Migalhas de Peso

Liberdade de imprensa e liberdade de expressão

O conflito entre censura e a dignidade humana. Uma crítica ao uso banal das mídias sociais.

20/7/2022

Introdução 

A polêmica acerca da Liberdade de Imprensa percorre por séculos, tendo seu auge no Brasil, na era da Ditadura Militar, onde houve censura à imprensa com determinação de prisão de jornalistas, sendo que alguns casos repercutem até hoje, principalmente no âmbito político democrático.

Desde então intensificou-se no Brasil a discussão acerca da violação à Liberdade de Imprensa e expressão, sendo fato notório que não raras vezes veículos de comunicações se manifestam repudiando certos atos dos quais entenderam terem seus direitos tolhidos.  

Pois bem, fato é que o surgimento e expansão dos meios tecnológicos, fez com que a comunicação e divulgação de fatos e eventos atingissem um número imensurável de pessoas de forma simultânea.

Tais tecnologias facilitam e contribuem com a acesso à informação, o que é um grande benefício, mas também traz alguns pontos de cuidado e reflexão.

Assim, indaga-se: Até que ponto o que é divulgado e publicado por esses meios não são “Fake News”? Até que ponto essas informações trazidas à tona não estão ferindo a garantia da dignidade humana? Até que ponto não está ocorrendo a exposição desnecessária e indevida do ser humano?

Diante deste cenário é necessária uma reflexão sobre o limite da Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão à luz da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como, com qual finalidade as mídias sociais são utilizadas.

O presente trabalho busca elucidar de forma clara, que o respeito a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana deve prevalecer à Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão, sem que isso seja considerado uma censura e sim apenas o exercício do direito da pessoa humana, com o uso consciente das mídias sociais. 

Liberdade de imprensa e liberdade de expressão – conceito e abrangência 

Inicialmente, é importante trazer à baila a diferença entre Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão.

A primeira diz respeito ao exercício da profissão de jornalismo e sua liberdade de assim o exercer, exprimindo suas ideias, enquanto a segunda refere-se ao direito de qualquer cidadão se manifestar de forma pública sobre suas ideias, trabalho, arte, protesto etc.

Ambas as Liberdades vêm estampadas na Constituição Federal de 1.988, sendo a Liberdade de Imprensa garantida pelo artigo 5º, inciso e XIV, que dispõe: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; 

Bem como pelo caput do artigo 220 da CF/88: 

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. 

O parágrafo 2º do mesmo artigo traz ainda a vedação à censura de qualquer natureza política, ideológica e artística.

A Liberdade à Expressão é garantida também pelo artigo 5º, inciso IV da CF/88: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; 

Nota-se que ambas as liberdades são garantidas por cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser alteradas sequer por Emendas Constitucionais.

Quando falamos de norma internacional, temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas), a qual o Brasil é signatário que também protege a Liberdade de Expressão em seu artigo 19º: 

Artigo 19

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Nesta mesma linha, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo decreto 592 de 6 de julho de 1992 em seu artigo 19 tem a seguinte previsão:

1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2.Toda pessoa terá direito à Liberdade de Expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente o por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro meio de sua escolha. 

Por fim, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil no ano de 1992, em seu Artigo 13, protege a Liberdade de Expressão e o acesso à informação, vejamos:

Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideia de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha 

Desta forma, resta cristalino que o Direito a Liberdade de Imprensa e a Liberdade de Expressão é uma garantia fundamental, todavia, resta entendemos qual o limite de sua abrangência.

Neste diapasão, a mesma norma que garante a Liberdade de Imprensa e Expressão também garante a inviolabilidade da vida privada, da honra e imagem da pessoa humana, garantindo indenizações em caso de violação, in verbis: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

Veja, pela simples análise do próprio artigo 5º da CF/88, concluir-se-á que a própria Lei coloca limites a Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão, assim, a garantia a Dignidade Humana deve prevalecer sobre as duas outras liberdades.

Ressalta-se que não há que se falar em censura e sim apenas a limitação de um direito. 

O direito à dignidade humana 

Na mesma linha de direitos das garantias acima mencionadas, o Direito à Dignidade Humana, também é um direito fundamental, previsto na CF/88, sendo essa a primeira Constituição a tratar do tema, todavia, desde 1934 a Constituição já traz a noção do princípio da Dignidade Humana como um Direito Constitucional. 

No Brasil, a Dignidade da Pessoa Humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito estampado no art. 1º da CF/88, in verbis: 

 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana; 

No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em seu artigo 1º, estabelece que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência devem agira uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

 Ainda, na esfera jurídica internacional, tanto o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais da ONU reconhecem a “dignidade inerente a todos os membros da família humana”. Nesse diapasão a Convenção Americana de Direitos Humanos que exige o respeito devido à “dignidade inerente ao ser humano” (art. 5º).

