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Juíza suspende débitos de quase meio milhão de reais de superendividado com credores

A proposta da Lei do Superendividamento foi mais um incentivo para acelerar a decisão legislativa do que propriamente seus reflexos, considerando que o endividamento do consumidor brasileiro nos últimos 20 anos é uma realidade nua e crua.

2/8/2022

Em 18/7/22, a juíza da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá – MT, TJ/MT, em decisão inédita na aplicação da Lei do Superendividamento, suspendeu em favor do devedor o pagamento das mensalidades de empréstimos com credores, submetendo-os ao Plano de Pagamento apresentado.

A referida decisão ocorreu por descumprimento dos credores em parte do procedimento especial que a lei 14.181/21 introduziu ao Código de Defesa de Consumidor, dentre aqueles que descumpriram, estão Bancos, Cooperativas de Crédito, Fundações e Comércio.

O procedimento adotado está bem claro no art. 104-A e 104-B do Código do Consumidor, que traz modificações significativas nas tratativas de débitos do consumidor superendividado perante seus credores, entre elas, a possibilidade de o consumidor superendividado negociar ao mesmo tempo com todos os seus credores em audiência de repactuação de dívida pela via da conciliação.

O consumidor superendividado, conhecedor de seus débitos, pode propor junto a ação um plano de pagamento que comporte a preservação de seu mínimo existencial, disponibilizando um valor mensal para pagamento de seus credores.

O juiz ao receber a ação, imediatamente submete todos, devedor e Credores à audiência de repactuação (Conciliação), onde será apreciado o plano de pagamento realizado pelo devedor por todos ali presentes.

Durante a audiência, todos podem aceitar o plano de pagamento, podem rejeitá-los ou um ou outro credor aceitá-lo. Este que aceitou o plano apresentado pelo consumidor, de imediato terá o plano vigente e cumprido pelo devedor, no entanto, aqueles que não aceitarem, terão o justo momento de sua contestação e possível sujeição a plano de pagamento compulsório realizado pelo juiz.

Ocorre que um dos detalhes mais importantes e de garantia do direito do consumidor negociar suas dívidas é a presença na audiência de procuradores dos referidos credores com a plena capacidade de transigir, de fazer acordo, de oferecer propostas e/ou aceitá-las naquele momento da audiência, logo, a ausência dessa capacidade coloca em xeque o intento do legislador que é a busca da chance do consumidor negociar com todos os credores ao mesmo tempo, e por isso, os inabilitados ou não presentes, sofrem ônus, e foi neste desafio à norma vigente que os advogados do devedor (Outeiro Pinto & Rosseti Advogados Associados) colocaram a situação a apreciação da juíza do caso, conseguindo a suspensão imediata dos pagamentos.

A norma é bem clara quando diz que o não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, deve o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.

Além da suspensão da exigibilidade do débito, interrupção dos encargos da mora, sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida, os credores sofrem o ônus de somente começar a receber novamente do devedor após o pagamento aos credores presentes regularmente a audiência conciliatória.

Foi exatamente o que ocorreu no referido processo, pois que dos 8 (oito) credores inclusos no plano de pagamento do consumidor, somente dois deles estavam devidamente regulares junto a audiência, os demais não possuíam a capacidade de transigir outorgada, sendo que um deles nem ao menos compareceu na audiência, portanto, para esses 6 (seis) credores, recaíram os devidos ônus previstos na legislação.

Outro fato importante é que a decisão manteve efeitos retroativos, ou seja, a audiência foi realizada em 31/1/22, a petição da suspensão realizada pelos advogados ocorreu em 7/2/22, portanto a decisão judicial retroagiu a fev/22, cabendo aos credores a devolução imediata de tudo que foi pago pelo devedor desde então.

O Devedor Pessoa Física acumulava mais de R$ 500.000,00 em divididas, sua grande maioria empréstimos para quitar outros empréstimos e principalmente na categoria de consignados, com compromissos e prazos de até 10 (dez) anos, realmente um CAOS financeiro, a morte social e econômica do cidadão. Dívidas impagáveis que o tornaram escravo e vítima de uma economia calçada em endividamento.

O processo em si ainda terá a continuidade de sua tramitação nos ditames da lei especial, respeitando amplamente a vontade do legislador, o que, por já ser uma decisão de mérito, os credores poderão apresentar recursos ainda em seu curso procedimental, porém, trata-se de decisão judicial plenamente e claramente vinculada a lei, a que todos devemos obedecer.

A proposta da Lei do Superendividamento, vinha sendo estudada há muitos anos, tal promulgação ocorreu em meio ao caos provocado pela Pandemia, porém, este último foi mais um incentivo para acelerar a decisão legislativa do que propriamente seus reflexos, considerando que o endividamento do consumidor brasileiro nos últimos 20 anos é uma realidade nua e crua, trazendo ao destaque os famosos consignados.

O que mais perguntam em nosso escritório acerca da Lei é como saber se está superendividado. A própria lei traz a resposta em seu art. 54-A, §1º, ...quando diz que o superendividamento se dá pela  impossibilidade do consumidor, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial..., ou seja, ninguém está isento de pagar suas dívidas, entretanto o princípio constitucional de preservar sua vida, alimentação, moradia, educação, saúde, segurança, lazer, transporte e cultura, prevalecem.

O processo aqui relatado tramita em segredo de justiça.

Moacir Jose Outeiro Pinto
Advogado Graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso. Professor Universitário, Parecerista, Articulista, Palestrante, Escritor, Especialista em Direito Bancário, Empresarial e Constitucional.

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