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O recurso especial com dois ou mais pedidos recursais e a arguição de relevância

Esse é o diálogo entre o novel requisito de admissibilidade do recurso especial – a relevância – e a complexidade objetiva dos recursos, neste caso, do recurso especial.

27/7/2022

O recurso especial impugna um acórdão de segundo grau – TJ ou TRF – e suscita a existência de uma questão federal a ser examinada pelo STJ, enquadrando a recorribilidade em uma das hipóteses do art. 105, III da Constituição Federal, almejando a interpretação correta daquele dispositivo legal.

O acórdão que possibilita a interposição do recurso especial pode conter uma diversidade de decisões: (I) questões preliminares; (II) questões prejudiciais de mérito; (III) a resposta a um só pedido da ação; (IV) a resposta a diversos pedidos da ação; (V) a resposta aos pedidos acessórios.

Todos estes pontos decisórios de um acórdão de um Tribunal de segundo grau, se enfrentarem dispositivos de lei federal de maneira equivocada – dentro das hipóteses das alíneas do art. 105, III da CF, são passíveis de impugnação via recurso especial. Esse acórdão pode ter uma diversidade de decisões internamente, mesmo sendo formalmente somente uma decisão.

Dessa maneira, o recorrente entenderá a quantidade de decisões existentes no acórdão e a quantidade de impugnações que fará no recurso especial, interligando cada ponto recursal a um ponto decisório e fundamentando sobre algum dispositivo federal contrariado pelo Tribunal recorrido.

O recurso pode ser mais simples, levando somente um capítulo recursal ou pode ser complexo, com diversas recorribilidades ao mesmo tempo, internamente naquele mesmo ato recursal.

Esse é o ponto a ser tratado nesse recorte: a quantidade de pedidos recursais do recurso especial e o diálogo com a relevância.  

Nos últimos dias, o Congresso Nacional promulgou a PEC da Relevância transformando-a na Emenda Constitucional 125/22, com a criação de um novo requisito de admissibilidade ao recurso especial, a necessidade de existência de relevância da questão federal.

A relevância foi criada com o intuito de transformar a atuação do STJ no julgamento do recurso especial, focando no julgamento somente de matérias consideradas como relevantes. A Emenda Constitucional 125/22 acrescenta no art. 105 da Constituição Federal os §§2º e 3º:

"§2º. No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento".

§3º. Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos: I - ações penais; II - ações de improbidade administrativa; III - ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos; IV - ações que possam gerar inelegibilidade; V - hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça; VI - outras hipóteses previstas em lei.1

A relevância e a sua concepção macro foram criadas nesta emenda, porém ainda depende de regulamentação2, até pela abertura conceitual que o 2º dispõe, bem como a própria menção de que a relevância será definida “nos termos da lei”. Tal qual a repercussão geral no recurso extraordinário, a relevância dependerá de uma lei para definir os seus limites, os seus impactos e consequências processuais e materiais.

Somente saber-se-á o que realmente é a relevância quando a lei regulamentadora for criada, definindo claramente o que é este novo requisito de admissibilidade do recurso especial, os seus moldes e o que deve ser exigido para a sua incidência, pautando, a partir de então, a atuação dos advogados nos recursos e a cobrança pelo STJ nos julgamentos.

A partir do momento em que for necessária a arguição da relevância, o recurso especial terá esse requisito de admissibilidade a mais, com a devida análise se a matéria recursal impugnada detém essa relevância. O intuito é interligar essa suscitação com a complexidade existente e normal do próprio recurso especial e a sua quantidade de recorribilidades.

Para tanto, diante da exposição preambular, é necessário interligar cada situação de escolha do recorrente e quantidade de impugnação que realizou no seu recurso especial. Quanto menos impugnações, menos pedidos recursais e, assim, menos relevâncias a suscitar.

Se o recurso especial contiver somente um capítulo, uma recorribilidade, seja em preliminar/prejudicial/acessória, seja em impugnação ao pedido da ação, a fundamentação deve ser somente sobre o que se recorreu e, consequentemente, a arguição de relevância deve interligar-se a este único capítulo recursal e a correspondente questão federal invocada.

Esse é o cerne da própria relevância da questão federal disposta na Emenda Constitucional 1º 125/22.

