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Educação e inclusão social: A falta de estrutura para libras

Fica evidente que a educação é um dos maiores recursos para o avanço da inclusão social e deve ser incentivada em todos os âmbitos, notadamente no que tange ao ensino de libras.

16/9/2022

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”1. A percepção do Patrono da Educação Brasileira e autor da obra Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire, é a prova de que a educação influencia no desenvolvimento cultural e social, portanto, tem papel fundamental na inclusão.

A fim de compreender a educação como garantia de direito, a Constituição Federal alça a educação como direito social inerente a todas as pessoas, além de determinar que o Estado deve promover e incentivar a educação com a colaboração da sociedade, cujo objetivo seja a garantia do direito à educação com igualdade de condições, permanência escolar, num contexto de educação livre e democrática.2

Neste sentido, o decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, em seu art. 233 aponta que as instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços adequados, como serviços de tradutor e intérprete de Libras, bem como deve ser proporcionado aos professores e professoras o acesso à literatura e informações sobre as especificidades que envolvem a linguísticas de alunos e alunas que possuem deficiência auditiva.

Porém, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), atualmente há apenas 64 escolas bilíngues de surdos, contando com 63.106 alunos surdos (Inep, 2020)4.

Vale dizer que desde 2002 a Língua Brasileira de Sinais – Libras foi considerada como um idioma oficial do Brasil, conforme lei Federal 10.436/02: “É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados”5.

Não obstante, até os dias atuais, o referido idioma oficial não se encontra na grade curricular de escolas de iniciativa pública e privada.

Veja-se, atualmente, a medicina relaciona a surdez em quatro níveis diferentes, sendo: leve, moderada, severa e profunda6 e segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), 5% da população brasileira é composta por pessoas com deficiência auditiva, o que corresponde a pouco mais de 10 milhões de cidadãos, sendo que 2,7 milhões de pessoas não escutam nada por estarem em situação de surdez profunda.7

Infelizmente, considerando as questões supra, grande parte da população com deficiência auditiva não resulta de uma educação de qualidade e inclusão na sociedade brasileira. É o que mostra pesquisa realizada por Louise Moraes, onde questionou-se 49 pessoas acerca de quais os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil. Na perspectiva das pessoas entrevistadas, o principal desafio decorre da falta da inclusão da Língua Brasileira de Sinais como disciplina curricular obrigatória na educação básica.8

Mesmo 20 anos depois da Libras ser considerado idioma oficial no Brasil, as pessoas surdas não conseguem realizar tarefas que são de praxe para a população não surda, tais como: ir ao banco, hospital, entrevistas de empregos, universidades. Isso pois a população que não possui deficiência não sabe se comunicar, nem mesmo de forma básica, tendo a depender do local/serviço, pagar uma pessoa especializada como intérprete para intermediar a comunicação entre as partes.

Gabriela Carolina, estudante que conta com apoio de colegas de intérprete oral, relata a importância do apoio e serviço, mas reitera que é necessário muito mais, como por exemplo, vídeo aulas legendadas: “Minha maior dificuldade era me comunicar com os professores, muitas vezes eu me via perdida entre o que eles falavam e o que era para fazer”9, explica a aluna.

A inclusão admite a desigualdade e permite movimentos para reduzi-la, por isso cada vez mais se faz necessário refletir questões estruturais e ressignificar conceitos inverídicos. A negativa de inclusão significa a própria negativa de vida, pois impede o exercício do viver dignamente às pessoas com deficiência.

Assim, não é demais trazer os dizeres do Ministro Alexandre de Moraes: “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”.10

Destarte, considerando que o desenvolvimento humano se faz por meio da comunicação, fica evidente que a educação é um dos maiores recursos para o avanço da inclusão social e deve ser incentivada em todos os âmbitos, notadamente no que tange ao ensino de libras.

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1 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) IX - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida. 

Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação. §1º. Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade linguística do aluno surdo. §2º. As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.

4 Sancionada lei que inclui educação bilíngue de surdos na LDB. Presidência da República, 2021. Disponível em < https://bit.ly/3U9mOh7>. Acesso em: 02, set. 2022.

5 BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Brasília, 2002. Disponível em: https://bit.ly/3QReBvi. Acesso em: 02, set. 2022.

6 Biblioteca Virtual em Saúde, Ministério da Saúde. Disponível em: https://bit.ly/3LaV9IB. Acesso em: 02, set. 2022.

7 População brasileira é composta por mais de 10 milhões de pessoas surdas. G1, 2020. Disponível em: http://glo.bo/3DlC5Wd. Acesso em: 02, set. 2022.

8 MORAES, Louise. Quais são os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil?. Scielo em perspectiva humanas, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3dbmHRs. Acesso em: 13, set. 2022.

9 Falta de acessibilidade afasta estudantes surdos da escola. Disponível em: https://bit.ly/3U7OCm2. Acesso em: 04, set. 2022.

10 MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003, p.63.

Kassia Hellen Martins
Acadêmica de Direito.

Jaíne Hellen Machnicki
Bacharel em Direito pelo UNICURITIBA; Pós-Graduada em Direito Civil, Consumidor e Processual Cível pela UP; Pós-Graduada em Direito de Família pela LFG; Pós-Graduada em Direito Empresarial pela UCAM.

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