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A função social da propriedade como fator mitigador para utilização adequada do bem

Distanciando-se da visão individualista da propriedade a função social da propriedade visa promover uma justiça social, na qual deve haver flexibilização das riquezas dos particulares.

23/9/2022

A propriedade, ao longo do tempo, sofreu expressivas modificações em seu conceito, características, restrições, modos de aquisição. Antes, era vista como um direito absoluto, em que o proprietário, tinha a prerrogativa de fazer o que desejasse em prol de seu bem, todavia, hoje este direito encontra-se mitigado, devendo a propriedade ser atendida em favor da coletividade e do bem comum, respeitando o princípio da função social.

Desta forma, o direito de propriedade foi distanciando-se cada vez mais da ideia de caráter individual, que antes era concebida no Código Civil de 1916, todavia, o Código Civil Vigente norteado pelos princípios da coletividade e da sociabilidade, não adotou esse caráter individualista, bem como a Constituição Federal, que assegura a propriedade como um direito fundamental, entretanto, este direito não é absoluto, sendo necessário o cumprimento de sua função social, previstos nos incisos XXII e XXIII, do art. 5º da Constituição Federal.

“A previsão constitucional acerca da função social da propriedade nos arts. 5º, 170, 182, 184 e 186, no caso brasileiro, é demonstrativa do grau de importância e de transformação do tema no ordenamento jurídico nacional”. (GAMA, 2011, p. 228).

A função social da propriedade surgiu no intuito de direcionar o melhor uso do bem pelo dono, pois antes este dono, usava a propriedade como, quando e onde queria, sem qualquer preocupação com o interesse coletivo.

Acerca da função social da propriedade, insta mencionar as lições do constitucionalista Robério Nunes dos Anjos, que disciplina que:

O fenômeno da constitucionalização da função social da propriedade se originou com as Constituições do México de 1917 e da Alemanha de 1919 (Constituição de Weimar). A primeira estatui, no art. 27, que” A nação terá, a todo tempo, o direito de impor á propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público (...)”, enquanto esta última chega a afirmar, no seu art. 153 que ”A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função social no interesse social”. (ANJOS, 2001).

A função social tem como objetivo inibir e impedir as distorções originárias da degenerada e ilegítima utilização da propriedade. Trata-se de um arcabouço de normas constitucionais com o escopo de manter ou repor a propriedade na sua utilização adequada e destinação normal, de modo que a mesma seja útil e benéfica à coletividade, e não apenas ao proprietário. (ANJOS FILHO, 2001, p. 6).

Portanto, a função social da propriedade passou a ser um elemento caracterizador da aquisição ou perda da propriedade, pois caso haja o descumprimento desta característica, o proprietário poderá ter a sua propriedade adquirida tanto pelo particular, quanto pelo Estado, em razão do que disciplina as normas constitucionais.

Sobre o tema, preciosas são as palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

O princípio da função social da propriedade tem controvertida origem. Teria sido, segundo alguns, formulado por Augusto Comte e postulado por Leon Duguit, no começo do aludido século. Em virtude da influência que a sua obra exerceu nos autores latinos, Duguit é considerado o precursor da ideia de que os direitos só se justificam pela missão social para a qual devem contribuir e, portanto, que o proprietário deve comportar-se e ser considerado, quanto á gestão dos seus bens, como um funcionário. (GONÇALVES, 2009, p.223)

No dizer de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias:

A função social é um princípio inerente a todo direito subjetivo. No receituário liberal definia-se o direito subjetivo como o poder concedido pelo ordenamento ao indivíduo para a satisfação do seu interesse próprio. Ou seja, a realização de qualquer atividade econômica apenas encontrava limites em uma conduta culposa que eventualmente causasse danos a terceiros (...). (ROSENVALD; FARIAS, 2012, p. 307).

Na visão de Norberto Bobbio:

Enfrenta a função social pelo viés da passagem do direito repressivo para o direito patrimonial. Enquanto o direito repressivo procurava sancionar negativamente todo aquele que praticasse uma conduta contrária aos interesses coletivos, o Estado promocional pretende incentivar todas as condutas que sejam coletivamente úteis, mediante a imposição de sanções positivas, capazes de estimular uma atividade, uma obrigação de fazer. (apud ROSENVALD; FARIAS, 2012, p.308)

“A imposição do cumprimento da função social da propriedade introduziu uma nota na propriedade que pode não coincidir com o interesse de seu proprietário, mas que é dada pela própria ordem jurídica, e, assim, deve ser obedecida”. (TAVARES, 2012, p. 704).

“A expressão função social deve ser tida como cláusula geral, permitindo ao jurista uma reflexão e construção de acordo com os valores éticos, econômicos e sociais”. (GAMA, 2011, pág. 236).

Utiliza-se da seguinte argumentação o autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

A função social da propriedade traz consequências de sentido positivo e negativo. Para ele, a afirmação da função social tem um sentido negativo. É a negação da concepção absoluta da propriedade. Como consequência de tal pressuposto, o proprietário não tem o direito subjetivo de usar a coisa segundo o arbítrio exclusivo de sua vontade, mas o dever de empregá-la de acordo com a norma assinalada pelo direito objetivo. A consequência negativa rejeita a concepção absoluta de propriedade posta como capricho do proprietário, permitindo, inclusive, o abuso do direito do proprietário em relação á coisa, sem qualquer orientação do interesse social. Por outro lado, a função social da propriedade apresenta também um sentido positivo. O proprietário tem obrigações sociais, devendo sempre fazer com que a coisa produza benefícios para a comunidade, inclusive deve poupar para investir, isto é, para realizar os investimentos que assegurem empregos e rendimento, tanto para a população atual quanto para a de amanhã. (apud CHEREMIS, 2003, pág. 63).

Portanto, distanciando-se da visão individualista da propriedade, que era decorrência do modo de produção capitalista, a função social da propriedade visa promover uma justiça social, na qual deve haver flexibilização das riquezas dos particulares, bem como o cumprimento de requisitos no intuito de satisfazer o interesse coletivo.

Marcus Vinicius Alencar Barros
Advogado, pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário na Universidade Estácio.

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