Depois de assentada essa base, a questão é explicar que a cada novo pedido recursal, evidentemente que o recorrente deve trazer a sua fundamentação e, por ser vinculada, deve trazer uma questão federal como base de sua impugnação excepcional no recurso especial. Se tiver dois pedidos recursais, são dois recursos especiais internamente, com a necessidade de duas questões federais e, consequentemente, duas relevâncias.

Todavia, não se pode confundir a pluralidade de pedidos recursal com a pluralidade de fundamentos dentro da mesma questão federal. Para realizar um só pedido no recurso especial, o recorrente pode trazer uma questão federal macro e algumas questões acessórias, mas dentro da questão federal basilar daquele pedido. Por exemplo, num recurso especial que se discute a possibilidade – ou não – de alterar as parcelas vencidas de uma multa, a questão federal é esta, representada pela interpretação do art. 537, § 1o do CPC, todavia pode-se também alegar que a possibilidade de alterar parcela vencida viola a coisa julgada (arts. 502 e 503) e a preclusão (art. 507).

Observe que os fundamentos posteriores ao art. 537, § 1º do CPC são questões federais, mas somente com o intuito de auxiliar a construção de ofensas e interpretações equivocadas da questão principal impugnada no recurso especial.

Dessa maneira, deve-se suscitar a relevância da questão federal que envolve todos estes artigos do CPC ou uma relevância para cada? A resposta nos parece simples, todos estes artigos são fundamentos – principal e acessórios – da mesma questão federal macro, sendo que a relevância alcançaria todos os fundamentos, justamente pela interligação entre eles.

Essa é somente uma questão federal, com desdobramentos internos entre os fundamentos e ofensas realizadas na interpretação federal no acórdão recorrido, uma ofensa principal e diversas acessórias, no mesmo ato, na mesma ofensa.

E sobre um recurso especial que fundamenta-se em somente uma questão federal, um capítulo decisório e contém somente um pedido recursal, o recurso é simples, mesmo que a questão seja preliminar, prejudicial ou principal. Se o recurso especial trouxer somente uma impugnação, tanto faz se será por error in procedendo (uma preliminar processual, por exemplo) ou por error in judicando (seja por pedido principal da ação ou acessório), o recurso será simples, uma questão federal suscitada e somente uma relevância a ser demonstrada.

Diferentemente ocorrerá se o recurso especial trouxer em seu conteúdo duas questões federais distintas e for complexo em seus pedidos, com mais de um pedido. Esse recurso terá no mínimo dois capítulos recursais, dois pedidos, tornando a análise judicante revisional complexa, por ser possível que o acórdão tenha que responder estes dois capítulos, formando duas decisões recursais, ainda que internamente de um só acórdão.

Essas hipóteses de recurso especial com mais de uma questão federal pode ser assim divididas3: (I) recurso com duas ou mais questões preliminares/prejudiciais/acessórias independentes4; (II) recurso com uma questão preliminar/prejudicial/acessória e uma questão que envolve pedido da ação5; (III) recurso com duas ou mais questões que envolva cada qual um pedido autônomo e independente da ação6.

Em todos estes casos, o recurso é complexo7, a recorribilidade suscitou, ao STJ, duas ou mais questões federais que são autônomas e independentes entre si, por mais que estejam no mesmo recurso. As questões devem ser analisadas uma a uma, não em conjunto, ainda que a análise de uma prejudique a da seguinte, como a análise de uma questão federal sobre cerceamento de defesa e anulação do acórdão, caso seja provida, pode tornar desnecessária a análise de eventual pedido recursal sobre o mérito da ação – um pedido de indenização, por exemplo.

O fato de ser um recurso complexo, com diversos pedidos, não impõe a necessidade de responder todos, dependendo da relação de prejudicialidade entre os pedidos existentes.

A dúvida recortada para este texto é a relação entre esta complexidade do recurso especial, constando nele a suscitação de diversas questões federais, cada qual com um pedido específico recursal, como se dialogar com a relevância? A relevância deve ser somente uma da questão de fundo? Mesmo que seja uma preliminar processual? Ou cada questão federal deve ter a sua própria relevância? Esses são os desdobramentos que se impõe com a interligação do tema complexidade objetiva recursal e arguição de relevância.

A resposta está em cada questão federal independente dialogar com uma relevância a ser suscitada, criando a necessidade de uma pluralidade de relevâncias no recurso especial complexo objetivamente.

