Direito Penal estadual e o federalismo brasileiro
André Figaro*
O que se pretende, pelo visto, é que cada Estado possua seu próprio Código Penal (clique aqui), à semelhança do sistema federativo dos Estados Unidos, de modo a permitir, em tese, melhor adequação da legislação penal à realidade social de cada Estado.
Como se sabe, a Constituição brasileira de 1988 (clique aqui) prevê, basicamente, três espécies de competências legislativas:
a) exclusivas: atribuídas, com exclusividade, a um só ente federativo (por exemplo, a competência do Município para legislar sobre assunto de interesse local – art. 30, I, da CF);
b) privativas: atribuídas à União, mas passíveis de delegação aos Estados e ao Distrito Federal, por lei complementar, para a disciplina de questões locais específicas (art. 22, caput, c. c. o art. 22, par. ún., da CF);
c) concorrentes: atribuídas de maneira paralela à União, aos Estados e ao Distrito Federal. Nas matérias submetidas a essa espécie de competência, em regra, a União deverá editar normas gerais, e os Estados e o Distrito Federal, normas específicas (art. 24 da CF).
A competência para legislar sobre Direito Penal está inserida na segunda espécie. É, portanto, competência privativa da União legislar sobre Direito Penal, conforme expressamente dispõe o art. 22, I, da CF.
Assim, mesmo no sistema vigente, é possível, em tese, que tenhamos normas penais estaduais, desde que estejam presentes dois requisitos:
1 – Delegação da União para o Estado ou Distrito Federal por lei complementar federal.
2 – Existência de uma questão específica a ser disciplinada pelo Estado ou pelo Distrito Federal.
Embora exista essa possibilidade teórica no plano jurídico-constitucional, não se tem notícia do exercício dessa faculdade por um singelo motivo: a delegação da competência da União aos Estados depende de lei complementar, enquanto a elaboração da norma penal pelo Congresso Nacional exige apenas lei ordinária.
Em suma, é muito mais trabalhoso para o Congresso delegar a competência do que legislar diretamente sobre a matéria, sem mencionar que a delegação ao Estado evidentemente importaria na perda do controle da União sobre o conteúdo da norma a ser elaborada pelo Estado.
Por esses motivos, o sistema de competência privativa, na prática, concede à União o exercício pleno do poder legiferante em matéria penal.
Essa concentração de poderes na União é uma característica do federalismo brasileiro e decorre da formação histórica de nosso Estado, que nasceu unitário, desmembrou-se em províncias e, depois, em Estados-membros.
É por isso que, tradicionalmente, as competências da União no Brasil são muito mais amplas que as estaduais e quase todo o Direito brasileiro (inclusive o Penal) é federal.
Exatamente o fenômeno oposto ocorreu nos Estados Unidos da América, onde a União foi gerada pela aliança de Estados independentes, razão pela qual quase todo o Direito norte-americano é estadual (inclusive o Penal).
Afora a absoluta dissonância com a formação histórica do Estado brasileiro, a transferência da competência legislativa penal aos Estados gera, a nosso ver, os seguintes problemas:
1 – não haveria obrigatoriamente maior eficácia na aplicação da norma penal (o problema está na aplicação da norma, e não na elaboração da lei);
2 – seria criado sério desequilíbrio federativo ao se estabelecerem normas diferentes, com penas diferentes, regulando a mesma conduta <_st13a_personname w:st="on" productid="em vários Estados. Isso">em vários Estados. Isso poderia gerar “rotas criminosas” pelos Estados onde a pena fosse mais leve, situação semelhante à da “guerra fiscal” entre os Estados, voltada para o Direito Penal;
3 – submeteria a legislação penal à situação político-social regional. A ausência de controle da União permitiria, em tese, que a norma fosse produzida para se adaptar a interesses oligárquicos regionais.
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*Procurador do Estado de São Paulo e Professor de Direito Constitucional no Complexo Jurídico Damásio de Jesus
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