Da especificidade do procedimento licitatório e da execução do contrato de publicidade
Considerando a especificidade da prestação do serviço publicidade e propaganda no âmbito do Poder Público, o legislador houve por bem editar lei própria para tratar do tema tanto no que se refere ao procedimento licitatório, quanto no que é atinente à execução do contrato quando o contratante for a Administração Pública. Está-se falando da lei 12.232, de 29 de abril de 2010.
Naquele ato normativo, o legislador, levando em consideração, as peculiaridades específicas do serviço de publicidade e propaganda prestados pelas agências de publicidade, editou regras específicas não só para o procedimento licitatóri - tanto na fase interna como na fase externa - como também para a execução do contrato.
Relativamente ao procedimento licitatório, ainda na fase interna, mas com repercussão na execução do contrato, verifica-se, por exemplo, que a Administração Pública poderá optar por contratar mais de uma agência de publicidade, conforme for a sua necessidade de comunicação. Tal faculdade está prevista no §3º do artigo 2º da lei 12.232/10:
Art. 2º [...]
§3º Na contratação dos serviços de publicidade, faculta-se a adjudicação do objeto da licitação a mais de uma agência de propaganda, sem a segregação em itens ou contas publicitárias, mediante justificativa no processo de licitação.
Outra peculiaridade, também identificada na fase interna e que possui desdobramento na fase externa do certame, é a nomeação de subcomissão técnica constituída por especialistas na área que procederão ao julgamento das propostas técnicas apresentadas pelas agências de publicidade sem que a sua autoria seja conhecida pelos seus membros. Tal especifidade está prevista no §1º do art. 10 do referido Diploma Legal, in verbis:
Art. 10. As licitações previstas nesta Lei serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial, com exceção da análise e julgamento das propostas técnicas.
§ 1º As propostas técnicas serão analisadas e julgadas por subcomissão técnica, constituída por, pelo menos, 3 (três) membros que sejam formados em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas, sendo que, pelo menos, 1/3 (um terço) deles não poderão manter nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou indireto, com o órgão ou a entidade responsável pela licitação.
Na fase externa do certame, destaca-se o modo em que as propostas técnicas são julgadas. É que o julgamento é feito pela referida subcomissão técnica às cegas, isto é, sem a identificação do seu proponente, o que tem por objetivo conferir maior lisura e imparcialidade ao certame, conforme dispõem o caput do art. 9º e os seus §§:
Art. 9º As propostas de preços serão apresentadas em 1 (um) invólucro e as propostas técnicas em 3 (três) invólucros distintos, destinados um para a via não identificada do plano de comunicação publicitária, um para a via identificada do plano de comunicação publicitária e outro para as demais informações integrantes da proposta técnica.
§ 1º O invólucro destinado à apresentação da via não identificada do plano de comunicação publicitária será padronizado e fornecido previamente pelo órgão ou entidade responsável pela licitação, sem nenhum tipo de identificação.
§ 2º A via identificada do plano de comunicação publicitária terá o mesmo teor da via não identificada, sem os exemplos de peças referentes à ideia criativa.
Sobre o tema, já tivemos oportunidade de nos manifestar:
O rito da contratação de agência de publicidade pela Administração Pública previsto na Lei nº 12.232/10 possui contornos peculiares quando comparados com aqueles próprios da Lei nº 8.666/93. As peculiaridades podem ser verificadas não somente na fase interna, como também na fase externa da licitação. Na fase interna, a novidade inicial é dada pela possibilidade de que dispõe a Administração Pública de estabelecer a quantidade de agências que poderá ser contratada após a conclusão do certame. Outra peculiaridade é o fato de que, além da Comissão de Licitação, a lei impõe a formação de outra comissão, identificada como subcomissão técnica. Esta será incumbida de julgar as propostas técnicas apresentadas pelas agências concorrentes, atribuindo-lhes pontuação de acordo com o seu julgamento. Ainda na fase interna, merece destaque a imposição legal no sentido de que o tipo de licitação a ser adotado deve ser sempre a melhor técnica ou melhor técnica e preço, nunca o preço como critério exclusivo de seleção das propostas. Já na fase externa, podem ser verificadas duas peculiaridades: a primeira se refere ao fato de que as propostas técnicas, mais especificamente, as propostas de comunicação publicitárias, que serão objeto de julgamento pela subcomissão técnica, devem ser apresentadas pelas agências licitantes de modo a não ser possível a sua identificação. É a chamada proposta apócrifa. O objetivo do legislador com tal medida foi possibilitar o julgamento mais imparcial possível. A segunda peculiaridade refere-se aos documentos de habilitação, que somente são apresentados ao final e somente pelas agências vencedoras do certame.1
Na fase de execução do contrato duas peculiaridades chamam a atenção.
A primeira decorre do fato de que a prestação do serviço é executada conforme for surgindo a necessidade da Administração Pública de solucionar os problemas de comunicação vigentes. Isto é, a prestação do serviço é feita dentro dos limites delimitados pela campanha publicitária determinada.
A segunda especificidade decorre do fato de que, quando tiver sido contratada mais de uma agência de publicidade, a seleção da agência será feita por meio de concorrência interna, campanha a campanha.
Enfim, inúmeras são as especificidades trazidas pela lei 12.232/10 em relação ao contrato administrativo e à licitação voltada à contratação do serviço de publicidade e propaganda, quando se compara aos regramentos da Lei nº 8.666/93 e da lei 14.133/21.
