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A complicação da hipótese presumida econômica da relevância e a declaração de irrelevância pelo STJ

Numa leitura inicial que a Emenda nos revela, a questão federal será economicamente presumida como relevante de maneira individualizada, com a indiferença entre a relevância dessa questão federal existir ou não caso seja em um recurso com impacto econômico menor.

22/8/2022

Mesmo diante da falta de clareza ainda sobre o instituto da relevância da questão federal criado pela Emenda Constitucional 125/22, tanto pela falta de conceito sobre a própria relevância quanto pela subjetividade do que é/será relevante – no sentido de uma construção de ser juridicamente indeterminado, a própria Emenda trouxe hipóteses em que a relevância será presumida, conforme o rol estabelecido no teor acrescido e contido no art. 105, § 3º da CF.

Se o art. 105, § 2º da CF dispõe sobre o próprio instituto da relevância e a sua possibilidade aberta, em qualquer recurso especial, com a necessidade de que o recorrente demonstre que a questão federal é relevante, nos termos da lei, o parágrafo seguinte já regula hipóteses presumidas e numa tentativa de objetividade.

As hipóteses delineadas como relevantes presumidamente, no texto constitucional acrescido, são: (i) ações penais; (ii) ações de improbidade administrativa; (iii) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários-mínimos; (iv) ações que possam gerar inelegibilidade; (v) hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça; (vi) outras hipóteses previstas em lei.

Dentre estas hipóteses, o legislador reformador constitucional entendeu que seriam matérias, ações ou patamares financeiros de necessária relevância, já delineando presumidamente que o recurso especial que impugnar um acórdão nestes ditames, claramente, já é detentor de relevância, superando este ponto.

O presente texto recorta a hipótese de ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários-mínimos e a sua relação com a declaração de irrelevância. Essa hipótese presumida talvez seja a que mais gera críticas por sua escolha, tanto no aspecto processual e os impactos possíveis quanto pelo aspecto monetário e econômico.

A escolha pela inserção de um critério econômico impõe uma opção por um critério eminentemente monetário, o que é um aspecto das críticas, alguns com fundamentos e outras infundadas. Obviamente que ao presumir que causas acima de 500 (quinhentos) salários-mínimos já terão a relevância automática quando forem ao STJ é propor, de certa maneira, uma visão elitista do Tribunal.

Essa crítica é válida, contudo, merece um discernimento correto sobre a hipótese.

Evidentemente que a escolha tem impacto econômico, mas não exclui outras hipóteses sobre direitos fundamentais ou sobre qualquer matéria que seja possível arguir que há relevância, ainda que os valores sejam menores. Ou seja, ao criar essa hipótese, não se pode criticar que os valores abaixo estarão fora da relevância, somente não terão a relevância automática. A crítica pode ser sobre o valor ou até do critério econômico para a relevância presumida, mas não da exclusão em si.

Essa opção, diante da abertura para um critério meramente econômico, nos traz um problema, a presunção de qualquer matéria como relevante, desde que o valor que se discuta seja acima de 500 (quinhentos) salários-mínimos e o diálogo com o que a relevância em si será, um mero requisito de admissibilidade individualizado ou um meio de formação de precedente vinculante.

A presunção ser econômica impõe um critério que nada guarda relação com a matéria em si, sobre o seu impacto social, jurídico ou político, somente se adequando ao econômico e, mesmo assim, um econômico individualizado, não transcendente para a sociedade ou terceiros. Ou seja, não se analisará a matéria em si para a relevância, a questão federal existente no recurso especial, mas, nesse caso, somente o impacto econômico do que se alegou como questão federal.

O problema dessa escolha está na necessidade de compatibilização, pela lei regulamentadora, da presunção aqui descrita e a declaração de irrelevância em determinada matéria. É sabido que o intuito da relevância é para diminuir a quantidade de recursos especiais no STJ e, de algum modo a ser regulamentado, obstar a interposição de agravos em recursos especiais nesses determinados assuntos e questões tidos como irrelevantes.

Diante disso, é possível que determinada matéria já tenha uma declaração de irrelevância – ou falta de relevância – pelo STJ e, dependendo do que se regulamentar como consequência, não seja possível recurso especial – e o agravo em recurso especial – dessa matéria com a questão já tida como irrelevante.

No entanto, se em um caso, mesmo diante de uma matéria já declarada irrelevante pelo STJ, o recurso especial versar sobre questão que envolva em seu pedido recursal um impacto econômico superior a 500 (quinhentos) salários-mínimos, esta questão tornar-se-á relevante? Esse é um ponto de necessária reflexão.

