Por capricho e até mesmo certo complexo de inferioridade, o sistema legislativo brasileiro busca incorporar conceitos europeus sem nenhum compromisso com a realidade do país e com a sua necessidade de evolução, desenvolvimento e investimento.
Com a lei Geral de Proteção de Dados que está em vigor, não é diferente. Ela foi recebida pela sociedade, pelo meio jurídico e pelo meio acadêmico com a resiliência de um país de “primeiro mundo”, sem quaisquer questionamentos.
Assim, a história se repete. Continuamos ignorando nosso contexto e momento histórico e buscando encaixar o quadrado no redondo.
De repente, “brotam” especialistas em LGPD que se limitam a aplicar as negativas desesperadoras da lei ao setor privado, desestimulando o investimento. É muito estranha a autodenominação “especialista em LGPD”. Especialistas estão ou são em setores da sociedade ou da economia em que a nova lei será desafiadoramente aplicada. Não há especialistas na própria legislação, até porque ela nunca foi aplicada em nosso país, tampouco em nosso contexto e cultura.
No setor de saúde pública a aplicação da LGPD implica o investimento de milhares de reais em servidores de internet, sistemas de segurança de última geração e em contratação de pessoal altamente especializado em segurança cibernética para dizer um sonoro “não” à realidade de um setor em que faltam investimentos para compra de insumos e medicamentos básicos, para a contratação médicos e para a capacitação e atualização de profissionais ligados à assistência ao paciente.
Estamos no início de uma discussão disruptiva, que é aplicação do metaverso na ampliação da assistência à saúde – sobretudo na saúde pública - e que faria chegar profissionais capacitados a localidades distantes e à pacientes desassistidos – o que pressupõe investimento e desenvolvimento que só é permitido com utilização e, diga-se de maneira bem clara, com a monetização de dados pessoais, o que nos leva a confrontar a LGPD. Caso a lei seja integralmente aplicada, significará dizer “não” aos investimentos.
É importante destacar três pontos que fazem parte da realidade do setor público de saúde: o primeiro é que investimentos em tecnologia, em modelos de ampliação de atendimentos à distância apenas virão com a possibilidade de que empresas de tecnologia possam efetivamente trabalhar com dados e deles retirar algum proveito financeiro. Não há desenvolvimento sem investimento e não há investimento sem retorno financeiro para quem os faz.
O segundo ponto é que, se tudo começa pelo exemplo, não há no sistema público que um setor ou um órgão sequer que possua condições, pessoal e tecnologia mínimas para que a LGPD seja integralmente aplicada. Portanto, se essa premissa é válida, a lei estaria impedida de ser aplicada ao setor privado pela simples ausência do exemplo. Notícias não faltam quando o assunto são sistemas de órgãos públicos invadidos por ataques hackers.
O terceiro ponto é que, num contexto de extrema pobreza, desassistência e miserabilidade em que a maioria dos brasileiros se encontra, pouco ou nenhuma diferença faz para eles a proteção de seu CPF, do seu RG ou do endereço de quem mora na rua. Essas pessoas precisam mesmo é de atendimento público de saúde especializado que a evolução e investimento fariam chegar.
No próximo governo – seja ele de qual partido ou corrente política for – será necessário rediscutir a aplicabilidade da lei Geral de Proteção de Dados, contextualizando-as às necessidades sociais de uma população que certamente prefere investimentos em modelos de saúde que permitam ampliação da assistência médica à distância ao sigilo do CPF.
É fundamental discutir antes os mecanismos para ampliação do acesso à saúde, dever do Estado e direito do cidadão previsto na Constituição Federal, pois é desse tipo de proteção que a população verdadeiramente precisa