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Qual deve ser a postura do Judiciário diante da negociação de ativos judiciais?

Conjuntura mundial, inclinada à crise, faz crescer necessidade de liquidez e venda de créditos judiciais se apresenta como alternativa vantajosa

21/7/2022

A compra e venda de ativos judiciais já faz parte da realidade brasileira e vem ganhando espaço nos últimos anos, com a chegada de empresas e fundos de investimentos especializados nesse tipo de negócio. A crise deflagrada pela pandemia também serviu como impulso pela busca desse tipo de transação por parte da população e dos advogados brasileiros.

As negociações desses ativos são feitas pelo procedimento da Cessão de Crédito, que por sua vez é regulada pelo Código Civil, a partir do art. 286. A legislação permite que os créditos judiciais sejam cedidos a terceiros, com algumas exceções, como, por exemplo, os créditos de natureza alimentar.

Tal procedimento é benéfico para a sociedade, uma vez que propicia liquidez aos cidadãos em momentos importantes de suas vidas, seja por necessidade de quitar uma dívida, pelo desejo de investir em algum projeto pessoal ou mesmo empreender.

No entanto, muitas vezes, a cessão de créditos oriundos de processos judiciais encontra oposição no próprio Judiciário, que se sobrepõe à vontade e aos interesses das partes. O melhor exemplo dessa situação ocorre na Justiça do Trabalho.

A possibilidade da realização da negociação de ativos obtidos na esfera judicial trabalhista ainda não é tema pacificado. Tanto que existe até mesmo projeto de lei que trata especificamente dessa questão. É o Projeto de Lei 4.300/21, que pretende alterar o Código Civil para permitir expressamente a cessão de créditos trabalhistas, proporcionando maior segurança jurídica à operação.

A questão é: Será que o Judiciário deveria realmente interferir nesse tipo de negociação?

A indagação é válida e pertinente sobretudo em momentos de crise, como o que se vive atualmente no mundo todo, que combate uma pandemia e se aflige em decorrência de uma guerra.

Nessa conjuntura, a população precisa de dinheiro em mãos, seja para atender as necessidades do dia a dia, seja para ter a possibilidade de criar um negócio próprio, para gerar mais renda. E a antecipação de valores que ficam por anos a fio travados em processos até o êxito na execução é uma alternativa mais vantajosa do que, por exemplo, a busca por um empréstimo bancário.

Um processo pode permanecer por anos somente na fase de execução, como demonstrado no relatório “Justiça em números 2021”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por que então impedir as pessoas que têm direito a valores já fixados em ações judiciais de buscar pela antecipação desse recebíveis, ainda que com deságio advindo do negócio?

Isso apenas força o aumento do endividamento do cidadão. Para se ter uma ideia, até o final do ano passado, 70,9% das famílias brasileiras estavam endividadas e possuíam, em média, uma parcela de 30,2% da renda comprometida com dívidas, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) de 2021.

Felizmente, esse pensamento de intervenção não é majoritário. Conforme comentado, há ainda discussões a respeito do tema e muitos representantes do judiciário se mostram favoráveis a possibilidade de negociação dos ativos judiciais pelas partes e terceiros.

Decisões recentes, como a proferida no Tribunal Superior do Trabalho, pelo ministro Douglas Alencar Rodrigues, favorável à cessão de créditos trabalhistas, apontam que a divergência que ainda paira sobre a negociação de ativos judiciais deve ter um desenlace positivo para o mercado.

Sem dúvidas, esse é o caminho mais adequado às necessidades e aos anseios da sociedade atual. A negociação de ativos hoje é feita por empresas especializadas, idôneas, transparentes, que atuam em consonância com a legislação e buscam harmonizar os interesses das partes, advogados e investidores no momento da análise dos processos e das propostas de compra de créditos.

Não obstante às manifestações já favoráveis por parte de magistrados à cessão de créditos judiciais, é preciso mais. É necessário que o Judiciário esteja mais atento à vontade das partes em relação aos créditos disponíveis para negociação, assim como aos interesses da sociedade como um todo frente aos desafios enfrentados no cotidiano, cada vez mais complexo e mundialmente conectado.

Renata Nilsson
Formada em Comunicação Social e Direito pela Universidade Anhembi Morumbi, com especialização em direito corporativo e compliance, acumula 11 anos de experiência na advocacia contenciosa e na estruturação de operações no mercado financeiro. Renata participou de diversas operações de M&A, contingenciamento de passivos judiciais e gestão e validação de créditos. Atualmente atua como consultora especializada de diversos fundos de investimentos (FIDCs) e plataformas de investimento, focados na aquisição de créditos judiciais, incluindo créditos judiciais trabalhistas, cíveis e precatórios como CEO e sócia da PX Ativos Judiciais.

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