A dignidade da pessoa humana é inerente a sua existência, ou seja, a partir do nascimento já se adquire o direito a usufruir uma vida digna.

Tendo o próprio Estado elencado este direito como um direito fundamental, ter-se-á uma conexão com a realidade social do indivíduo, devendo assim acompanhar as necessidade e mudanças do comportamento social.

Corroborando com este entendimento Alexandre de Moraes (2000, p.60) afirma: “o direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros aparecem como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa
humana como fundamento da República Federativa do Brasil.”

Edilsom Pereira de Farias (1996, p. 54), sobre o princípio da Dignidade da Pessoa Humana assevera que:

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. É o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais.

Veja-se, a Dignidade da Pessoa Humana baliza a criação de todos os direitos fundamentais que orientam a vida em sociedade, inclusive o direito a indenizações em caso de violação da vida privada, da honra e imagem da pessoa humana (artigo 5º CF/88). 

Conflito entre censura e a dignidade humana. Uma crítica ao uso banal das mídias sociais 

Ao iniciar-se a reflexão acerca do tema trazido, necessário resgatar o alicerce que sustenta o discurso de censura que não raras vezes é abordado pelos meios de comunicação.

A censura ganhou destaque em um momento histórico e conturbado em que o Brasil vivenciou a partir da década de 60 e perdurou até meados da década de 80 (Ditadura Militar).

Nesta época, mais precisamente de 1964 a 1985, o Poder Público, a fim de controlar a opinião pública e assim manter a estabilidade do poder, censurou a circulação de informações. Essa restrição se dava de duas formas: controle de produção cultural e controle da circulação de notícias.

Essa censura fez com que muitas figuras públicas, tais como jornalistas, ativistas, cantores, atores, dentre outros, fossem recolhidos à prisão, alguns inclusive torturados.

Pois bem, os anos se passaram, a ditatura militar caiu e o Brasil tornou-se um Estado Democrático de Direito.

Passados mais de 30 anos dos acontecidos históricos, ainda se carrega no D.N.A Brasileiro, o peso da Censura sofrida àquela época.

Dado este contexto, passe-se a analisar o emprego do termo “censura” nos dias atuais.

Inicialmente necessário trazer o conceito literal da palavra censura que segundo o dicionário Aurélio é o exame crítico de obras literárias ou artísticas, enquanto a palavra censurar diz respeito ao ato de exercer censura sobre algo ou proibir a divulgação ou execução de algo.

A partir desde conceito olha-se ao nosso redor ou melhor aos nossos smartphones.  Uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2019 mostra que 82,7% dos domicílios brasileiros tem acesso à internet. Dada essa informação é possível concluir que hoje a notícia está literalmente na palma da mão, o que era inimaginável nas décadas de 60 a 80.

Fato é que a rápida expansão da tecnologia digital no mundo fez com que nós serem humanos nos comunicássemos cada vez mais rápidos de forma virtual utilizando as mais diversas modalidades de mídias sociais. Uma pesquisa realizada pela Global Digital Overview em 2020, revela que o brasileiro fica em média 3 horas e 31 minutos nas redes sociais, ocupando o terceiro lugar no ranking.

Atualmente já temos um ranking com as 17 maiores redes sociais do mundo, sendo que a maior delas possui 2,91 bilhões de usuários.

Trazidas todas essas informações, indagamos:  O que fazemos nas redes sociais? Qual contribuição trazemos ao mundo dispendendo mais de 03 horas do nosso dia em redes sociais?

Ao que parece boa parte da população utiliza as mídias sociais de forma fútil e banal, emitindo opiniões acerca de fatos, atos, e principalmente sobre a vidas de outrem, os quais muitas vezes nem conhecem pessoalmente, e não raras vezes gerando a cultura do ódio e do cancelamento.

Assim, qual o limite entre a Liberdade de Imprensa e de Expressão no uso das mídias sociais e a afronta a Dignidade Humana?

Diante de todo o contexto trazido é certo que a Liberdade de Imprensa e Expressão é limitada pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana, assim, é vedado expor o outro de forma fútil e banal apenas com o argumento de que a notícia vem acima de tudo, pois por trás da notícia existe um Ser Humano que possui direitos, sendo um deles o direito a uma vida digna, sem nenhuma mácula.

Veja, não há que se falar em censura, quando a circulação de uma notícia pode causar dano a outrem, seja de ordem moral ou material.

Ressalta-se que conforme demonstrado em tópico anterior, a própria Lei coloca limites a Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão, assim, a garantia a Dignidade Humana deve prevalecer sobre as duas outras liberdades.

