Em 1º de agosto de 2022, foi publicado acórdão proferido pela 1ª Turma do STJ no AREsp 1967127/RJ (2021/0236261-9), que manteve a fixação de honorários por equidade em causa de elevado valor, em descompasso com o que foi recentemente decidido pela Corte Especial do próprio STJ1, que em análise do Tema 1.076, assentou:
“A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do art. 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa”. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.”
O entendimento fixado em sede de recurso repetitivo, não observado no julgado referido, que se aborda a seguir, foi precedido de intensos debates, quando a matéria estava madura, objeto de inúmeros precedentes e, nesse contexto, fixara o STJ, através de sua Corte Especial, que incumbe ao Poder Judiciário arbitrar os honorários advocatícios por equidade apenas nas causas de valor muito baixo, ou, ainda, quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico (§8º do art. 85, do Código de Processo Civil2).
No âmbito do Direito Tributário, o arbitramento de honorários por equidade nas causas de elevado valor, além de ilegal (porque contrário às disposições do Código de Processo Civil), acaba por fomentar a distribuição de execuções fiscais sem o devido controle de legalidade prévio, já que no caso de extintas ou reduzidas, não terão a sucumbência proporcional ao valor executado indevidamente.
Com a recente fixação do Tema 1.076 pelo STJ e a obrigatoriedade da observância, pelos juízes e tribunais, ao que que restou decidido em sede de demanda repetitiva3, esperava-se o fim da reiterada fixação de ínfimos valores a título de condenação de honorários quando a demanda envolvesse a Fazenda Pública, com a devida aplicação do art. 85, §3º do Código de Processo Civil, calculando-os conforme os percentuais nele estabelecidos sobre o valor do proveito econômico.
Todavia, contrariando o que foi decidido e o propósito dos julgamentos de demandas repetitivas de uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, o recente acórdão, ora comentado, afastou a aplicação do tema 1.076 e manteve a fixação da verba honorária com base na equidade, justificando que o distinguishing decorreria do fato de se tratar de execução fiscal extinta por cancelamento da inscrição da Dívida ativa nos termos do art. 26 da LEF4.
Naquela execução fiscal o Município do Rio de Janeiro exigia o valor de R$ 730.974,90 a título de ISS, tendo havido a determinação de penhora sobre o faturamento, apresentação de exceção de pré-executividade, rejeição de pré-executividade, determinação de penhora online, indicação de bens à penhora, aceitação pelo fisco e oposição de embargos à execução fiscal para, somente após todos esses atos processuais desenrolados ao longo de mais de 10 anos, o exequente proceder ao tardio controle de legalidade e cancelar a inscrição do débito, pleiteando a extinção da execução com fulcro no art. 26 da lei 6.830/80 (LEF), que resultou na sentença que extinguiu o processo por perda superveniente do objeto.
Para o acórdão da Primeira Turma do STJ, ora em comento, na extinção de execução fiscal com fulcro no art. 26 da Lei de Execução Fiscal – LEF (lei 6.830/80) “não é possível identificar objetiva e direta relação de causa e efeito entre a atuação do advogado e o proveito econômico obtido pelo seu cliente, a justificar que a verba honorária seja necessariamente deferida com essa base de cálculo, de modo que ela deve ser arbitrada por juízo de equidade do magistrado, critério que, mesmo sendo residual, na específica hipótese dos autos, encontra respaldo nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade preconizados no art. 8º do CPC/2015.”
Em outras palavras, o acórdão entendeu que a atuação do advogado na causa não teve influência para o resultado do processo, cuja extinção se deu por cancelamento da dívida ativa, não justificando, assim, a fixação de honorários nos percentuais mínimos previstos no art. 85, §3º do CPC, razão pela qual afastou a aplicação do Tema 1.076 e fixou os honorários em valor fixo, com base na equidade.
Causa estranheza a interpretação dada pelo referido acórdão que prestigia o cancelamento da dívida ativa como fundamento para não remunerar os advogados na forma prevista pela norma processual, muito embora esse cancelamento tenha levado mais de 10 anos para ocorrer, em manifesta inversão da aplicabilidade do artigo 2º, §3º da lei 6.830/805 (Lei das Execuções Fiscais) que prevê a obrigatoriedade do controle de legalidade da certidão antes mesmo da propositura da ação executiva.
No nosso entendimento, em razão do princípio da causalidade, sumulado pelo STJ , é inquestionável a fixação dos honorários advocatícios pelas faixas previstas no art. 85, §3º do CPC7 e não pela aplicação do artigo 85, §8º do CPC8 porque esse tem aplicação residual e taxativa para as hipóteses em que for inestimável, irrisório ou muito baixo o valor do proveito econômico obtido, sob pena de alargar sua aplicação para todas as demais hipótese em que, subjetivamente, os julgadores entendem cabíveis, fazendo letra morta a vontade do legislador processual de 2015.
Ora, se o cabimento da condenação em verba honorária já foi reconhecido, somente pode ser fixada com a aplicação do critério legal e nenhum outro!!!
Ademais, deve ser ressaltado que no acórdão proferido pelo STJ no REsp 1850512 / SP (2019/0352661-7), que foi julgado pela sistemática de recursos repetitivos e ensejou a fixação do tema 1.076, foi abordado, inclusive, a fixação de honorários no caso de cancelamento de dívida ativa:
“É muito comum ver no STJ a alegação de honorários excessivos em execuções fiscais de altíssimo valor posteriormente extintas. Ocorre que tais execuções muitas vezes são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito. Ou seja, o ente público aduz em seu favor a simplicidade da causa e a pouca atuação do causídico da parte contrária, mas olvida o fato de que foi a sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários. Com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode premiar tal postura.
A fixação de honorários por equidade nessas situações - muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória - apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota.”
Portanto, conforme já enfrentado pela Corte Especial do STJ, inclusive nas causas em que ocorrer cancelamento de inscrição de dívida ativa, a fixação de honorários, decorrente do princípio da causalidade, deve ocorrer nos termos do §3º do art. 85 do CPC, aplicando-se o que restou definitivamente decidido pelo próprio STJ no tema 1.076.
Neste contexto, foram opostos Embargos de Declaração em face do acórdão prolatado no AREsp 1967127/RJ (2021/0236261-9), tendo a Primeira Turma do STJ a oportunidade de aperfeiçoar a tutela jurisdicional, para aplicar o Tema 1.076 e fixar os honorários com fulcro no art. 85, §3º do CPC, em cumprimento às disposições contidas nos arts. 926 e 927 III do CPC.