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Nova regulamentação traça um novo rumo para a garantia de riscos catastróficos

Atualmente, o termo ILS é utilizado de forma genérica, abrangendo diversas espécies, sendo os mais famosos, os catastrophe bonds ou, simplesmente, CAT Bonds.

8/9/2022

A MP1.103/22 foi convertida na lei 14.430/22 no último dia 3 de agosto. Assim, consolidaram-se as novas figuras criadas pela medida: um novo tipo de licença para atuar no mercado segurador, a de Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE), e  um novo instrumento de dívida, a Letra de Risco de Seguro (LRS). Tais figuras possibilitam a transferência de riscos do mercado segurador para o mercado de capitais brasileiro, seguindo tendência observada em outras jurisdições. Antes de analisarmos a nova regulamentação, é essencial destacar que durante o trâmite do projeto de lei de conversão (15/22), foram feitos alguns ajustes e inclusões no tema. Dentre eles, podemos ressaltar: a nova redação do art. 11 que define que as faixas de enquadramento e os valores de taxa de fiscalização para as SSPE serão aqueles aplicados às seguradoras que operam exclusivamente com seguro de danos, do art. 12, §4º que admite que o CNSP disponha sobre a data-limite para que os riscos sejam considerados cobertos nos contratos de transferência de riscos para a SSPE; e a inclusão do art. 16, § 5º que esclarece que a independência patrimonial de um operação de LRS produz efeitos em relação a quaisquer outros débitos da SSPE, inclusive os de natureza fiscal, previdenciária e trabalhista.

A lei 14.430/22 foi inspirada na figura das Insurance-Linked Securities (ILS). A ILS geralmente é utilizada por seguradoras e resseguradoras (as chamadas “patrocinadoras”) para transferir riscos para participantes do mercado de capitais, os quais fornecem recursos para a garantia de tais riscos. Em contrapartida, os investidores são remunerados com base no resultado das operações subjacentes às ILS.

Atualmente, o termo ILS é utilizado de forma genérica, abrangendo diversas espécies, sendo os mais famosos, os catastrophe bonds ou, simplesmente, CAT Bonds.

Os CAT Bonds inauguraram o mercado de ILS no início dos anos noventa nos Estados Unidos da América, como solução à escassez de capacidade de resseguro provocada por diversas catástrofes naturais, tais como o furacão Andrew. Atualmente, estes instrumentos ainda respondem por parcela relevante do total de emissões de ILS no mundo. Por exemplo, as emissões de CAT Bonds representaram cerca de 85% do total de ILS emitidas no 2º Trimestre de 2022.

Inclusive, este contexto foi um dos motivos apresentados pelo governo brasileiro para a edição da MP 1.103/22. Na oportunidade, foi ressaltada a necessidade de incentivar um mercado para garantia de riscos catastróficos, tais como os que tem afligido o país (por exemplo, enchentes).

A Operação de Letra de Risco de Seguro

A operação de LRS terá por base, por exemplo, um contrato de seguro ou resseguro, por meio do qual a SSPE assumirá riscos pré-determinados. A garantia das consequências financeiras dos riscos será totalmente financiada por meio de recursos captados via emissão de LRS pela SSPE.

Caso a captação seja feita por meio de distribuição e oferta pública de LRS, a SSPE deverá observar a regulamentação emitida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Os direitos dos titulares de LRS estarão, em todo momento, subordinados às obrigações da SSPE assumidas no âmbito do contrato de transferência de risco. Isto é, nenhum pagamento (juros e principal) será feito ao investidor, caso prejudique a garantia (res)securitária prestada pela SSPE.

A lei estabeleceu que cada operação de LRS possuirá independência patrimonial, em relação: às demais operações efetuadas pela mesma SSPE; e à própria SSPE. A independência patrimonial será operacionalizada por meio da inscrição de cada operação no CNPJ (como ocorre, por exemplo, com os planos de benefícios administrados por fundos de pensão).

O patrimônio independente incluirá a parcela do prêmio pago pela contraparte não destinado à remuneração da SSPE, e será exclusivamente utilizado na liquidação das LRS a que estiver afetado, no pagamento de sinistros, de custos de administração e de obrigações fiscais da operação específica.

Próximos passos

Para que as operações de LRS comecem a ser efetivamente realizadas no mercado brasileiro, é necessário, no mínimo, que o CNSP regulamente o tema, tendo em vista que a Resolução CNSP 396/20 disciplinas apenas a figura do ressegurador local com propósito exclusivo (figura distinta, portanto, da SSPE).

Também será oportuna a disciplina específica do tema pela CVM, no que diz respeito às regras de oferta pública de LRS, assim como normativo a ser editado em conjunto pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) dispondo sobre a atuação de agentes fiduciários nas operações de LRS.

Eduardo Castro
Sócio no escritório Machado Meyer Advogados.

Pedro Ricco
Advogado no escritório Machado Meyer Advogados.

Leonardo Vasconcelos Ruzzarin
Advogado no escritório Machado Meyer Advogados

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