Frisa-se:  não há que se falar em censura e sim apenas a limitação de um direito.

Ademais, as mídias sociais são uma arma poderosa e que se usada com consciência traz grandes benefícios a humanidade, mas se usada com insensibilidade, com crueldade e banalidade podem causar prejuízos a vida de uma pessoa que jamais poderão ser reparadas.

O dever de reparação           

O dever de reparação também é uma garantia constitucional, sendo que a CF/88 garante a inviolabilidade da vida privada, da honra e imagem da pessoa humana, garantindo indenizações em caso de violação, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

Tal direito a reparação também vem disciplinado no Código Civil Brasileiro de 2002, nos artigos 186 e seguintes e 927 e seguintes.

Estabelece o CCB/02 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (art. 186), bem como “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (art. 927).

Neste diapasão, caracterizado que o uso indevido das mídias sociais acarretou lesão à vida da pessoa, a qual atingiu sua intimidade, vida privada, a honra e sua imagem, será passível de reparação.

Corroborando com o exposto, trazemos o entendimento jurisprudencial acerca do tema:

EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO X DIREITO À HONRA E IMAGEM. POSTAGENS NA REDE SOCIAL ORKUT . ABUSO DE DIREITO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O direito à Liberdade de Expressão possui envergadura constitucional (art. 5º IV e IX e art. 220, § 2º da CF/88). Todavia, não se caracteriza como uma garantia absoluta, e o abuso de seu exercício, na prática, pode resvalar na violação de outros direitos igualmente protegidos pelo ordenamento jurídico, tais como os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade. 2. De acordo com o entendimento dos Tribunais Pátrios, e também deste E. Tribunal de Justiça, existindo ofensas mútuas entre as partes, descabe falar em direito a indenização, pois resta caracterizada a culpa recíproca. 3. Hipótese em que o Autor desincumbiu-se de seu ônus probatório, colacionando aos autos reprodução da página da web em que foi postada a mensagem de cunho difamatório e calunioso. 4. Lado outro, não restou comprovada a tese defensiva segundo a qual a postagem transcrita ocorreu num contexto de ofensas mútuas entre as partes do processo. 5. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-ES - AC: 00009488720138080033, Relator: ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 14/09/2020, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/09/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO À HONRA E IMAGEM. COLISÃO DE PRINCÍPIOS. TÉCNICA DA PONDERAÇÃO. EXCESSO NA MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO EVIDENCIADO. REMOÇÃO DO CONTEÚDO. CABIMENTO. PERIGO DE DANO. TUTELA DEFERIDA. Para a concessão da tutela provisória de urgência faz-se necessário que o postulante demonstre a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300 do NCPC). conflito entre princípios constitucionais opostos – Liberdade de Expressão e direito à honra e imagem – resolve-se pela técnica da ponderação dos direitos fundamentais que devem ser sopesados à luz do caso concreto. Hipótese em que a parte requerida efetuou postagens atribuindo à agravante, que é médica, a responsabilidade pelo falecimento de uma criança. Post que provocou diversas reações e comentários de natureza ofensiva, extrapolando o exercício da Liberdade de Expressão. Presença de perigo de dano. Tutela deferida. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (TJ-RS - AI: 50198870620228217000 RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Data de Julgamento: 02/03/2022, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: 07/03/2022).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PUBLICAÇÕES REITERADAS EM REDES SOCIAIS. INTUITO DE DENEGRIR A IMAGEM DA AUTORA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. COLISÃO. PRINCÍPIO DA HARMONIZAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. DIREITO À HONRA E À IMAGEM. EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Agravo de instrumento, sem pedido liminar, interposto em face de decisão proferida em cumprimento de sentença da ação de indenização por danos morais, que aplicou multa à ré em razão do descumprimento da obrigação de não fazer imposta em sentença, consistente em se abster de realizar qualquer postagem nas diversas redes sociais disponíveis, de conteúdo lesivo à honra e ao bom nome da autora. 1.1. Recurso aviado na busca pela reforma da decisão da origem. 2. O pano de fundo estampa relevante controvérsia travada em torno da colisão de direitos fundamentais e consubstanciada na tensão entre a Liberdade de Expressão, de um lado, e, de outro, a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. 2.1. Equacionar o exercício harmônico de direitos fundamentais dotados de natureza principiológica, cujos valores centrais muitas vezes se contrapõem, não é simples e foge dos padrões usuais de aplicação das normas jurídicas revestidas de objetividade, na qual a incidência está limitada a um conjunto determinado de condutas e situações. 2.2. Se de um lado a Constituição Federal assegurou o direito à livre manifestação do pensamento; a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; bem como o livre acesso à informação; também resguardou, de outro, a inviolabilidade da intimidade; da vida privada; da honra e da imagem, em observância ao próprio Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado no artigo 1º, III, da Constituição Federal. 2.3. A Liberdade de Expressão e informação desponta no plano fático como instrumento de autogoverno e consequência natural do sistema democrático de tomada de decisões públicas. 2.4. Atualmente, os direitos dos usuários de internet são protegidos pela Lei nº 12.965/2014 (denominada Marco Civil da Internet), incluindo o direito à intimidade e vida privada. 2.5. A Liberdade de Expressão, portanto, é a regra, mas seu exercício abusivo, com lesão a direitos individuais de terceiros, implica análise da responsabilidade civil e eventual indenização por dano material, moral ou à imagem, sem configurar censura. 3. A sentença da ação de indenização por danos morais atestou o prejuízo moral da autora e o nexo causal respectivo, oportunidade em que decidiu da seguinte forma: ?Pelas razões expostas, julgo procedente em parte os pedidos formulados na inicial para condenar a requerida: a) ao pagamento de indenização pelos danos morais experimentados pela autora, arbitrada em R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), a serem corrigidos monetariamente a contar da data desta sentença e acrescidos de juros de mora a partir de 13/09/2019, data dos fatos noticiados no Termo Circunstanciado, ID 70540028, por não haver data registrada nos demais documentos; b) na obrigação de não fazer, consistente em se abster de realizar qualquer postagem nas diversas redes sociais disponíveis, de conteúdo lesivo à honra e ao bom nome da autora, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 497 do CPC, sem prejuízo da possibilidade de majoração em caso de nova violação.? 3.1. Ocorre que, já no cumprimento de sentença a requerente noticiou que ré ainda estaria lhe importunando tanto pelo Whatsapp como pelo Instagram. Informou que a requerida é dona de um perfil que possui 12.400 seguidores e neste perfil continua a proferir ofensas contra ela. Disse que a ora recorrente não cita seu nome, mas faz diversos posts em que as pessoas que assistem e conhecem todos os envolvidos, sabem que a requerida está se referindo a ela, pois ela conta toda a trajetória das duas. Requereu que fosse imposta multa diária à requerida, para que se abstivesse de sequer citar nome, ou contar histórias acerca de sua história. 3.2. Dessa forma, procedeu com correção a decisão proferida na origem. Isso porque, em que pese a agravante não mencionar o nome da autora, acaba dirigindo-se a ela, a partir do contexto que envolve seu ex-marido, que hoje é atual companheiro da ré. 3.3. Como já dito, há uma linha tênue entre a Liberdade de Expressão e a violação aos direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem da pessoa. 3.4. Tendo em vista o efeito devastador que a redes sociais podem causar na vida de uma pessoa, quando não utilizadas corretamente, e os impactos já causados na boa fama da requerente desde antes da instauração do processo de indenização por danos morais, a demandada deve pagar a multa estabelecida, uma vez que, em que pese ter sido intimada a não propagar esse tipo de mídia, continuou a utilizar suas redes sociais de modo negativo para denegrir a imagem da autora. 4. Agravo de instrumento improvido. (TJ-DF 07229817820218070000 DF 0722981-78.2021.8.07.0000, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 22/09/2021, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/10/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)           