De certa maneira, a presunção meramente econômica foca somente neste aspecto, abrindo uma amplitude de matérias, tornado indiferente qual seria a questão federal em termos material, importando, a priori, somente o impacto econômico que a discussão recursal detém. Mas, como compatibilizar uma matéria que já é irrelevante, com 2/3 (dois terços) do colegiado competente do STJ declarando-a como tal e um recurso especial sobre a mesma matéria cujo impacto seja superior a 500 (quinhentos) salários-mínimos? A presunção de relevância se sobrepõe ao precedente judicial negativo já firmado pela irrelevância? A resposta não é fácil.

A escolha pelo critério meramente econômico gera distorções na própria relevância, com a dúvida sobre a relevância presumida, ou não, em muitas matérias e questões federais já declaradas pelo STJ sem relevância pelo seu conteúdo.

Por tal escolha do reformador constitucional, o aspecto econômico gera essa objetividade e presunção na relevância da questão federal que impacta acima de 500 (quinhentos) salários-mínimos, contudo é essencial que a lei regulamentadora compatibilize essas dúvidas e encontre respostas sobre esse possível impasse.

Essa situação será quase que rotineira no STJ após a vigência da relevância, com a necessidade de uma construção que detenha coerência. Obviamente que a definição se a relevância é um mero requisito de admissibilidade ou um meio de formação de precedente vinculante ajudará nessa resposta, pela força que a norma futura dará, ou não, para a formação de precedente negativo a partir da declaração de irrelevância.

Se for mero requisito de admissibilidade, a tendência é não ter nenhum óbice sobre essa confusão entre a matéria constantemente ser irrelevante e determinado recurso especial que impacte economicamente um valor acima de 500 (quinhentos) salários-mínimos. O STJ continuará a julgar esse recurso especial se for admissível, com a relevância sendo presumível.

O aspecto muda e a dúvida continua se o intuito for impedir os recursos especiais de questões federais já declaradas irrelevantes, com a sua negativa pelo Tribunal recorrido e a impossibilidade – tal qual ocorre na repercussão geral – de interposição do agravo em recurso especial. Nesse caso, a formação do precedente negativo impediria a presunção econômica? Ou a presunção seria maior do que a irrelevância já declarada? Esse ponto é de crucial entendimento.

A lei regulamentadora deve delinear sobre esse ponto.

Numa leitura inicial que a Emenda nos revela, a questão federal será economicamente presumida como relevante de maneira individualizada, com a indiferença entre a relevância dessa questão federal existir ou não caso seja em um recurso com impacto econômico menor, tanto que seja de caso a caso, numa construção paulatina de jurisprudência persuasiva de irrelevância, ou sobre um precedente negativo declarar aquela questão como irrelevante de maneira geral.

Além da discussão sobre a lei futura possibilitar, ou não, outras hipóteses de relevância presumida, deve-se construir a compatibilização para esse problema e se a opção for realmente por obstar recursos especiais/agravos em recursos especiais de questões irrelevantes, é pertinente que clara e especificamente verse sobre o que deve ser feito nessa situação, se o recurso especial acima de 500 (quinhentos) salários mínimos também deve ser obstado pelo impacto da irrelevância ou se o critério econômico ultrapassa a irrelevância enquanto precedente vinculante negativo, enfrentando o mérito recursal.

Com uma preocupação menor, mas também existente, será se a relevância formar um precedente vinculante positivo do julgamento do seu mérito. Se o Tribunal aplicar a tese formada pelo STJ, o recurso especial seria impertinente, uma vez que se seguiu o precedente vinculante existente, utilizando uma técnica parecida com o previsto no art. 1.030 do CPC. No entanto, se o valor for superior a 500 (quinhentos) salários-mínimos, a presunção seria ainda existente para promover sempre a admissibilidade desse recurso que utilizou uma tese vinculante? A resposta deve ser que não, pelo fato do precedente do STJ ser adotado pelo Tribunal recorrido, sendo desnecessária a revisão (a não ser em caso de superação ou distinção) por causa do aspecto econômico, afinal a função precípua do STJ é pacificar entendimentos e uniformizar, o que estaria feito e a aplicação do precedente seria a concretização disto.

Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutorando em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor de Processo Civil na FARO e UNIRON. Presidente do IDPR. Advogado.

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