No dia 16 de maio de 2022, o Plenário do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por maioria, entendeu pela inconstitucionalidade de dois dispositivos previstos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). São eles a alínea ‘f’ do inciso I do art. 702, além do seu parágrafo 3º, ambos introduzidos pela Reforma Trabalhista (lei 13.467/15).
Primeiramente, temos que a alínea ‘f’ do inciso I dispõe acerca dos critérios objetivos para a elaboração e alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, quais sejam: a necessidade do voto de pelo menos 2/3 do Tribunal Pleno, caso a matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, 2/3 das turmas em pelo menos 10 sessões diferentes em cada uma delas.
Já o parágrafo 3º define as regras que deverão ser observadas nas sessões de julgamento para o estabelecimento ou alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência. Estabelece o parágrafo 3º que as sessões deverão ser públicas, possibilitada sustentação oral pelo procurador-geral do trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo advogado-geral da União e por confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.
No entendimento do TST, tais dispositivos acabavam por violar as prerrogativas dos tribunais, no exercício de sua autonomia administrativa de elaborarem seus próprios regimentos internos e, por consequência, os requisitos de padronização da jurisprudência.
De acordo com o voto do relator, ministro Amaury Rodrigues, não cabe ao legislador se imiscuir, de forma invasiva, na ordem dos trabalhos internos e administrativos dos tribunais, de modo a suplantar a prerrogativa de elaborarem seus próprios regimentos internos. Ainda segundo o ministro, os dispositivos violam o art. 2º da Constituição Federal, que trata da separação dos Poderes.
Na perspectiva do voto vencedor e dos fundamentos utilizados pelo ministro relator, teceremos algumas considerações e comentários acerca do julgado.
A separação dos Poderes encontra-se prevista no art. 2º da Constituição Federal, tratando-se de um de seus princípios fundamentais. Dispõe a literalidade do dispositivo que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
A partir da literalidade do dispositivo, cumpre-nos interpretar e compreender o significado do texto constitucional, de modo a dar a eficácia e aplicabilidade correta às normas constitucionais.
Baseada na teoria de Montesquieu, a separação dos Poderes, incorporada ao texto constitucional de 1988, tem como objetivo a limitação do Estado, evitando a arbitrariedade e o autoritarismo.
Em resumo, a separação visa dividir o poder do Estado, através de funções atribuídas a órgãos independentes, de modo a permitir a limitação do poder em razão da sua incompletude.
Contudo, a separação de funções entre os Poderes não é absoluta, mas sim feita em perspectivas de competências típicas e atípicas.
A título de exemplo, o Poder Legislativo tem a função principal, e, portanto, típica, de elaborar o regramento jurídico do Estado, ou seja, elaborar leis. Mas, por outro lado, esse mesmo Poder também administra seus órgãos, oportunidade na qual exerce atividade típica do Poder Executivo.
Na atuação de suas funções atípicas, os Poderes ficam diretamente passíveis de controle e limitação, pelos detentores preponderantes de tais funções.
Isso se dá, porque como o próprio texto determina, os poderes, além de independentes, são harmônicos entre si, o que nos traz a perspectiva do sistema de freio e contrapesos, que consiste na ideia do controle do poder pelo próprio poder.
Portanto, por imposição constitucional, os poderes acabam por se completar e limitar.
Nesta perspectiva, com relação ao caso ora debatido, temos que o Poder Legislativo, no pleno exercício da sua função típica, qual seja a de criar leis mais apropriadas e aptas a regulamentar a vida em sociedade, criou critérios objetivos para que o Tribunal Superior do Trabalho possa estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência, os quais foram inseridos no art. 702 da CLT, não a alínea ‘f’ do inciso I e em seu parágrafo 3º.
Perceba-se, que a função de criar ou alterar súmulas decorre diretamente de uma função completamente atípica do Poder Judiciário, que, de forma direta, acaba por legislar, criando enunciados com poder normativo, gerais e abstratos, função típica do Poder Legislativo.
Ora, sabendo-se que somente através de lei é que se pode inovar normativamente a ordem jurídica, e que tal função é típica do Poder Legislativo, nada mais justo que sejam definidos, por lei, critérios e regras objetivos e rigorosos para elaboração dos verbetes jurisprudenciais com caráter normativo.
Ao se estabelecer critérios e regras para elaboração de súmulas e enunciados jurisprudenciais, a lei não está indo de encontro à vedação constitucional de interferência de um Poder sobre outro, mas apenas garantindo o “freio” na função atípica exercida pelo Poder Judiciário.
É relevante destacar, também, que o sentido teleológico dos dispositivos infraconstitucionais discutidos revela, na verdade, uma preocupação, em encontrar caminhos mais eficientes de estabilização dos julgados e de segurança jurídica.
Logo, mostra-se evidente que os dispositivos objetos da declaração de inconstitucionalidade não objetivam tolher ou se inserir na competência e autonomia dos tribunais, mas, na verdade, visam, apenas, conferir segurança jurídica, estabilização e uniformização da jurisprudência dos tribunais, de modo, ainda, que sejam tais aspectos apresentados e discutidos com a sociedade em geral, através das instituições representativas competentes.
Por outro lado, a restrição à edição de súmulas, contida nos dispositivos tido como inconstitucionais, de fato, não colidem com as normas da constituição, nem com seus princípios normativos, visto que foram aprovados em plena conformidade com o processo legislativo estipulado na Carta Magna, dentro do campo discricionário do legislador ordinário acerca de matéria de sua expressa e privativa competência (art. 22, I, da CF).
Portanto, não enxergamos, juridicamente, a inconstitucionalidade descrita pela decisão proferida pelo TST, acostando-nos ao posicionamento de que os dispositivos em discussão não afetam ou se inserem na autonomia e competência dos tribunais, de modo a ser reconhecida a ofensa à separação dos Poderes.