Diante do exposto, cristalino o dever de reparação quando a Liberdade de Imprensa e Expressão infringir o princípio da Dignidade Humana.

Conclusão 

Por fim, concluir-se-á que embora a Liberdade de Imprensa e de Expressão seja um direito garantido pela CF/88, existe um limitador de abrangência que é a inviolabilidade dos direitos da personalidade, inerentes ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Conforme restou claro no presente trabalho, a própria CF/88 cuidou de colocar limites a Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão.

Ressalta-se que as mídias sociais são uma arma poderosa e impiedosa, que podem causar prejuízos devastadores a vida de uma pessoa, os quais jamais poderão ser reparadas.

Desta forma, quando o uso imoderado e inconsciente das mídias sociais causar dano a outrem, não há que se falar em censura ou banimento à Liberdade de Expressão e sim em um dever de indenizar.  

Por todo o exposto, é essencial uma análise e reflexão sobre a qualidade e necessidade do material que é produzido e reproduzido nas mídias sociais, sob pena de generalizarmos a cultura do ódio e do cancelamento, um caminho sem volta.

______________ 

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Marcela Fabri
Coordenadora do Contencioso Trabalhista do escritório Sartori Advogados. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Padre Anchieta (Unianchieta). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Centro Universitário Padre Anchieta (Unianchieta), em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito (EPD) e em Relações Trabalhistas e Sindicais pela Wilson Cerqueira Consultores Associados (WCCA). MBA em Gestão Estratégica de Pessoas: Desenvolvimento Humano de Gestores pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

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