O que acontece quando o Judiciário alemão, um tribunal de família de Michigan e um tribunal distrital dos EUA se envolvem com o mesmo caso de sequestro internacional de crianças? Uma família de Michigan, nos Estados Unidos, acabou de descobrir.
A situação é a seguinte: um pai, uma mãe e dois filhos. A mãe alega que as crianças foram ilicitamente levadas da Alemanha para o Estado de Michigan, nos Estados Unidos, pelo pai.
Ocorre que, desde a época de seus nascimentos, as crianças viviam com os dois genitores em Plymouth, Michigan, nos EUA. Após alguns anos, em 2014, a família decidiu se mudar para a Alemanha, de modo que, uma vez instalados na Europa, se tornou costumeiro que as crianças realizassem visitas à sua terra natal.
Em uma dessas idas, os genitores concordaram que o pai levaria as crianças para visitar os parentes durante o verão de 2020, ficando acordado que o retorno dos menores ocorreria até o início de setembro.
Contudo, se aproveitando dessa permissão inicial, o pai não retornou para a Alemanha com as crianças.
Assim, em novembro do mesmo ano, a mãe apresentou perante o tribunal distrital dos EUA uma petição de retorno dos menores com base na convenção de Haia.
Após o ajuizamento do pedido, foi realizada uma tentativa de mediação, a qual não logrou êxito.
Simultaneamente à ação Federal de Haia, a mãe também ajuizou uma ação com fundamento na Lei de Custódia Infantil perante a divisão familiar do tribunal do condado de Wayne com o fim de registrar e impor uma ordem alemã de guarda, exigindo, também, o retorno das crianças para a Alemanha.
Com base nessa ordem judicial alemã que concedeu a guarda das crianças para a genitora, o juiz de família do condado de Wayne determinou, em dezembro de 2020, que o pai entregasse as crianças para que estas retornassem, juntamente com a mãe, para a Alemanha.
No ano seguinte, em janeiro de 2021, a mãe apresentou uma petição solicitando a extinção do processo Federal de Haia sob o argumento de que, em virtude da decisão do condado de Wayne, as crianças já tinham retornado à Alemanha.
Contudo, surpreendentemente, o pai se opôs à esse pedido.
Um pouco sobre a questão da guarda nos EUA
A convenção de Haia busca desencorajar e reparar o sequestro de crianças praticado por um dos pais ou responsáveis. Para tanto, sua principal premissa é “privar as ações do ‘sequestrador’ de qualquer consequência prática ou jurídica”.
A remoção ou retenção de uma criança é considerada ilícita quando tenha ocorrido violação a direito de guarda atribuído a pessoa, instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e quando esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
A convenção de Haia foi implementada nos EUA através da “International Child Abduction Remedies Act”, lei que expressamente forneceu jurisdição Federal original e simultânea. Isso significa que um pai tem a opção de apresentar a petição em um tribunal de família estadual, ou em um tribunal distrital Federal dos EUA.
No entanto, ao contrário dos EUA, muitos países não são signatários da convenção de Haia. Isso significa que não se pode apresentar uma petição de devolução de Haia caso esse país não-signatário esteja envolvido, vez que é necessário que ambos os Estados sejam membros do tratado. Felizmente, quando o outro país não é signatário da convenção de Haia, a Lei de Custódia Infantil poderá ser utilizada perante um tribunal estadual nos EUA.
Flórida, Michigan, e quase todos os outros estados americanos aprovaram a Lei de Custódia Infantil. O aspecto mais fundamental dessa legislação é a abordagem sobre a jurisdição necessária para iniciar um caso. Ou seja, para determinar qual estado tem a jurisdição adequada para lidar com o processo. Nesse sentido, a Lei de Custódia Infantil exige que o Estado que julgará a ação tenha alguma relação com a criança.
Essa competência poderá ser baseada em onde a criança reside ou em suas conexões com o Estado.
No caso de Michigan, é preciso que o menor tenha nascido no território do Estado ou, alternativamente, tenha sido sua residência por até seis meses antes do início do processo de guarda. Para além, existe a hipótese de jurisdição de emergência caso a criança esteja em perigo e precise de proteção imediata.
Contestação!
De volta ao caso da família de Michigan, em 15/3/22, um juiz dos EUA emitiu um relatório recomendando que o pedido da mãe de extinção do processo fosse apreciado, e que os autos fossem arquivados com resolução de mérito.
O juiz explicou que o único mérito disponível na petição da convenção de Haia é o retorno das crianças à Alemanha. Contudo, como essa matéria já tinha sido tratada pelo juiz de família do condado de Wayne, a petição Federal de Haia tinha perdido o seu objeto.
Portanto, o pai não poderia, como o requerido, pleitear o retorno das crianças para os EUA, continuando a litigar na petição da mãe.
Mesmo assim, o pai se opôs ao relatório e recomendação do juiz e solicitou que fosse proferido um julgamento.
Então, o juiz distrital revisou a irresignação do pai e observou que ele não tinha conseguido expor qualquer argumento ou citar qualquer autoridade legal que rechaçasse as conclusões alcançadas pela recomendação, não identificando, portanto, quaisquer questões factuais que tenham sido apresentadas de maneira errônea na recomendação.
Logo, verificou-se que o pai tinha renunciado a qualquer objeção no que tange à análise substantiva do relatório e recomendação.
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Observação: Esse artigo e uma tradução do International child abduction case goes blue escrito por Ron Kauffman. Você pode encontrar a versão original através desse link: https://www.rhkauffman.com/blog/