O sistema tributário brasileiro foi criado nos anos 1960 sob o paradigma do crime e da repressão. A crença dominante da academia e da administração tributária à época era que sem pesadas sanções não haveria pagamento de tributo. O mundo evoluiu e, atualmente, à luz de evidências empíricas, as modernas administrações tributárias vem aprimorando seu modelo de conformidade perante novo paradigma. O principal fator que incentiva o pagamento do tributo por parte do contribuinte é o binômio: justiça na cobrança e eficiência no gasto público. Educação fiscal não é retórica: é prática de respeito ao contribuinte.
O projeto de pesquisa “Infrações no Século XXI”, desenvolvido no âmbito do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, busca propor medidas para o aprimoramento do sistema de sanções tributárias. Relatório preliminar da pesquisa, baseada na análise da legislação tributária abstrata e na prática concreta da aplicação do direito pelos tribunais administrativos e judiciais, sugere as seguintes providências:
a) redução e substituição de tipos infracionais genéricos por hipóteses infracionais mais objetivas (e.g., falta de pagamento de tributo, descumprimento de obrigação acessória etc.);
b) gradação de penalidades vinculada à conduta do agente e racionalização das bases de cálculo e alíquotas das multas tributárias, em consonância com a jurisprudência nacional;
c) aplicação do princípio da consunção no direito sancionador tributário, de forma que condutas que impliquem falta de pagamento de tributo e simultaneamente descumprimento de obrigação acessória sejam apenadas uma única vez por uma única multa; e
d) instituição de mecanismos de admoestação do sujeito passivo infrator, com possibilidade de regularização sem punição, mediante orientações formais das autoridades fiscais, em atendimento ao caráter pedagógico das sanções, bem como em atenção a uma relação transparente e de lealdade entre fisco e contribuinte.
Com base nesses pressupostos e diretivas, propõe-se, mediante lei complementar, a criação de norma geral nacional sobre sanções tributárias, a fim de abordar, principalmente (mas não exclusivamente) os seguintes pontos:
a) limitação da base de cálculo das multas decorrentes da falta de pagamento de tributos ao valor do tributo inadimplido, uma vez que esta seria a materialidade do dano tributário a ser punido;
b) limitação da alíquota das multas decorrentes da falta de pagamento de tributos a até 100% do valor do tributo devido, em observância à jurisprudência pátria (conjuntamente com a racionalização da instituição de ilimitadas obrigações acessórias que transferem para o contribuinte deveres do fisco e funcionam como inesgotáveis pressupostos para retroalimentação das correspectivas multas;
c) instituição de sistemática de notificação prévia para sanar irregularidades que venham a ser constatadas pelas autoridades fiscais. Neste caso, a autoridade fiscal concederia orientações e um prazo para a regularização, sendo que, em caso de inobservância pelo sujeito passivo, poderia, então, ser aplicada a penalidade. Tal sistemática não seria aplicável nos casos de ação fiscal decorrente de fraude, conluio ou sonegação devidamente caracterizada, bem como em caso de reincidência;
d) instituição de sistemática de notificação prévia para fins de obrigações acessórias, com a possibilidade de aplicação de pena de advertência. Caso o sujeito passivo não realize a regularização no prazo concedido, poderá ser aplicada a penalidade comum da legislação. Tal sistemática não seria aplicável nos casos de ação fiscal decorrente de fraude, conluio ou sonegação devidamente caracterizada, bem como em caso de reincidência;
e) extensão da denúncia espontânea à multa de mora, em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como por descumprimento de obrigações acessórias. Ademais, também se pretende incorporar a possibilidade de combinação da denúncia espontânea com os institutos do parcelamento e da compensação;
f) instituição em âmbito nacional da inaplicabilidade de multa de ofício no caso de lançamento de ofício efetuado para prevenir a decadência, quando a exigibilidade do crédito tributário houver sido suspensa mediante antecipação de tutela ou medida liminar em mandado de segurança;
g) determinação em âmbito nacional que a interposição da ação judicial favorecida com antecipação de tutela ou medida liminar em mandado de segurança, tendentes a suspender a exigibilidade do crédito tributário, interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 (trinta) dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo; e
h) instituição em âmbito nacional de prazo decadencial para fins de aplicação da multa por descumprimento de obrigação acessória.
Tais propostas resgatariam a relação fisco-contribuinte para o Século XXI, alinhando-a às tendências internacionais, superando inúmeros litígios hoje travados em torno de patologias do sistema tributário atual.