Em tempos de polarização política, cujos ânimos estão inflamados, agressivos, impacientes e desarrazoados; em épocas de processo penal espetacularizado, onde mais parece prevalecer a pirotecnia à efetiva persecução penal (perseguição ao infrator exercida pelo Estado), Santa Catarina se insere, cada vez mais, neste tragicômico enredo.
Depois de anos midiáticos, de autos sangrentos e de ferimentos vorazes a inúmeros direitos constitucionais, mormente à presunção de inocência, os rumos daquela que tinha o potencial de ser uma das maiores empreitadas de punição à corrupção em Santa Catarina, quer seja a Operação Alcatraz – assim como a “coirmã” de nível Federal, Lava Jato –, acabou se esvaindo em suspensões, nulidades e incompetências aportadas às terras barriga-verde, nas palavras do poeta português de que “quem vai ao sabor do vento, vai a todo o lugar menos onde queria ir”.1
Em cartaz nos tempos de outrora, foi assim também com as denominadas Operação Moeda Verde, Operação Ouvidos Moucos – que culminou com o suicídio do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier – e, agora, na Alcatraz. Qual será a próxima releitura? Ou em tempos mais atuais, a nova temporada em solo catarinense?
Modismo ou não, coincidência ou não, cumpre observar um interessante paralelo onde, aparentemente, o direito penal vem sendo usado como meio de se chegar à política; ou instrumento para atingir alguns políticos.
Importante sopesar que, aqui, a defesa não é pela impunidade. Jamais! O que se pugna são As fiéis e intransigentes observâncias aos regramentos legais, que não podem ser esquecidos, flexibilizados ou tergiversados.
Porém, assim como o direito, política não é para os ambiciosos, avaros e individualistas. Para estar e viver na política, não basta se filiar a partido ou agremiação, é preciso muito mais!
É imprescindível saber dialogar, ser tolerante, ceder, pensar no coletivo, conviver com as diferenças, defender ideias e ideais sem agredir aos que pensam de forma diversa, além do que é indispensável o respeito ao adversário que sabe “combater o bom combate” de um processo dialético.
Trocando em miúdos, política é a arte da convivência harmônica, tolerante e pacífica, e que, a despeito das divergências, os atores principais acabam por convergir ao entendimento de que o bem comum está acima dos interesses individuais.
Por isso, razão toda ao dramaturgo e poeta contemporâneo alemão, Bertolt Brecht, que advertiu:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo”.2
Assim, neste enlace entre política e direito, entre persecução e espetacularização penal, volta-se aos ensinamentos do tempo para transcrever trecho do artigo "Perante o 'tribunal da mídia', haveria imparcialidade da imprensa à luz da presunção de inocência?", escrito no auge da Operação Alcatraz, em 2019:
"E justamente devido a toda essa exposição midiática (cada vez mais impulsionada por quem deveria zelar pela discrição e imparcialidade que os autos exigem), é mais do que notório que muitas reportagens têm dilacerado preceitos constitucionais como o contraditório, a ampla defesa, a legalidade e a presunção de inocência; jogando sob os holofotes do 'Tribunal da Mídia', aquele que já figura como culpado sem antes mesmo ter sido julgado.
E quantos outros tiveram seu direito à presunção de inocência preterido e que, após a absolvição dos tribunais, dificilmente puderam desfrutar da liberdade plena por terem sido 'pré-condenados' nos jornais?
Por fim, lembremo-nos que a fase investigativa é inquisitorial e ao investigado é assegurado o direito constitucional de ficar calado. Dessa feita, reflitamos: se aquele que opta pelo silêncio deve ser respeitado, imagine então o que responde a todas as perguntas da autoridade policial de modo a contribuir pela justa e perfeita elucidação dos fatos.
Por isso, não podemos admitir que o teor de um procedimento sigiloso (como o Inquérito Policial) seja ofertado como pauta nas redações. Aí, estaríamos diante de dois grupos: dos justiceiros que buscam nas reportagens, a robustez faltante nos autos de suas responsabilidades; e dos oportunistas que querem transformar em notícia, aquilo que a imparcialidade - que os carece -, vedaria."3
Ademais, política e políticos não devem ser tratados com repugnância quando imbuídos do espírito público. Ignorância política, por assim dizer, é tão perniciosa quanto o politiqueiro e a politicagem. Da mesma forma quanto ao direito, que não pode ser tratado como pauta em redações jornalísticas a fim de condenar como, no já citado, “tribunal da mídia”!
Afinal, se o processo penal é um “jogo”, que se cumpram as regras postas e impostas! Eis o requisito basilar do Estado Democrático de Direito! Seguir a CF/88 é a chancela de mantença da democracia.
E hoje, como ficam aqueles que foram despidos de sua presunção de inocência? Haveria meio de recuperar a imagem arranhada precocemente e, que agora com o passar dos anos, sabidamente injustamente? E quanto aos danos materiais, psíquicos, familiares, políticos ou até da própria vida daqueles que infelizmente sucumbiram?
Por fim, volta-se ao início do texto com o convite à reflexão deixado por Albert Einsten: “O meu ideal político é a democracia, para que todo o homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado.”
_____
1 PINCORUJA. Jorge. Com um Olhar nos Oleandros. Portugal. Chiado Editora. 2014.
2 BRECHT. Bertol. North Americans in Solidarity with the People of Brazil, Vols. 1-7 (1988, p. 42).
3 COUTINHO. Thiago de Miranda. Perante o 'Tribunal da Mídia', haveria imparcialidade da imprensa à luz da Presunção de Inocência? JusCatarina. 2019.