacionada à sua atividade profissional livra-se do ônus de ter que comprovar o nexo de causalidade entre a enfermidade e o trabalho realizado. Há uma inversão do ônus da prova, devendo a empresa comprovar que as doenças e os acidentes do trabalho não foram causados pelo empregado.
A metodologia apresenta, no entanto, falhas que inevitavelmente conduzirão a resultados prejudiciais às empresas. É sabido que o estado de saúde de uma pessoa depende de uma série de fatores (naturais, genéticos, econômicos) que podem ou não ter relação com o ambiente de trabalho. O perfil ora adotado, todavia, é equivocado quando ignora a multicausalidade da moléstia, bem como questões como a possibilidade da doença ter sido adquirida em emprego anterior.
Outra questão que se põe é a da contraposição de presunções, não se tendo, ao certo, qual prevaleceria, se a presunção do NTEP ou presunção de salubridade de ambiente de trabalho decorrente do fornecimento de EPI aprovado; nem a quem caberia o ônus da prova da (in)eficiência do equipamento de proteção.
É sabido que as empresas são responsáveis pela manutenção de seu ambiente de trabalho, sendo que, quando não fornecem EPI’s, ou mantêm o ambiente laboral em condições hostis ao trabalhador, recai sobre elas a culpa dos danos causados à saúde do empregado.
No entanto, a presunção adotada pelo NTEP, ao dispensar o empregado da comprovação do nexo causal, afasta também a necessidade de comprovação de culpa do empregador, devendo o mesmo apenas demonstrar a existência de determinada moléstia, que, se combinada com determinada classe CNAE, praticamente lhe garante o direito ao benefício.
Deve a empresa, então, provar que a doença surgiu em decorrência de outros fatores que não o ambiente de trabalho, não obstante a excelência dos EPI’s ou das medidas de proteção adotadas.
Por um lado, a nova lei confere às empresas redução na contribuição ao SAT em razão das melhorias relacionadas à proteção no ambiente de trabalho implementadas. Todavia, por outro lado, cria grupos de moléstias que, se percebidas, praticamente, em razão do NTEP, propiciam ao trabalhador indenizações por danos de acidente de trabalho, sem uma análise precisa e acurada de relação de nexo causal ou mesmo de culpa do empregador.
Como o NTEP decorre de uma análise global das empresas de um mesmo ramo e das doenças a elas relacionadas, o fato de uma determinada empresa investir em EPI e na segurança do ambiente de trabalho não afasta a presunção decorrente do NTEP. A bem da verdade, não se está premiando diretamente a empresa pelos investimentos que faz na prevenção de acidentes do trabalho, posto que o benefício em questão também estará relacionado ao comportamento das demais empresas integrantes do CNAE quanto a tais investimentos.
O novo decreto acaba por ignorar premissa básica da responsabilidade civil por dano, qual seja, a da comprovação de (i) existência de dano; (ii) culpa do agente e (iii) nexo de causalidade entre o dano e a ação. Com a implementação do NTEP, a mera comprovação de dano pode caracterizar responsabilidade civil do empregador.
O cálculo da nova contribuição ao SAT, portanto, é resultado de complexa fórmula matemática, o que evidentemente dificultará às empresas questionarem os valores aos quais estarão sujeitas. Para ser ter uma idéia, o cálculo do FAP, de acordo com a Resolução n 1.269/2006, será feito utilizando “técnica de discriminação estatística a partir dos coeficientes tridimensionais padronizados das empresas.” Pode ser de fácil compreensão para os estatísticos, mas seguramente não é para administradores, contadores, advogados e juízes.
Não obstante e de acordo com o decreto em comento, o Ministério da Previdência Social deverá publicar, anualmente e no Diário Oficial da União, os índices de freqüência, gravidade e custo, por atividade econômica e disponibilizará o FAP por empresa, com as informações que, de acordo com o decreto, possibilitem a esta verificar a correção dos dados utilizados na apuração de seu desempenho.
O FAP produzirá efeitos tributários a partir de julho de 2007, não tendo sido esclarecido, todavia, como se dará a divulgação dos dados para cálculo da contribuição, mesmo porque envolve complexa fórmula matemática cujas varáveis são, dentre, outras, as acima citadas.
Não restam dúvidas de que deve haver maior debate antes da implementação do NTEP e da nova metodologia de cálculo do SAT, posto que sua aplicação, sem a devida consideração das questões acima apresentadas, pode trazer resultados distanciados da realidade para algumas empresas (que terão dificuldade em contestá-los) e, conseqüentemente, para os próprios empregados.
Isso porque a metodologia acima descrita trará, como conseqüência inevitável, a busca por trabalhadores perfeitamente saudáveis, eis que qualquer moléstia, mesmo não relacionada ao trabalho, poderá trazer conseqüências tributárias para as empresas, criando, sem dúvida, nova e indesejável forma de discriminação no que diz respeito ao acesso ao mercado de trabalho.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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