O acúmulo de função e o desvio de função são institutos que ainda provocam controvérsias, sobretudo porque não são poucos aqueles que não sabem distingui-los, sendo nosso objetivo justamente traçar a diferença entre ambos os institutos.
Para que possamos diferenciar acúmulo e desvio de função é preciso compreender que o empregado, ao ser contratado, o é para exercer as atividades comuns ao seu cargo, as quais hão de estar muito bem definidas.
Assim, como regra geral, o empregado está obrigado a desempenhar as atividades especificadas no contrato de trabalho. Caso não haja a especificação de tais atividades, o mesmo deverá exercer as atividades compatíveis, consoante a regra do art. 456 da Consolidação das leis do Trabalho, o qual determina que à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
Se por um lado o empregado se obriga às atividades para as quase foi contratado o àquelas compatíveis, por outro lado o empregador também está adstrito a este limite. Ocorre, não raras vezes o empregador extravasa tal limite, acabando por fazer com que o empregado acumule funções ou exerça funções não compatíveis com sua condição.
Haverá acúmulo de função quando um trabalhador, além das suas atividades ordinárias, passa a exercer – de forma simultânea e não esporádica – atividades comuns a cargo diverso. Em palavras outras, acumulará função o empregado que exercer de modo recorrente e além das atividades para cuja execução foi contratado, funções de outra natureza.
Já o desvio de função se dá na hipótese de o empregado passar a exercer, exclusive manete, função diferente daquele para a qual foi contratado. Perceba, ao contrário do acúmulo, não estamos diante de situação em que o empregado exerce simultaneamente duas funções distintas; neste caso, não se exerce mais a atividade primitiva e se passa a exercer nova função, para a qual não foi contratado.
O desvio de função também é uma prática ilegal prevista no art. 5º-A da lei 6.019/74, o qual preconiza: é vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços”.
Para efeitos didáticos, pensemos nas seguintes hipóteses:
- Um trabalhador é contratado por uma rede de postos de gasolina para ser frentista e, além de abastecer veículos, acaba por assumir as funções relativas à troca de óleo. Neste caso, o trabalhador exerce função compatível com sua condição pessoal, não havendo espaço para que se compreenda por acúmulo – e muito menos desvio – de função;
- Determinado trabalhador é contratado como vendedor de loja e, com o passar do tempo, passa a também exercer as funções de responsável pelo caixa, competindo-lhe o fechamento e elaboração relatório de vendas. Neste caso, o empregado está exercendo, ao mesmo tempo, duas funções distintas, observando-se o acúmulo.
- Contratado para exercer as funções de docente, um professor deixa a sala de aula e passa a exercer as funções de diretor pedagógico, sem alteração de remuneração. Neste caso, por fim, estamos diante de desvio de função, pois o trabalhador deixou de exercer a função para a qual foi contratado e passou a exercer uma nova função.
Nada obstante a Consolidação das leis do Trabalho silenciar acerca, à jurisprudência cumpre reconhecer ocorrer acúmulo de função quando, de maneira habitual e não esporádica e tampouco eventual (como, por exemplo, a assunção de uma atividade em caso de emergência), se exerce simultaneamente atividades distintas daquelas consideradas no contrato de trabalho.
No caso de acúmulo de função o empregado poderá (deverá!) pretender a adequação de sua remuneração com o pagamento de adicional ou até mesmo a rescisão indireta do contrato de trabalho (justa causa do empregador) pela alteração unilateral do contrato em seu detrimento.
Importante salientar inexistir regra específica que determine a razão do adicional por acúmulo de função. O cálculo é realizado, por analogia, com esteio na lei 6.615/78, a qual prevê adicionais de 10%, 20% e 40% para radialistas que acumulam funções no trabalho.
Importa ressaltar, o valor do adicional por acúmulo de função será fixado caso a caso pelo juiz que presidir eventual reclamação trabalhista, sendo necessário também atentar à existência de previsão em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho ou até mesmo em sentença normativa.
Nesta situação, o empregado também poderá (também deverá!) pretender a adequação de sua remuneração e seu reenquadramento – com regularização do registro lançado na Carteira de Trabalho e Previdência Social – ou até mesmo a rescisão indireta do contrato de trabalho, haja vista a alteração unilateral de seu contrato de trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho conserva a recentíssima compreensão1 de que:
O direito à percepção do plus salarial, oriundo do desvio ou acúmulo de funções, pressupõe, necessariamente, a demonstração do exercício de atividades distintas e estranhas àquelas inerentes à função para a qual o empregado foi contratado, quer de forma cumulativa com aquelas previstas no contrato (acúmulo), quer de forma exclusiva (desvio).
A doutrina e a jurisprudência consagram o entendimento no sentido de que, se o desempenho da função exige do trabalhador esforço ou capacidade superiores aos que lhe eram impostos quando contratualmente ajustado, ou houver previsão legal capaz de autorizar a majoração, essa deve ser assegurada.
Dessarte, quando a quantidade e a qualidade do trabalho exigidos modificam a natureza do pactuado com o trabalhador, revelando outro perfil de função, gerando novas e sucessivas obrigações, uma recomposição financeira se impõe, buscando-se tornar efetiva a condição sinalagmática do contrato, sendo o art. 460 da CLT um indicativo desse reequilíbrio, que nada mais é do que um acréscimo salarial.
Certo é, os empregadores hão de permanecer atentos ao exercício, por parte dos empregados das atividades para as quais forma contratados, sob pena de responderem pelo plus salariam em razão de eventual acúmulo ou desvio, podendo, inclusive, serem surpreendidos pela rescisão indireta do contrato de trabalho.
Como sempre reiteramos: melhor prevenir a indenizar!
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1 (TST - Ag: 14739020175060015, Relator: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 03/08/2022, 8ª Turma, Data de Publicação: 09/08/2022)