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A mulher no exercício político como profissional de RIG

Relações governamentais é uma área muito masculina, apesar da crescente inserção de mulheres. Muitas vezes vítimas de violência no trabalho, elas resistem.

27/9/2022

Mulheres em reações institucionais e governamentais

As mulheres que atuam no ambiente político, empresarial e associativo, percebidas como profissionais de relações institucionais e governamentais (RIG), ou lobby/advocacy, têm sido cada vez mais percebidas e reconhecidas.

A mulher profissional de RIG se destaca pelo conhecimento sobre o processo legislativo e, principalmente, pelo poder de argumentar e defender posições, além de construir narrativas que convençam atores políticos a defenderem determinados projetos, influenciando e definindo pautas de reuniões de comissões e de plenárias nas Casas Legislativas.

Não é pequeno, pois, o poder de influência exercido pelas mulheres “RelGovers”, ou mulheres em RIG. Este, tão pouco, merece ser menosprezado e cerceado, o que não raro ocorre por meio de práticas atentatórias a seus corpos, vozes e perspectivas pelo simples fato de serem mulheres.

Aspectos históricos e como estamos agora

Sabe-se que a construção das identidades feminina e masculina e a formação da supremacia e do domínio masculino foram definidas a partir de um destino biológico e historicamente construído por gerações. À mulher, caberia procriar e zelar pela estrutura familiar, enquanto ao homem caberia o zelo material sobre o sustento e o contato externo com a sociedade envolvente.

Nesse contexto, o avanço feminino nos meios socioeconômico e político foi percebido como um confronto à dominação masculina, acarretando, consequentemente, o avanço sobre as formas de violência contra a mulher e a compreensão de tais violências.

Há, todavia, uma inquietude que aumenta a cada geração e vem acompanhada de novas formas de perceber a mulher na sociedade e suas funções sociais. Os desafios da ascensão política de grupos minoritários e o precário acesso a direitos fundamentais foram sendo superados pela construção de estruturas estatais e leis que permitissem o desenvolvimento sociopolítico a partir do acesso a direitos. Dois importantes avanços jurídico-políticos ocorreram para a promoção da figura e dos corpos das mulheres para além das alcovas: o acesso a direitos e políticas públicas específicas e o seu empoderamento econômico.

Na atualidade, os espaços das Casas Legislativas e dos órgãos públicos têm sido ocupados por cada vez mais mulheres, figuras distintas dos homens, geralmente brancos e de meia idade. Entretanto, os dados revelam ainda que os acessos aos postos de trabalho, principalmente de liderança, são em grande parte ocupados por homens.

Compreender os desafios da ascensão das mulheres na vida pública e política é, em boa parte, entender as formas de violência contra a mulher perpetradas cotidianamente nesses meios. Afinal, é por meio da violência que observamos a resistência ao empoderamento e à ascensão social, econômica e política das mulheres na sociedade. Quando mulheres ocupam espaços predominantemente masculinos, como as Casas Legislativas, o Poder Judiciário e o Poder Executivo, a complexidade das estruturas marcadamente patriarcais são questionadas.

Violência contra mulheres RelGovers

Como nós, mulheres “RelGovers”, sentimos e somos vítimas da violência em diversos momentos no contexto profissional? A violência é sentida, por exemplo, quando, em uma reunião, a mulher é subitamente interrompida por um homem. Este fenômeno é atualmente conhecido como manterrupting e considerado formalmente como uma violência psicológica.

Há também situações em que a mulher, ciente de sua expertise e posição, explica algo de relevância técnica e, em seguida, observa um homem se apropriando de sua explicação e ideia. Este fenômeno é reconhecido também como uma violência psicológica, o chamado bropriating.

Quando o reconhecimento é dado mais às figuras masculinas, o que ocorre no anúncio de posições formais no gênero masculino e não no gênero feminino, ocorre a violência simbólica, pelo uso impróprio do termo masculino, quando há uma mulher assumindo a posição e função.

Mulheres na política em números

Estudos como o da União Interparlamentar e do Fórum Econômico Mundial, organização que promove reflexões sobre o contexto parlamentar de diversos países, denunciam que o Brasil ocupa a 142ª posição, em um ranking com 192 países, no quesito participação das mulheres na política. Ainda segundo o Fórum Econômico Mundial, o Brasil estava em 93º lugar, de uma lista de 156 países, no ano de 2021 no que se refere à presença da mulher nos espaços formais de poder político.

O decréscimo da presença da mulher na política é tão forte globalmente que mereceu um termo próprio para explicar o fenômeno, shecession, traduzido como recessão feminina. No cenário atual, estudos apontam que levaremos 135,6 anos para alcançar a plena igualdade entre mulheres e homens.

Ademais, os indicadores de gênero do IBGE denunciam os diversos aspectos da desigualdade. As mulheres têm os melhores índices educacionais, tendo as melhores taxas de frequência escolar e sendo a maioria da população com curso superior no Brasil. Entretanto, somente 39,1% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres e os rendimentos dos homens são, em média, 20,5% maiores do que os das mulheres.

Mulheres no congresso

Importante ressaltar que, na Legislatura de 2018 a 2022, existem, na Câmara dos Deputados, 77 deputadas de um total de 513. Por outro lado, no Senado Federal, existem 16 senadoras de um total de 81.

No ambiente de RIG, os homens são maioria na carreira e nas posições de liderança, representando 60% dos coordenadores e 70% dos diretores. As mulheres são maioria somente nos cargos de assistentes e analistas, compondo, respectivamente, 60% e 58% das posições.

Olhar para o futuro

Os dados estatísticos nos fornecem o cenário desafiador para as mulheres ao evidenciarem a persistência da desigualdade entre mulheres e homens. Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, nos propõe a continuidade dos esforços e a importância da ocupação dos espaços formais de poder pelas mulheres: “Quando uma mulher entra na política, muda a mulher. Quando muitas mulheres entram na política, muda a política”.

Assim, a defesa de interesses diante dos Parlamentos, o que ocorre com a propositura de pautas e proposições legislativas e com a construção de informações qualificadas - relatórios, análises políticas e notas técnicas, demonstra o quanto a atuação de relações institucionais e governamentais amplia o debate sobre políticas públicas e leis, bem como promove várias perspectivas e interesses que merecem ser representados.

A progressiva mudança no cenário com o aumento de mulheres na carreira de RIG, além do avanço sobre os estudos e legislações de proteção às mulheres e de seu empoderamento socioeconômico, apresentam um quadro promissor. A superação das estruturas de dominação patriarcal e de desigualdade entre mulheres e homens é lenta, mas, paulatinamente, as mulheres têm sido percebidas, ouvidas e respeitadas. É o que almejamos cada vez mais.

Sarah Delma
Sócia do Escritório Malta Advogados; Consultora Legislativa da Câmara Legislativa do DF; Pós-graduada lato sensu em Processo Legislativo; Pós-graduada lato sensu em Direito Constitucional; Pós-graduanda lato sensu em Direito Processual Civil no Instituto de Direito Público - IDP; Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB; e Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba -UEPB.

Raquel Gontijo
Membra da equipe de Relações Governamentais do Escritório Malta Advogados; Especialista em Comunicação Governamental e Marketing Político; Bacharela em Antropologia e Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB); MBA Executivo em Economia e Gestão: Relações Governamentais pela FGV; e Graduanda em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

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