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Áreas de livre comércio no Brasil: agora vai?

O racional a ser implementado deve mirar na construção de ambiente de negócios das ZPEs que se desenvolva num contexto institucionalmente estável, juridicamente seguro e que proteja a liberdade e a autonomia tanto das administradoras zonais quanto das empresas ali instaladas.

28/6/2022

O marco legal das zonas de processamento de exportação passou por substancial reforma com a lei 14.184/21. A nova legislação buscou endereçar soluções para problemas que, historicamente, foram apontados como co-causas para dificuldade de fazer esse modelo de área de livre comércio decolar no Brasil. Embora as ZPEs tenham sido instituídas em 1988, temos hoje menos de 15 ZPEs autorizadas a funcionar no país, sendo que apenas uma delas (a ZPE do Pecém – CE) está em efetiva operação. Isso demonstra uma evidente falha na implementação dessa política, abrindo espaço, pois, para as melhorias hoje vislumbradas pelo novo marco legal.

Três grandes vetores dessa mudanças foram assim sintetizados pelo Ministério da Economia ao tempo da tramitação do projeto de lei:

permitir que nas ZPEs possam ser instaladas prestadoras de serviços destinados à exportação;
viabilizar que novas ZPEs possam ser propostas pela iniciativa privada, sem desconsiderar o papel licenciador de Estados e Municípios;
> adequar a regra de internalização da produção às normativas da Organização Mundial do Comércio (OMC), evitando competição injusta com a indústria voltada ao mercado interno – atualmente é permitido por lei 20% de internalização, o que fere tratado internacional.

De nossa parte, destacamos, ainda, outra relevante mudança voltada à facilitação e melhoria da gestão fundiária dessa espécie de empreendimento. Trata-se da possibilidade, admitida pelo art. 2º, §6º da lei, de implantação da ZPE em área descontínua, desde que devidamente justificada e limitada à distância de 30 km (trinta quilômetros) do conjunto das áreas segregadas destinadas à movimentação, à armazenagem e à submissão a despacho aduaneiro de mercadorias procedentes do exterior ou a ele destinadas.

Percebe-se, pois, que o novo marco desejou elevar a atratividade das ZPEs pela modernização do seu regime, a possibilitar a realocação de cadeias produtivas em prol da recuperação econômica do país no contexto pandêmico, tal como apontado pelo Ministério da Economia. Veja-se:

O novo marco legal também permitirá que a área da ZPE seja descontínua, possibilitando a conexão com portos e aeroportos de maneira mais facilitada.

As zonas de processamento de exportação são o instrumento global pelo qual países garantem que os impostos não sejam “exportados”. O sucesso industrial da China nas últimas décadas se deve a centenas de ZPEs, modelo replicado com sucesso em diversos países, como Índia, Estados Unidos, Argentina e Uruguai.

Com a atualização do Marco Legal das ZPEs, o regime será modernizado, com base no atual contexto mundial de realocação das cadeias produtivas de valor no mundo pós-covid-19 – momento correto para o Brasil viabilizar a instalação de ZPEs, gerando empregos que não seriam gerados sem esse regime global. Com isso, o país atrairá investimentos voltados à produção, oportunidades às empresas de tecnologia e desenvolvimento econômico local e regional, sem concorrência desleal com o mercado interno.

Nesse texto, enfocamos em um desses vetores de mudança, qual seja, no fomento à participação privada no processo de criação e administração das ZPEs.

Antes da alteração legislativa analisada, apenas Estados e Municípios detinham competência para propor ao presidente da República a criação dessas zonas especiais. Agora, o art.2º, § 1º-A, com redação proposta pela lei 14.184/21, admite a apresentação de propostas privadas para a criação de ZPE, o que deve ser feito por meio de processo seletivo de caráter público.

A alteração introduzida pelo novo marco legal é extremamente positiva, afinal é a iniciativa privada quem, via de regra, dispõe dos recursos financeiros para a implantação da infraestrutura e para a devida gestão e administração das zonas especiais.

O maior diálogo entre setor público e privado pode contribuir para a construção de decisões mais aderentes à realidade das ZPEs e sua viabilidade econômico-financeira, considerando as particularidades de toda cadeia logística que se relacionará com tais zonas.

Para ter sucesso, porém, o processo de criação da ZPE, seja ele público ou privado, deve ser articulado com o processo para escolha da administradora da zona especial.

Nos termos do o §1º do art. 2º-A, com redação dada pela lei 14.184/21, “na hipótese de a ZPE ser administrada por empresa sob controle de capital privado, o proponente deverá promover o devido processo seletivo de caráter público”.

É preciso ressaltar, contudo, que tal processo seletivo não pode ser confundido com o burocrático rito das licitações realizadas pela Administração Pública, sob pena de se inviabilizar o principal objetivo da alteração legal, qual seja, permitir que o poder público se valha da expertise e capacidade de investimento da iniciativa privada para promoção e desenvolvimento de um determinado segmento da economia, com foco especial no comércio exterior.

O procedimento administrativo para seleção da administradora deve se ater aos ditames da publicidade, transparência e do devido processo administrativo. Uma possível inspiração para futura regulamentação pode ser extraída da Resolução ANTAQ 3.290/14, que dispõe sobre a autorização para a construção e ampliação de terminal portuário de uso privado, especialmente no que diz respeito à publicidade da proposta de criação de ZPE e à indispensável abertura para que outros interessados manifestem interesse nessa mesma localidade geográfica.

Por óbvio, que a racionalização do processo seletivo das ZPEs é só um primeiro passo a ser dado rumo a maior participação privada nessas zonas. Se, conforme reconhecido pelo novo marco legal, a iniciativa privada é um ator relevante para a implementação e para o sucesso das ZPEs, é essencial que a regulamentação a ser expedida pelo Ministério da Economia proteja dois pilares essenciais à atuação da iniciativa privada, quais sejam: liberdade e livre-iniciativa.

O racional a ser implementado deve mirar na construção de ambiente de negócios das ZPEs que se desenvolva num contexto institucionalmente estável, juridicamente seguro e que proteja a liberdade e a autonomia tanto das administradoras zonais quanto das empresas ali instaladas. É o que esperamos.

Mariana Magalhães Avelar
Advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, com atuação principal nas áreas de Infraestrutura & Projetos e Anticorrupção & Improbidade.

Fernanda Esbizaro Rodrigues Rudnik
Advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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