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Controle externo a favor do judiciário

Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário. Sob a Constituição de 1988, recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo.

18/2/2004

Controle externo a favor do judiciário


Luís Roberto Barroso*

Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário. Sob a Constituição de 1988, recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo. Embora seus métodos e argumentos sejam jurídicos, é fora de dúvida que a competência para declarar inconstitucional a cobrança de um tributo ou para impor limites à atuação de uma CPI é um exercício de poder.


Sem embargo de desempenhar um poder político, o Judiciário tem características bem diversas dos outros Poderes. É que seus membros não são investidos por critérios eletivos nem por processos majoritários. E é bom que seja assim. A maior parte dos países do mundo reserva uma parcela de poder para que seja desempenhado por agentes públicos selecionados com base no mérito e no conhecimento específico. Idealmente preservado das paixões políticas, ao juiz cabe decidir com imparcialidade, baseado na Constituição e nas leis.


É certo, contudo, que o poder de juízes e tribunais, como todo poder em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. O Judiciário demorou a perceber isso. Em nome da isenção e da auto-preservação, conservou-se pela vida afora como uma instituição distante e pretensamente asséptica. A intenção pode ter sido a da reserva e a da virtude, mas a conseqüência foi a incompreensão: com seu código de relação próprio, do vestuário à linguagem, o mundo jurídico tornou-se misterioso, temido e desamado.


Em algum momento ao longo da década de 90, que por justiça pode ser identificado como o da gestão do Ministro Sepúlveda Pertence na presidência do Supremo Tribunal Federal, esse quadro começou a mudar. O Judiciário passou a dialogar com a sociedade, a exibir suas estruturas e carências, mostrando-se de maneira transparente e dando satisfações de sua atuação. É impossível exagerar a importância dessa mudança na atitude das instituições judiciais, sendo certo que as associações de classe deixaram de ser pólos corporativistas e passaram a ser instâncias de aproximação com a comunidade.


O processo de aceitação social e de conquista de admiração e estima pelo Poder Judiciário não é singelo. Não se chega à glória, em uma democracia, com argumento de autoridade: é preciso expor-se, aprimorar-se, correr os riscos necessários. “A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo”, escreveu inspiradamente Vinícius de Moraes. Ao aceitar e apreciar o papel de ser um poder político, o Judiciário precisa sujeitar-se às regras do jogo: suportar a crítica, justa e injusta, construtiva e destrutiva, e preparar-se para a incidência do sol radiante da opinião pública.


Mas há aqui uma fina sutileza. Embora deva ser transparente e prestar contas à sociedade, o Judiciário não pode ser escravo da opinião pública. A ribalta, a fogueira de vaidades ateada pela mídia, as paixões que a exposição pública desperta são freqüentemente incompatíveis com a discrição e recato que devem pautar a conduta de quem julga. Aos juízes pode caber, eventualmente, dar o pão, nunca o circo. Muitas vezes, a decisão correta e justa não é a mais popular. Juízes e tribunais não podem ser populistas nem ter seu mérito aferido em pesquisa de opinião. Devem ser íntegros, seguir a sua consciência e motivar racionalmente as suas decisões.


Por todas estas razões, a relação do Judiciário com a sociedade deve passar por um órgão de controle externo, na verdade misto, apto a promover a comunicação adequada entre as duas instâncias. Uma via de mão dupla, capaz de transmitir as expectativas dos cidadãos e de compreender as circunstâncias das instituições judiciais. Dentre outras funções, ao Conselho Nacional de Justiça caberia, sem interferir na atividade jurisdicional, planejar estrategicamente a instituição, reivindicar verbas e compromissos, apresentar relatórios estatísticos, zelar pela universalização do acesso à justiça e, quando for o caso, punir desvios de conduta.


Nos últimos quinze anos, percorremos um longo caminho. Ao lado da sociedade civil e de outras instituições, juízes e tribunais foram protagonistas de uma história de sucesso, que foi a consolidação democrática e a conquista de estabilidade institucional para o país. Não foi pouco; mas ainda estamos atrasados e com pressa. O controle externo que se quer instituir, preservado do contágio político mas sintonizado com o sentimento social, é uma medida a favor e não contra o Judiciário.


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* Advogado do escritório Luís Roberto Barroso & Associados









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