As discussões em torno da legalização do aborto têm emergido em todo mundo, e não foi diferente no Brasil, inclusive causando temeridade em pontos já pacíficos, como no aborto oriundo de estupro.
No Brasil, a pauta de legalização de aborto também virou pauta de eleição, com direito a posicionamento de pré-candidato em defesa da regulamentação da prática, mas com urgente retratação, sob pena de perda de votos, pois a temática arregimenta para si, a incessante luta transcendental do “bem” contra o “mal”, como se intitulam as campanhas eleitorais nos últimos pleitos.
E a partir desse panorama emergem os seguintes questionamentos: 1- a criminalização do aborto visa tutelar a vida do feto, ou visa estabelecer a necessidade de subjugação da conduta do outro às próprias crenças e vontades individuais? 2- A resposta dessa problemática vem se resolvendo com a proibição?
Não obstante a complexidade e profundidade do assunto, que requer um estudo elaborado, e qualquer conclusão se mostra superficial e precipitada, alguns pontos se resolvem de forma mais simplória, como a aplicação da intervenção mínima do direito penal, adotado no nosso CP, que determina a incidência do direito penal, somente quando não existir outras espécies de proteção ao bem protegido (BRASIL,1940).
Além da evidente ausência de pragmatismo da norma, haja vista a escassez de processos em que pessoas são penalizadas pela prática de aborto, mesmo com conhecimento público e notório da prática corriqueira e reiterada do “crime”.
Vale consignar ainda o parecer do Conselho Federal de Medicina (órgão técnico) que apesar de se manifestar pela preservação da criminalização, entendeu pela ampliação das hipóteses de possibilidade de aborto, para o primeiro trimestre da gravidez, em face da autonomia da mulher sobre seu corpo.
Diante de todos esses argumentos, o que causa dúvida é a insistente defesa da manutenção da norma exatamente como está, mesmo se mostrando ineficaz, pois não obstaculiza a interrupção da gravidez, tampouco protege o feto. Mas há discursos que se agarram unicamente na preservação da norma, não se importando com o resultado, somente com o convencimento.
E a explicação desse proselitismo, utilizado como discurso político, é descrito na psicologia como estado patológico de confluência, que segundo o pai da Gestalterapia, Fritz Perls:
“A pessoa em quem a confluência é um estado patológico, não pode discriminar entre o que ela é e o que as outras pessoas são. Não sabe onde ele termina e começam os outros. Como não se dá contada barreira entre ele e os outros, não pode entrar em bom contato com eles. Nem pode evitar envolver-se com eles. (PERLS, 1981, pag.52)
Face o exposto, não seria o aborto um típico caso de confluência, em que se procura enquadrar toda a população em conceitos e crenças pré-estabelecidos, mesmo contrariando os fatos, sem qualquer discursão aprofundada e científica sobre pontos de vista diversificados? Mesmo que o resultado da reflexão seja pela preservação do status quo.
E a campanha política não seria o momento dos candidatos e da população debater outras formas de resolução de questões complexas que persistem e acontecem apesar de toda proibição legal?
Considera-se posta a provocação, para que a política pratique o conceito democrático de debate e não se detenha nos rasos tabus que acreditam que a verdade individual deva ser aplicada universalmente, ignorando a realidade posta e esquecendo do respeito a individualidade que deve permear a evolução rumo ao bem-estar social.
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Perls, Fritz - A abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1981.