Antes de falar sobre saúde mental, vamos falar sobre a saúde física. O conceito que vamos tomar como base é o da OMS - Organização Mundial da Saúde que define a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” . Esta referência, nos ajuda a compreender que não estar “doente” ou com sintomas visíveis, não quer dizer que estejamos com saúde.
Se a saúde física, muitas vezes, é relegada a segundo plano no campo da advocacia, a saúde mental nem mesmo é considerada em sua real importância. Ainda que a memória para as defesas, a capacidade de comunicação e interpretação de petições, a atenção a detalhes do processo, o raciocínio lógico nas audiências e os relacionamentos com os clientes, entre outros aspectos, estejam diretamente vinculados a saúde mental, os profissionais não se dão conta disso em seu dia a dia.
Cada vez mais as demandas psicológicas do trabalho, se tornam significativas na vida profissional. A advocacia é convocada diante de situações de conflito, sejam eles financeiros ou pessoais e se estabelece neste contexto, estruturada em litígios que muitas vezes demandam excessos emocionais, não apenas para as partes, mas também aos profissionais envolvidos. E diante dessa demanda psicológica, o advogado (a) precisa estabelecer soluções, sobrepondo possíveis demandas emocionais, com as quais nem sempre sabem lidar.
Ao longo dos anos, muitas mudanças foram provocadas na carreira jurídica, se historicamente tínhamos um profissional que escrevia e outro que defendia oralmente as causas. Hoje, o mesmo profissional precisa ter os atributos de escrever, falar, pensar e desenvolver ideias para conseguir se estabelecer profissionalmente. E isso não é o mínimo, precisa conseguir ter bom controle emocional, financeiro, administrativo, de marketing, etc.
Mas esta intensa demanda psicológica já está tão arraigada na profissão, que ouço de muitos profissionais palavras que amenizam tal demanda. Enfrentam a síndrome de burnout, sem nem mesmo perceber o que estão vivenciando, apenas negligenciando relações, devido a despersonalização, inclusive em relação a clientes que se perdem no meio do caminho, sem que haja clara percepção do que está acontecendo.
Cansaço, perda da memória, falta de atenção, perda da libido, agressividade nas relações familiares, passam a fazer parte da rotina e mesmo com alguns avisos dos que os amam, seguem sem preocupação com a afeição, o afeto e as relações, com sua própria saúde e com tudo o que exige um tempo, que não esteja relacionado ao trabalho.
A indústria jurídica no Brasil contribui para o declínio da saúde mental, mas não somente, o contexto social em que vivemos também contribui neste processo. Mudanças aceleradas na sociedade e jurisprudências, prazos reduzidos, morosidade dos processos, imprevisibilidade dos resultados, normas rígidas, pouca flexibilidade e alta competitividade constroem um cenário bastante desafiador para os profissionais.
A pressão mental de quem trabalha na área jurídica, um processo invisível, permeado de obstáculos e dificuldades pela globalização e ampliação de possibilidades com o advento da internet, vem sendo negligenciado, a ponto de muitos profissionais pensarem em desistir da profissão, adoecerem e em alguns casos até mesmo se suicidarem. Parece que é hora de falar sobre isso no Brasil!
Nossas referências sobre estudos em relação a saúde mental e estresse do advogado, seguem padrões e resultados internacionais, ainda são escassas as pesquisas sobre o tema no Brasil. Um recente relatório de pesquisa com advogados recém formados apresentado pela ABA nos Estados Unidos, apontou que 40% deles tinham preocupação com a saúde mental, porém entendiam que não poderiam se dedicar a uma reflexão sobre isso, porque precisavam se estabelecer na carreira, mostraram-se inseguros em relação a como conciliar a saúde mental e a profissão.
Entretanto, cuidar da saúde mental faz parte do processo de preparação profissional em Direito. Como alguém em desequilíbrio emocional e com dificuldades com o cognitivo, pode apresentar seus melhores resultados? Responder a clientes problemáticos a situações problema? Uma boa saúde mental é crucial para que os profissionais da área jurídica atuem melhor, pois disso depende boas soluções. A necessidade de pensamento crítico é uma exigência diária que quase sempre envolve a tensão do dia a dia profissional ou seja, faz parte da demanda psicológica da profissão, da carga de trabalho.
Do mesmo modo que senso crítico, necessidade de clareza e foco impactam a saúde mental, as exigências em relação ao perfil pessoal associado a ética e integridade, são pontos que ampliam o nível de exigência em relação ao profissional. Quando falamos sobre saúde mental, não estamos falando apenas de aspectos cognitivos, mas de conduta, de relacionamentos, da maneira do indivíduo se relacionar com si mesmo e com o outro, daí a relevância do tema.
A saúde mental afeta a saúde física, a vida pessoal e a carreira, portanto trata-se de um tema absolutamente relevante para a indústria jurídica. O estresse na advocacia é uma realidade, mas é possível gerencia-lo no cotidiano, a partir de um processo de autoconhecimento. Nem sempre é fácil a busca pelo autoconhecimento, deste modo se você não conseguir sozinho procure ajuda de profissionais.
O mais importante é cuidar direito de si mesmo, perceber se a sua saúde mental está comprometida e entender o que pode fazer para retomar uma relação positiva e equilibrada com a sua saúde mental, pois este certamente é um caminho importante para seu sucesso profissional!