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Blockchain: possibilidades e limites

Estamos diante de um universo de oportunidades que precisam ser exploradas e testadas em suas diferentes hipóteses, sem garantia de retorno sobre o investimento feito aqui, mas com grandes possibilidades de ganho caso o “veio” ideal seja identificado.

16/9/2022

Você sabe como funciona o registro das informações em um computador? As informações de um sistema qualquer? Em gênero elas são armazenadas em um formato de codificação que pode ser representado como uma grande tabela, em que colunas e linhas permitem que os dados sejam armazenados e recuperados. Esses dados podem estar em sua máquina, numa rede privada ou na chamada nuvem, mas necessariamente estão em algum lugar, ordenadas de alguma forma.

Na blockchain, retirando a associação da tecnologia com moedas digitais, o que resta é, simplesmente, um banco de dados. Porém, diferente daquele que você usa para salvar as informações do seu sistema, ou do sistema da sua empresa, ele é replicado por toda a rede em que se encontra. Seus dados e meus dados, quando posto neste banco, nesta mesma rede, estão disponíveis de forma igual para você, para mim e para quem mais estiver na mesma rede. Isso, em primeiro lugar, garante a publicidade, com todos podendo fiscalizar todos de forma permanente.

Uma outra diferença presente na tecnologia em relação aos bancos tradicionais está no fato de que dados não são apagados ou substituídos. No lugar disso, são considerados como consumidos, mas mantendo-se o histórico da sua ocorrência. Ou seja, se um dado item era meu — e tinha registro na rede — e passou a ser seu, é mantido meu título de propriedade (ainda que indicado como consumido) e registrado o novo proprietário como dado atual e válido, tanto para mim quanto para você e para quem quer mais que esteja na mesma rede.

Além disso, todas as transações presentes são regidas pelos chamados smart contracts. Regras pré-estabelecidas e automáticas que ocorrem quando são atendidas certas condições. Por exemplo, imagine que a propriedade registrada nesta rede como sua, dada sua morte, passa automaticamente para sua esposa. Atendida a condição estabelecida, a nova propriedade se dá automaticamente, sem partilha, inventário ou qualquer burocracia adicional.

Neste universo existe ainda a autorregulação da própria rede, que é o que ocorre, por exemplo, com moedas digitais, como a bitcoin, que tem cada transação validada pela confirmação de que o mesmo registro está idêntico em, pelo menos, 50% mais um dos participantes da rede. Assim, a capacidade de autenticar de um ente qualquer (como governo ou instituição) é transferida para toda a rede.

Em resumo, a blockchain é uma tecnologia que cria uma rede onde existe máxima transparência, é regida por contratos inteligentes automáticos e é autorregulada pelos próprios membros da rede. Podendo ser ainda pública ou privada.

Quando você pensa em blockchain e bitcoin, você está pensando em uma rede pública; em tese, aberta para que qualquer um possa usá-la. Entretanto, também existem as redes que possuem as mesmas características, mas que um mediador permite, ou não, a participação, as chamadas redes permissionadas.

A ideia aqui está na formação de uma rede que integra partes com interesse comum, como fez o Carrefour para agilizar e melhor controlar a sua rede de logística europeia. Aqui, a transparência permanece entre as partes e a validade dos contratos também, mas a regulação permanece restrita ao “dono” da referida rede. Dessa forma, não há a necessidade de se verificar se os dados estão disponíveis em 50% mais uma das máquinas, mas sim que o gestor da rede entenda que eles são válidos.

Nessa modalidade, eu, você e um terceiro podemos estar na mesma rede, mas eu só veria seus dados e não os do terceiro. Este, por sua vez, veria só os meus dados e não os seus, como uma malha emendada entre nós, que limita a área de participação de cada um.

Não há dúvida que este formato de registro veio para ficar e vai revolucionar, por exemplo, o mundo dos contratos e os registros de transações. Porém, ele ainda vai precisar evoluir mais enquanto ferramenta.

Primeiro, a limitação do alcance de suas soluções está na rede que se escolhe usar. Por exemplo, nessa tecnologia é possível estabelecer valor para uma imagem, como o desenho de um macaquinho, e a tornar única e individual — que é como funciona as NFTs (tokens não-fungíveis) —, controlando o número de vezes que é reproduzida e permitindo contabilizar royalties para seu real proprietário, detentor dos direitos de autor, mas só se isso ocorrer dentro da rede em que se está registrada.

Sim, blockchain não é um lugar único, como ideias semelhantes estilo à do metaverso também não são. Existem várias opções públicas e mais outras tantas privadas. No caso das privadas, essa limitação não chega a ser um problema. Afinal, a lógica de uso já parte da ideia de não estar disponível para todos.

Mas, por exemplo, não funciona como garantia de que não haverá uso indevido da imagem do macaquinho, ou de qualquer outra produção intelectual por terceiros. Nada impede que essa criação continue circulando livremente e sem controle pelo mundo aberto e da informação livre que é a internet.

Segundo, quando se usa redes públicas, e até mesmo nas privadas, temos, junto com o benefício da publicidade, o risco da exposição dos dados pessoais protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e pela própria Constituição Federal. Por isso, caso esses dados sejam postos lá, não há como serem deletados.

Uma solução com essa tecnologia para prontuários médicos seria fantástica, não é verdade? Garantido o registro evolutivo dos atendimentos, consultas e exames para o médico e paciente de forma única, indelével e confiável. Porém, também deixaria exposto para sempre dados pessoais e sensíveis do paciente, expondo o médico, clínica ou hospital a todas as pesadas responsabilidades impostas pela lei ao controlador dessas informações.

Por fim, temos a real garantia da blockchain para correção e veracidade dos seus registros. Como indicado antes, em redes públicas isso é feito por complexo cálculos matemáticos realizados pelos chamados mineradores de bitcoin, por exemplo, garantido uma fração do valor da transação para si para apenas confirmar se o protocolo correto foi usado e validar o registro ocorrido; estando na verificação de mais da metade dos computadores na rede o real aval. Isso é interessante e desafiador em uma rede aberta, mas relativamente fácil de ser burlado em uma rede privada.

Na primeira, o tamanho da rede e a complexidade das contas a serem feitas é cada vez mais elevada e consome mais e mais capacidade computacional e energia elétrica; na segunda, a vantagem de ser autorregulada acaba sendo substituída por um ente presente que garanta a validade dos registros, o que pode ser muito mais facilmente burlado. Mudar uma rede pública exigiria que hackers trabalhassem juntos para atacar mais da metade das máquinas participantes. Já na privada o esforço seria bem menor.

Ainda que limitada ou talvez numa futura versão mais avançada do que a disponível hoje, essa tecnologia vai regular e estar presente em nossos contratos no futuro, registros de propriedade física e digital, e talvez até na ação cotidiana de consumir um produto qualquer, devendo ser pedra fundamental de garantia e remuneração dentro do universo digital, de convivência e consumo que se aposta para o futuro.

Por tudo isso considero ainda pequeno o nível de esforço das pessoas em assimilar e utilizar a ferramenta, podendo significar perdas de oportunidades significativas relacionadas ao pioneirismo tão presente na rede mundial de computadores ou na realidade do mundo das inovações. Ou seja, estamos diante de um universo de oportunidades que precisam ser exploradas e testadas em suas diferentes hipóteses, sem garantia de retorno sobre o investimento feito aqui, mas com grandes possibilidades de ganho caso o “veio” ideal seja identificado.

Christiano Sobral
Diretor-executivo do escritório Urbano Vitalino Advogados, especializado em marketing, economia e negócios.

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