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Varas empresariais e de conflitos de arbitragem do interior do Estado de São Paulo

Em um balanço geral sobre a criação das Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitragem do Interior pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, temos posição firme de ser uma iniciativa muito positiva, especialmente por compreender as especificidades da matéria empresarial e os reflexos disso nas decisões judiciais.

16/8/2022

1. Da criação das Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitragem

A resolução 868, de 06 de junho de 2022, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo criou em entrância final as 1ª e 2ª Varas Regionais Empresariais e de Conflitos relacionados à Arbitragem da 4ª e da 10ª Regiões Administrativas Judiciárias, com os respectivos Ofícios Judiciais e cargos de Juiz de Direito criados pela lei complementar 1.336/18 e competência territorial abrangente de toda a 4ª e a 10ª Regiões Administrativas Judiciárias (RAJs)1.

As 2 (duas) RAJs estão localizadas uma ao lado da outra: a 4ª RAJ compreende a região de Campinas, enquanto a 10ª abrange a área de Sorocaba. Pela primeira vez na história do tribunal paulista, as duas novas Varas atenderão as duas regiões, em vez de uma Vara específica para cada RAJ.

As Varas Empresariais e de Conflitos relacionados à Arbitragem das 4ª e 10ª Regiões Administrativas Judiciárias funcionarão na Comarca de Campinas.

Trata-se de acolhimento pelo Tribunal paulista da recomendação 56 de 22 de outubro de 2019 do Conselho Nacional de Justiça que “recomenda a todos os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios que promovam a especialização de varas em recuperação empresarial e falência nas comarcas que receberam a média anual de 221 casos novos principais e incidentes relacionados à matéria, dos quais pelo menos 30 pertencentes às classes “Falência de Empresários, Sociedades Empresariais, Microempresas e Empresas de Pequeno Porte” ou “Recuperação Judicial”, considerados os últimos três anos” (art. 1º).

Em nosso entendimento, a criação das RAJs representa um importante marco na qualificação da prestação jurisdicional no interior de São Paulo, região pujante em termos econômicos e até então carente de um ambiente propício e especializado para enfrentar as recorrentes questões complexas que desaguam diariamente no Por Judiciário da região.

2. Da competência das Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitragem

A Jurisdição é o poder de dizer o direito no caso concreto (juris dictio), tendo como fundo a lide, que é o litígio que a parte interessada submete à decisão judicial do Estado-Juiz ou arbitro em razão de um conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida (art. 3º, CPC).

Trata-se da principal função exercida pelo Poder Judiciário (art. 7º, CPC), receber uma demanda e decidir sobre o Direito Material, resolvendo o conflito.

A jurisdição é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme a distribuição de competência determinada pela legislação. Deste modo, a competência é exatamente o resultado de critérios para distribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. A competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei. É o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição. É a medida da Jurisdição2.

Obedecidos os limites estabelecidos pela Constituição Federal, a competência é determinada pelas normas previstas no Código de Processo Civil ou em legislação especial, pelas normas de organização judiciária e, ainda, no que couber, pelas constituições dos Estados (art. 44, CPC).

Portanto, a criação das Varas especializadas como de família, sucessão, fazenda pública, falência e recuperação de empresa etc. depende da iniciativa dos Tribunais de Justiça, pois se trata de matéria relacionada à organização judiciária. E foi exatamente o que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fez com a resolução 868/22, inclusive criando o critério material para sua especialidade.

Pelo art. 3º da resolução 868/22, as Varas Empresariais e de Conflitos relacionados à Arbitragem da 4ª e 10ª Regiões Administrativas Judiciárias terão competência para as ações principais, acessórias e conexas, relativas à matéria prevista no Livro II, Parte Especial do Código Civil (art. 966 a 1.195) e na lei 6.404/76 (sociedades anônimas), bem como a propriedade industrial e concorrência desleal, tratadas especialmente na lei 9.279/96, a franquia (lei 8.955/94), as falências, recuperações judiciais e extrajudiciais, principais, acessórios e seus incidentes, disciplinados pela lei 11.101/05, incluídas as ações penais (art. 15 da Lei Estadual 3.947/83), assim como as ações decorrentes da Lei de Arbitragem (lei 9.307/96), e, ainda, para as ações principais, acessórias e conexas relativas à matéria prevista nos art. 13 a 24 da lei 14.193/21.

