Em 6/1/22, foi publicada a lei 14.300/22 que instituiu o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o SCEE – Sistema de Compensação de Energia Elétrica e o PERS – Programa de Energia Renovável Social.
Dentre as inovações trazidas pela mencionada lei, destaca-se a ampliação do rol de modelagens jurídicas que poderão ser adotadas para a geração de energia por meio da geração compartilhada, incluindo a associação, condomínio edilício e condomínio voluntário, ampliando o rol que contava apenas com consórcios e cooperativas.
Sendo assim, serão tecidos comentários gerais acerca das associações, assim como sua aplicação à luz da lei 14.300/22.
1. Considerações iniciais:
Primeiramente, é importante salientar que a geração distribuída de energia funciona por meio do SCEE, pelo qual uma central geradora injeta energia na rede elétrica da concessionária, obtendo créditos que serão utilizados para compensar o respectivo consumo de energia.
Dentro da geração distribuída, a geração compartilhada permite a união de pessoas físicas ou jurídicas em prol de um objetivo único, qual seja o de gerar e compensar energia, de forma que a central de geração é instalada em uma unidade consumidora sob a titularidade do veículo de geração compartilhada e gerará energia que será compensada posteriormente em favor de seus participantes.
Neste cenário, a associação vem como inovação da lei 14.300/22, a fim de ampliar o rol de possibilidades de se modelar a geração compartilhada.
A associação está conceituada no art. 53 da lei 10.406/02 (“CC/02”) como sendo a organização de pessoas para a consecução de fins cujo objeto não culmine na obtenção e/ou distribuição de lucro.
Não há rol taxativo de atividades que podem ser vir a ser objeto da associação, de tal forma que não existe vedação à união de pessoas, físicas e/ou jurídicas, para a exploração de parques de micro e minigeração distribuída, desde que dessa atividade não decorra qualquer intuito lucrativo.
Desse fato decorrem duas importantes observações iniciais: I) a finalidade de uma associação constituída para a exploração de energia elétrica precisa ser a promoção, potencialização e possibilidade de resultar maior eficiência energética; e II) a estruturação e rentabilização da locação de ativos deve ser feita por terceiros titulares dos parques de geração em face da associação.
2. Constituição:
Acerca da constituição da associação é imprescindível, primeiramente, pontuar que, para que se possa fazer uso da associação enquanto veículo para a exploração energia na modalidade de geração compartilhada, a associação deve ter sido constituída para esse fim. Nesse sentido é o art. 1º, X, da lei 14.300/22.
No tocante às formalidades da constituição, as associações constituídas para a exploração de energia seguem o regramento geral do CC/02. Nesse sentido, o CC/02 estabelece, através do art. 54, quesitos mínimos que devem ser abordados no estatuto das associações, embora o conteúdo desses quesitos seja de livre discricionariedade dos associados que participam do momento formativo das associações.
Dentre os quesitos dispostos, por merecerem atenção especial na dinâmica das associações constituídas para a exploração de energia, destacam-se:
a. Denominação, fins e sede da associação
Aqui, destaca-se a importância da definição da sede da associação. Isto pois, nos termos do art. 12, §1º, IV, da lei 14.300/22, a compensação do excedente de energia elétrica gerada por uma unidade consumidora, poderá ser realizada apenas para “unidades consumidoras de titular integrante de geração compartilhada atendidas pela mesma concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica”, isto é, entre unidades consumidoras presentes no mesmo Estado.
Pontua-se que, dentro da estruturação das associações, não há vedação para que essas organizações possam ter abrangência nacional. No entanto, na estruturação de negócios de micro ou minigeração distribuída é preciso haver o cuidado para que a compensação de créditos entre os associados se dê dentro da mesma área de distribuição de um determinado Estado.
b. Constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos
Acerca do modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos, a lei 14.300/22 não apresenta quaisquer especificidades aplicáveis às associações criadas para a exploração de energia na modalidade de geração compartilhada.
O CC/02, por sua vez, impõe tão somente a existência da assembleia geral, com competência exclusiva para destituir administradores e alterar o estatuto social (art. 59, CC/02). No entanto, o mencionado código não traz quaisquer impedimentos à criação de órgãos deliberativos diversos, os quais poderão atuar na deliberação das demais matérias não citadas expressamente pelo art. 59.
Nesse sentido, no tocante às associações criadas para a exploração de energia, tendo em vista a dinâmica de relação com a concessionária de energia elétrica, tem-se feito importante a criação de órgãos deliberativos que permitam uma gestão mais vertical, profissional e especializada da associação.
3. Limite de responsabilidade:
Um dos pontos mais positivos na utilização da associação para a geração de energia na modalidade de geração compartilhada é a limitação de responsabilidade dos associados perante as obrigações contraídas pela organização. Nestes termos, o parágrafo único do art. 53 do CC/02 estabelece expressamente que “não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos”. Este entendimento é reforçado pelo art. 49-A do CC/02, ao estabelecer que a pessoa jurídica não se confunde com seus associados, sendo esta autonomia patrimonial um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos. Assim, não há responsabilidade solidária e/ou subsidiária entre os associados, bem como dos associados em face da associação.
4. Direitos e deveres dos associados:
O CC/02 aponta que os associados devem ter direitos iguais, muito embora possa haver diferente categorização entre eles, atribuindo-se a alguns certas vantagens especiais. Com isso, a associação não necessariamente terá uma gestão horizontal, podendo-se com essas categoriais especiais se restringir o grau de interferência dos associados na gestão e condução das atividades associativas.
Sob esse aspecto, como já mencionado anteriormente, é importante perceber o impacto positivo gerado pela possibilidade de dispor acerca do grau de interferência dos associados na gestão e condução das atividades associativas as associações, visto que permite que as associações sejam geridas de forma profissional e especializada, especialmente perante as concessionárias de energia elétrica.
5. Fontes de recursos para manutenção:
As principais fontes de recursos para a manutenção das associações criadas para a geração de energia serão as contribuições dos associados e, especialmente, o rateio dos custos pelos associados, de forma proporcional aos benefícios recebidos pela compensação da energia de centrais de geração distribuída, conforme percentuais de rateio previamente indicados e acordados com o associado.
Dentre os principais custos e despesas rateados entre os associados, destacam-se: I) custos com locação de ativos de energia elétrica de fontes renováveis ou de cogeração qualificada e ativos imobiliários relacionados à Central de Geração Distribuída; II) custos relativos à administração e gestão dos ativos da Central de Geração Distribuída e da compensação dos créditos de energia em favor das unidades consumidoras dos associados; III) custos relacionados aos encargos e tarifas setoriais, assim como tributos incidentes sobre as respectivas operações; e IV) valores cobrados pela concessionária, onde a Central de Geração Distribuída estará conectada.