A seu turno, por meio da lei 13.303, de 30 de junho de 2016, o legislador criou o Estatuto Jurídico da Empresa Pública, da sociedade de economia mista e duas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Foram disciplinadas situações jurídicas relativas ao regime societário, aos procedimentos licitatórios, aos contratos, dentre outras disposições.
O que assume relevo para o presente artigo são as disposições legais relativas às licitações e contratos de que são partes as empresas estatais.
Nessa seara, entre os artigos 28 e 67, a lei 13.303/16 traz disposições mínimas relativas às licitações e aos procedimentos auxiliares a ela. Além disso, o artigo 40 impõe que cada estatal publique e mantenha atualizado o seu próprio regulamento interno de licitações e contratos.
Relativamente à prestação de serviços de publicidade e de engenharia, o caput artigo 28 do Estatuto das Empresas Estatais dispõe expressamente que tanto o contrato como a licitação serão regidos pelas disposições nele contidas, vejamos:
Art. 28. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30.
A nosso sentir, a norma que se extrai a partir da interpretação desse dispositivo é no sentido de que a contratação do serviço de publicidade pelas empresas estatais estará sujeita às disposições da lei 13.303/16, bem como aos seus respectivos regulamentos internos de licitações e contratos.
Com efeito, no que se refere ao procedimento licitatório e ao contratos relativos ao serviço de publicidade e propaganda prestados às empresas estatais, as disposições da Lei 13.303/16 e os respectivos regulamentos internos de licitações e contratos são soberanos em relação às demais leis, inclusive em relação à lei 12.232/10.
Dito de outra forma, a nosso sentir, o caput do artigo 28 da lei 13.303/16 afasta qualquer possibilidade de con?ito aparente de normas, vez aplica-se de forma preponderante as disposições do Estatuto das Empresas Estatais em combinação com aquelas constantes dos respectivos regulamentos internos de licitações e contratos.
Essa, segundo pensamos, é a solução jurídica conferida pelo caput do artigo 28. Todavia, considerando as especificidades inerentes ao serviço de publicidade, bem como às peculiaridades já identificadas pelo legislador e transformados em regramentos legais por intermédio da lei 12.232/10, é recomendável que as empresas estatais adotem, em repetição, as regras constantes deste Diploma Normativo específico.
Essa, inclusive, foi a opção feita por empresas estatais no âmbito federal, a exemplo do Banco do Brasil S/A.
Com efeito, no Regulamento de Licitações e Contratos do Banco do Brasil S/A verifica-se que, entre os artigos 93 a 102, que forma o Capítulo VI, há regras específicas para o procedimento licitatório de contratação de prestação de serviço de publicidade, as quais replicam as disposições da lei 12.232/10.2
Por outro lado, tal sistemática não foi observada no Regulamento de Licitações e Contratos da CAIXA (Caixa Econômica Federal). Isso mesmo, no âmbito desta Instituição Financeira, em que pese o artigo 31 do seu regulamento interno[3] disponha que "a licitação e a contratação de serviços de publicidade observam as diretrizes e os procedimentos deste Regulamento", não há qualquer regramento específico para a licitação e a contratação de tais serviços naquele Regulamento, o que poderia nos levar a interpretar que seriam aplicadas as regras gerais.
Todavia, verifica-se que a licitação para contratação do serviço de publicidade deflagrada em 2021 - após o início da vigência do Regulamento de Licitações e Contratos da CAIXA - por meio do Edital de Licitação CAIXA Nº. 0345/5688 -2021, trouxe para o procedimento as regras próprias daquele Diploma Legal.
Isto evidencia um outro ponto de vista: nada impede que a lei 12.232/10 seja aplicável de modo subsidiário aos regulamentos internos de licitações e contratos das empresas estatais, no que não houver incompatibilidade, ainda que haja omissão no regulamento quanto a tal aplicação subsidiária.
Prestigia-se, assim, a hercúlea tarefa do legislador ao ter se debruçado sobre as peculiaridades próprias da seleção de agência de publicidade pelo Poder Público.
Em conclusão, podemos chegar às seguintes premissas no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista no que se refere à licitação e à contratação dos serviços de publicidade:
a) É recomendável que as empresas estatais adequem seus regulamentos internos às regras constantes da lei 12.232/10 no que se referem às licitações e contratos do serviço de publicidade, considerando as especificidades próprias da contratação desse tipo de serviço;
b) Na hipótese de inexistirem regras nos regulamentos internos que repliquem aquelas constantes da lei 12.232/10, este Diploma Normativo poderá ser aplicado de forma subsidiária, desde que não seja incompatível com as regras existentes no respectivo regulamento.
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1 BARRETO JÚNIOR, Edvaldo Costa. Revista Mais IBEGESP. V. 2, nº 5, fev. 2019, São Paulo: Revista IBEGESP - Instituto Brasileiro de Educação em Gestão Pública, págs. 20-23;
2 O Regulamento de Licitações e Contratos do Banco do Brasil S/A encontra-se disponível no seguinte no seguinte endereço eletrônico: https://www.bb.com.br/docs/pub/siteEsp/dilog/dwn/rlbb.pdf;
3 O Regulamento de Licitações e Contratos da CAIXA encontra-se disponível no seguinte no seguinte endereço eletrônico: http://www.caixa.gov.br/Downloads/caixa-documentacao-basica- 21/Regulamento_CAIXA_Aprovado_31_03_2017.pdf;