O critério de competência leva em conta a matéria posta na lide, as partes envolvidas, a função de cada órgão jurisdicional, o valor envolvido na causa e o território onde a ação deve ser proposta.

A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é absoluta e, portanto, inderrogável por convenção das partes (art. 62, CPC).

Já a competência em razão do valor e do território, é relativa e pode ser modificada por vontade das partes (art. 63, CPC).

O critério de competência das Varas Empresariais e de Conflitos relacionados à Arbitragem é, portanto, material e territorial. Material por relacionar as matérias que serão analisadas pelo órgão jurisdicional e territorial por abranger as ações propostas em toda a 4ª e a 10ª Regiões Administrativas Judiciárias.

3. Críticas as Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitragem

Inicialmente, cabe destacar que criticar não é, necessariamente, uma posição negativa sobre determinado tema, mas sim a capacidade de avaliação e trazer reflexões sobre o tema, sejam positivas e/ou negativas.

A criação das Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitragem do Interior do Estado de São Paulo, como já salientado, é medida que deve ser aplaudida, pois traz para as regiões desenvolvidas como as de Campinas e Sorocaba, onde se concentram inúmeras empresas, a possibilidade de julgamentos técnicos e específicos de Direito Empresarial.

A falta de especialização da Justiça surge como o maior problema do sistema brasileiro. É certo que não faz sentido econômico a criação de uma vara especializada em falência e recuperação judicial em cada uma das milhares de Comarcas brasileiras. Não haveria movimento suficiente de processos para justificar a criação de uma vara especializada em muitas Comarcas. Somente as maiores Comarcas teriam varas especializadas e os casos de falência e recuperação judicial que tramitam por regiões mais interioranas continuariam a ser julgados por juízos de competência geral3.

O Desembargador Ricardo Anafe afirmou que a região de Campinas tem movimentação suficiente para uma Vara e um pouco mais. Já a 10ª RAJ não tem movimentação suficiente para uma Vara. Com as duas Varas, conseguimos englobar toda a movimentação da terceira maior cidade do estado, que é Campinas, e a integralidade da 10ª RAJ", explicou o presidente do TJ-SP, desembargador Ricardo Anafe4.

Portanto, a criação de Varas Regionais foi a saída encontrada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para conseguir criar as 02 (duas) Varas Especializadas e atender o maior número de cidades.

É fato que pelas especificidades do Direito Empresarial, a maioria dos magistrados pode encontrar dificuldades em analisar e julgar causas deste ramo do Direito, especialmente casos de grandes proporções como falência e recuperação de empresas.

Por exemplo, na cidade de Florida Paulista/SP há a falência da Usina Floralco Açúcar e Álcool Ltda com centenas de credores que tramita em Vara Única, ou seja, o juiz responsável por esta falência acumula diversos outros processos, de diversos outros ramos do Direito. Uma loucura!

A criação da Vara Empresarial Regional solucionará este tipo de problema, pois concentrará todas as demandas de sua competência como, por exemplo, o caso da falência da Floralco. Assim, todos os processos de competência da Vara Especializada daquela região serão julgados por um juiz especializado na matéria, garantindo-se mais eficiência na aplicação da lei.

Em contrapartida, a atração dos processos de competência da Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitragem do Interior do Estado de São Paulo pode trazer um novo problema, que é a novidade dos casos aos juízes que serão nomeados, já que, em tese, os magistrados que atualmente são responsáveis por esses processos se desvincularão.

A preocupação da concentração de processos é a mesma do que ocorreu com a criação das demais Varas Especializadas como as da Fazenda Pública, Juizado Especial Cível, Família e Sucessões etc., qual seja, milhares de processos, em diversos momentos processuais, chegando para um novo juízo que deve se inteirar de tudo e de todos para dar o devido andamento e celeridade esperada pelos jurisdicionados.    

Outro ponto se relaciona a previsibilidade das decisões que serão tomadas pelos juízes das Varas Especializadas, fortalecendo a segurança jurídica perseguida pelos empresários.

Para Fabio Ulhoa Coelho: No ambiente de negócios em que a interpretação imediata das normas jurídicas é geralmente confirmada pelos juízes, há elevado nível de previsibilidade das decisões judiciais e, em decorrência, segurança jurídica. Se, no entanto, esta confirmação generalizada da interpretação imediata das normas gerais e abstratas não se verifica, o ambiente de negócios não tem segurança jurídica porque a imprevisibilidade das decisões judiciais nega aos agentes econômicos os instrumentos confiáveis para orientar suas decisões. Estas são tomadas, pode-se dizer, mais ou menos "no escuro”5.

