Em 18/7/22, a juíza da 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá – MT, TJ/MT, em decisão inédita na aplicação da Lei do Superendividamento, suspendeu em favor do devedor o pagamento das mensalidades de empréstimos com credores, submetendo-os ao Plano de Pagamento apresentado.
A referida decisão ocorreu por descumprimento dos credores em parte do procedimento especial que a lei 14.181/21 introduziu ao Código de Defesa de Consumidor, dentre aqueles que descumpriram, estão Bancos, Cooperativas de Crédito, Fundações e Comércio.
O procedimento adotado está bem claro no art. 104-A e 104-B do Código do Consumidor, que traz modificações significativas nas tratativas de débitos do consumidor superendividado perante seus credores, entre elas, a possibilidade de o consumidor superendividado negociar ao mesmo tempo com todos os seus credores em audiência de repactuação de dívida pela via da conciliação.
O consumidor superendividado, conhecedor de seus débitos, pode propor junto a ação um plano de pagamento que comporte a preservação de seu mínimo existencial, disponibilizando um valor mensal para pagamento de seus credores.
O juiz ao receber a ação, imediatamente submete todos, devedor e Credores à audiência de repactuação (Conciliação), onde será apreciado o plano de pagamento realizado pelo devedor por todos ali presentes.
Durante a audiência, todos podem aceitar o plano de pagamento, podem rejeitá-los ou um ou outro credor aceitá-lo. Este que aceitou o plano apresentado pelo consumidor, de imediato terá o plano vigente e cumprido pelo devedor, no entanto, aqueles que não aceitarem, terão o justo momento de sua contestação e possível sujeição a plano de pagamento compulsório realizado pelo juiz.
Ocorre que um dos detalhes mais importantes e de garantia do direito do consumidor negociar suas dívidas é a presença na audiência de procuradores dos referidos credores com a plena capacidade de transigir, de fazer acordo, de oferecer propostas e/ou aceitá-las naquele momento da audiência, logo, a ausência dessa capacidade coloca em xeque o intento do legislador que é a busca da chance do consumidor negociar com todos os credores ao mesmo tempo, e por isso, os inabilitados ou não presentes, sofrem ônus, e foi neste desafio à norma vigente que os advogados do devedor (Outeiro Pinto & Rosseti Advogados Associados) colocaram a situação a apreciação da juíza do caso, conseguindo a suspensão imediata dos pagamentos.
A norma é bem clara quando diz que o não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, deve o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
Além da suspensão da exigibilidade do débito, interrupção dos encargos da mora, sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida, os credores sofrem o ônus de somente começar a receber novamente do devedor após o pagamento aos credores presentes regularmente a audiência conciliatória.
Foi exatamente o que ocorreu no referido processo, pois que dos 8 (oito) credores inclusos no plano de pagamento do consumidor, somente dois deles estavam devidamente regulares junto a audiência, os demais não possuíam a capacidade de transigir outorgada, sendo que um deles nem ao menos compareceu na audiência, portanto, para esses 6 (seis) credores, recaíram os devidos ônus previstos na legislação.
Outro fato importante é que a decisão manteve efeitos retroativos, ou seja, a audiência foi realizada em 31/1/22, a petição da suspensão realizada pelos advogados ocorreu em 7/2/22, portanto a decisão judicial retroagiu a fev/22, cabendo aos credores a devolução imediata de tudo que foi pago pelo devedor desde então.
O Devedor Pessoa Física acumulava mais de R$ 500.000,00 em divididas, sua grande maioria empréstimos para quitar outros empréstimos e principalmente na categoria de consignados, com compromissos e prazos de até 10 (dez) anos, realmente um CAOS financeiro, a morte social e econômica do cidadão. Dívidas impagáveis que o tornaram escravo e vítima de uma economia calçada em endividamento.
O processo em si ainda terá a continuidade de sua tramitação nos ditames da lei especial, respeitando amplamente a vontade do legislador, o que, por já ser uma decisão de mérito, os credores poderão apresentar recursos ainda em seu curso procedimental, porém, trata-se de decisão judicial plenamente e claramente vinculada a lei, a que todos devemos obedecer.
A proposta da Lei do Superendividamento, vinha sendo estudada há muitos anos, tal promulgação ocorreu em meio ao caos provocado pela Pandemia, porém, este último foi mais um incentivo para acelerar a decisão legislativa do que propriamente seus reflexos, considerando que o endividamento do consumidor brasileiro nos últimos 20 anos é uma realidade nua e crua, trazendo ao destaque os famosos consignados.
O que mais perguntam em nosso escritório acerca da Lei é como saber se está superendividado. A própria lei traz a resposta em seu art. 54-A, §1º, ...quando diz que o superendividamento se dá pela impossibilidade do consumidor, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial..., ou seja, ninguém está isento de pagar suas dívidas, entretanto o princípio constitucional de preservar sua vida, alimentação, moradia, educação, saúde, segurança, lazer, transporte e cultura, prevalecem.
O processo aqui relatado tramita em segredo de justiça.