Dessa maneira, se o recurso especial impugnar diversos pontos decisórios, com mais de uma questão federal a ser levada e um pedido recursal específico para cada questão, independente de qual o conteúdo do pedido recursal (anulação ou reforma do acórdão – error in procedendo ou error in judicando), a relevância deve dialogar com cada uma das questões independentes a serem impugnadas no recurso especial.

Esse ponto é importante para entender que igualmente o recurso especial pode conter, internamente, diversos recursos especiais e ser um recurso plural, caso impugne, num só ato, diversos conteúdos decisórios autônomos e independentes e para cada qual tenha um pedido recursal específico.

Nessa hipótese, a relevância deve dialogar com cada recurso interno, em termos materiais e suas questões, ou seja, se são dois recursos especiais independentes internamente, com impugnações de capítulos decisórios diversos, igualmente devem ser duas relevâncias arguidas no recurso especial, cada uma dialogando com a questão federal de seu capítulo e pedido recursal.

A cumulação de pedidos recursais autônomos e independentes, de acordo com a impugnabilidade de capítulos decisórios igualmente autônomos e independentes, impõe uma divisão na análise da admissibilidade, sendo alguns requisitos inerentes a totalidade do recurso, como a tempestividade, preparo, etc e em alguns requisitos, a análise será específica de cada capítulo recursal/decisório, como no cabimento de cada questão federal, o prequestionamento específico e, igualmente, agora a relevância dessa questão federal suscitada/impugnada.

Diante disso, o julgamento da relevância será igualmente autônomo e independente quando este recurso especial contiver complexidade objetiva, com mais de um pedido recursal autônomo e independente. Cada relevância será analisada em separado, ainda que na mesma decisão, sendo possível declarar todos os pedidos como relevantes, todos como irrelevantes ou admitir a relevância em um dos pedidos e não admitir no outro. 

Esse é o diálogo entre o novel requisito de admissibilidade do recurso especial – a relevância – e a complexidade objetiva dos recursos, neste caso, do recurso especial.

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1 Alguns pontos e limites já foram descritos pela própria Emenda Constitucional, como a divisão entre relevância subjetiva e objetiva/presumida (§3º.), a análise da relevância por órgão colegiado e a quantum de 2/3 (dois terços) para a sua negativa. São aspectos gerais sobre a relevância, os quais devem ser observados pela lei regulamentadora, porém esta futura lei terá enorme importância em realmente criar o instituto, a definição legal do que realmente é relevância, o que deve ser suscitado quando não for presumida/objetiva, o modo de suscitação, competência específica para a análise e consequências procedimentais. 

2 Sobre a impossibilidade de cobrança imediata da relevância nos recursos especiais: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Relevância das questões de direito federal em recurso especial e direito intertemporal. https://www.conjur.com.br/2022-jul-16/cunha-direito-federal-recurso-especial-direito-intertemporal

3 O tema sobre complexidade objetiva da ação foi o meu tema do meu doutoramento em processo civil na UNICAP. O estudo da complexidade da ação foi enfrentado para delinear os limites da cisão pela decisão parcial e, com isso, sempre dialogo a complexidade com as possibilidades consequenciais, como a impugnação complexa, total ou parcial e os problemas de cada instituto, como agora na relevância. 

4 Um exemplo desse seria um recurso especial com dois pedidos processuais, um por cerceamento de defesa no indeferimento de provas e outro por falta de intimação. Duas questões federais diferentes e nenhuma sobre o mérito da ação. 

5 Um exemplo seria um recurso especial com um pedido processual (como a nulidade do acórdão por algum erro processual) e a impugnação do mérito da ação em si, como uma indenização. Ou se for a impugnação de um pedido acessório e o da ação, como impugnar o mérito da ação – uma indenização – e discutir os honorários advocatícios ou juros (questão/pedido acessória). 

6 Nesse caso, o exemplo seria um recurso especial com realmente dois pedidos de mérito da ação: uma indenização por danos emergentes e uma indenização por perda de uma chance. Duas questões de mérito da ação diferentes, autônomas e independentes. 

 7 A complexidade da ação está em claramente posta em ser uma ação com diversos pedidos ou relações jurídicas a serem julgadas, diferentemente da complexidade do recurso, por poder dentro de uma mesma relação, ter pedidos múltiplos, como error in procedendo e error in judicando. 

 

Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutorando em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor de Processo Civil na FARO e UNIRON. Presidente do IDPR. Advogado.

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