O aumento da segurança jurídica no ambiente de negócios brasileiro interessa, sobretudo, aos consumidores e trabalhadores (à “comunidade”, pode-se dizer de modo genérico) e apenas secundariamente aos empresários e investidores. Estes, como afirmado, são disputados pelos diversos países interessados no incremento de suas economias. Se não se sentem suficientemente seguros em determinada jurisdição, os investidores podem simplesmente redirecionar a atenção para outras, sem maiores dificuldades. Consumidores e trabalhadores, porém, no mais das vezes, consomem e trabalham onde residem, não sendo a mudança de país uma opção sempre disponível ou fácil6.

E, concluí: Na economia globalizada, em que os investidores têm o mundo todo para investir, portanto, é à coletividade que interessa fundamentalmente a melhoria do ambiente de negócios, com o incremento do grau de segurança jurídica que o direito comercial inspira. Quando assegura a alocação de risco legal ou contratualmente definida, nas relações empresariais, é inevitável: o Judiciário protege a própria comunidade.

Neste ponto concordamos com o juscormecialista da necessidade da segurança do ambiente de negócio e, uma das formas disso ocorrer, é a especialização dos julgados na área empresarial.

Além da maior previsibilidade da Justiça e da maior segurança jurídica, as varas especializadas de competência regional gerarão um aumento da qualidade do trabalho do administrador judicial e trarão aumento da arrecadação de tributos (em razão do aumento da eficiência do processo de insolvência)7, inclusive com reflexos positivos nas demais demandas atraídas pela competência das Varas Regionais.

Com relação as matérias de competência das Varas Regionais temos o reflexo daquelas das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo critério é objetivo, evitando-se conflitos de competência que somente atrasaria dos processos.

Todavia, lamentamos a ausência dos contratos empresariais dentre as competências das Varas Regionais. Exceto o contrato de franquia, que está inserido nas competências das Varas Regionais, os demais contratos empresariais não serão analisados pelos juízes especializados, mantendo-se a competência das Varas Comuns.

Sabemos das discussões acerca dos contratos empresariais e os demais contratos privados, principalmente por parte da doutrina, porém poderia o Tribunal criar um critério objetivo para solucionar esta questão como, por exemplo, as partes serem empresárias com registro na Junta Comercial.

Em que pese essa unificação parcial do Direito Privado com o advento do Código Civil de 2022, é essencial compreender que os contratos empresariais possuem especificidades que os distinguem dos civis. Por exemplo, a disciplina de compra e venda de veículo entre particulares, não pode ser tratada da mesma forma do que a compra e venda de veículos entre uma concessionária e a montadora, tanto que foi criada lei especial para tratar do tema (lei 6.729/79 – Lei Ferrari).

Entendemos que os contratos empresariais, assim como as demais matérias de Direito Empresarial, devem ter uma melhor análise técnica e especializada e, portanto, nossa crítica negativa à ausência de desta matéria na lista de competência das Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitragem do Interior do Estado de São Paulo.

Considerações finais

Em um balanço geral sobre a criação das Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitragem do Interior pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, temos posição firme de ser uma iniciativa muito positiva, especialmente por compreender as especificidades da matéria empresarial e os reflexos disso nas decisões judiciais.

Doutro lado, há também a maior segurança jurídica que as decisões das Varas Especializadas trarão e o impacto positivo no ambiente de negócios, melhorando a posição Brasil entre outros países com atração de novos investidores.

Cremos que é um importante passo na melhoria da entrega jurisdicional para uma região tão importante no cenário nacional, com o consequente reflexo no ambiente dos negócios, além de pavimentar o caminho para futuras novas Varas Empresariais para outros temas importantes ainda não abrangidos.

Bruno Yohan Souza Gomes
Sócio do escritório Sartori Advogados. Mestre em Direito dos Negócios (Contratos Complexos/Societário) pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Especialista em Direito Contratual pela Escola Paulista de Magistratura (EPM) e em Fusões, Aquisições e Mercado de Capitais pela Universidade de Campinas (Unicamp). Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas (Unicamp).

Wagner José Penereiro Armani
Sócio do escritório Sartori Advogados. Doutor em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela Universidade Metodista de Piracicaba. Professor de Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

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