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O reconhecimento (ou não) do vínculo de emprego entre motoristas e empresas de plataformas digitais

Breve abordagem sobre as vertentes favoráveis e contrárias ao vínculo de emprego entre motorista e empresa de plataforma digitais, com enfoque jurisprudencial, legislativo, doutrinário e crítico.

28/6/2022

Foi publicada decisão da mais alta Corte Trabalhista em 11/4/22, da 3ª Turma do TST, pelo excelentíssimo ministro relator Maurício Godinho Delgado, referente ao processo 100353-02.2017.5.01.00661, reconhecendo o vínculo de emprego entre motorista e empresa de plataforma digital.

Em seu voto, na sessão de julgamento de 6/4/222, o ministro relator Maurício Godinho Delgado argumenta que houve o preenchimento dos requisitos de emprego, comentando cada um deles, dando enfoque ao requisito da subordinação.

Contudo, esta decisão acima mencionada foi a primeira decisão reconhecendo o vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e empresa no Tribunal Superior do Trabalho, sendo que há decisões contrárias na alta Corte Trabalhista, na 4ª3 e 8ª4 Turmas, abrindo enorme precedente na jurisprudência sobre esse tema.

Tendo em vista a evidente divergência jurisprudencial, vale destacar os principais argumentos das decisões que firmam a tese acerca do reconhecimento (ou não) do vínculo empregatício entre motoristas e empresas de plataformas digitais.

O primeiro entendimento seria pelo reconhecimento da relação empregatícia entre as partes. Nesse sentido, é sustentada a tese de que a subordinação é mascarada pela alegação da empresa de suposta autonomia inexistente entre as partes. Assim, a empresa fornece o aplicativo para uso, mediante assinatura de um termo, que impõe diversas regras que moldam desde a conduta que o motorista deve seguir, como quais os parâmetros da tarifa que deve ser cobrada ao passageiro da corrida do aplicativo.

Ainda, defende que o serviço pelo motorista é prestado diretamente ao consumidor final (passageiro) pela empresa, através da força de trabalho do motorista, sendo esse o objeto empresarial da empresa de plataforma digital e não do motorista, tratando-se de atividade não-eventual, apesar de ter disposição formal diversa no objetivo social da empresa.

Conforme voto na sessão de julgamento em 6/4/225, referente ao processo 100353-02.2017.5.01.0066, já mencionados nessa oportunidade, o ministro relator Maurício Godinho Delgado argumenta que os 5 elementos para o reconhecimento do vínculo estão fortemente comprovados nos referidos autos.

Numa síntese do julgamento, o ministro relator argumenta que o serviço é prestado por pessoa física com pessoalidade, uma vez que o motorista precisa fazer a inscrição no aplicativo pessoalmente ou pelo próprio aplicativo, sob contraprestação (onerosidade). Ainda, argumenta que o trabalhador se coloca à disposição ao trabalho por tempo relativamente constante, ainda que não seja permanente (não eventualidade).

Por fim, o ministro ressalta que o elemento da subordinação, sendo este o requisito do vínculo de emprego mais debatido, é ainda mais intenso, uma vez que as empresas têm controle sobre o trabalhador “por minuto”, por conta da tecnologia por algoritmo nos telefones celulares. Argumenta que o controle tecnológico exercitado pelo trabalhador talvez seja superior a diversas outras situações tradicionais que existem nas relações trabalhistas.

Dessa forma, a tese favorável ao vínculo de emprego defende que há um controle, fiscalização e gerenciamento do motorista por parte da empresa através do aplicativo, por meio de algoritmo, tendo a empresa plena ciência de todos os caminhos percorridos pelo motorista, todas as corridas canceladas, a quantidade de viagens feitas, acesso às avaliações dos passageiros feitas por meio do aplicativo, dentre outras informações, sob pena de descredenciamento do motorista no aplicativo, no caso deste não seguir à risca tais exigências feitas pela empresa.

Por outro lado, a vertente da jurisprudência que defende a ausência de subordinação entre o motorista e a empresa, e consequente ausência de vínculo de emprego, aduz que não há o elemento essencial da subordinação para a caracterização do vínculo, sendo os serviços prestados pelo motorista dotados de autonomia, no qual o motorista assume os riscos do negócio.

Ademais, há o argumento de que o próprio motorista escolhe os dias e horários para ligar o aplicativo, podendo ficar dias sem conectar e avisar qualquer pessoa ou o aplicativo. Também, argumenta que o motorista pode cancelar corridas, ainda que tal fato altere sua pontuação, bem como o motorista pode recusar uma viagem, ainda que prejudicasse a taxa de aceitação do motorista no aplicativo.

Conforme entendimento da ministra relatora dora Maria da Costa, em decisão disponibilizada em 31/1/196, do processo AIRR-11199-47.2017.5.03.0185, não houve prova robusta da subordinação jurídica, sob o argumento de que a divisão dos valores arrecadados se aproxima mais de um regime de parceria.

Ultrapassada a breve abordagem jurisprudencial, é importante destacar que não há uma lei específica que regulamenta a matéria, qual seja, o vínculo de emprego dos motoristas e de empresas de plataformas digitais de disponibilização de serviços de transporte ao público.

Não havendo norma específica sobre o tema, deve-se utilizar as normas já existentes, sob à luz do Princípio da Primazia da Realidade, para não haver a exclusão desses motoristas em nosso Ordenamento Jurídico.

A tese a favor do vínculo de emprego entre os motoristas e empresas de plataformas digitais defende que esses trabalhadores estão protegidos constitucionalmente, conforme artigos 1º, III e IV; 3º, I, II, III e IV; 5º, CAPUT; 6º; art. 7º, caput, incisos e parágrafo único; 8º a 11; 170, caput e incisos III, VII e VIII; e 193, todos da Constituição Federal7, bem como pela Recomendação 198 da OIT8. Ainda, argumenta que esses trabalhadores preenchem os requisitos do vínculo de emprego nos termos dos artigos 3º, caput, e 6º, parágrafo único, da CLT, devendo-se basear também nos artigos 9º e 442 da CLT.9

Já o entendimento contrário ao vínculo, aduz tese alusiva à de consumo e autonomia do motorista, se utilizando de disposições do Código de Defesa do Consumidor, contrárias ao preenchimento dos requisitos de emprego previstos nos artigos 3º, caput, e 6º, parágrafo único, da CLT.

Com relação à ausência de norma específica  sobre o tema, a Comissão Mundial para o Futuro do Trabalho, da OIT, no relatório “Trabalhar para um Futuro Melhor”10, alega que a subordinação por algoritmo é permanente e ultrapassa os limites do poder diretivo do empregador, sendo que tal controle, fiscalização e gestão deve ser regulamentado por novas leis, a fim de controlar o uso de dados e algoritmos pela empresa sobre o motorista.

Não obstante, ainda que haja discussão sobre o preenchimento dos requisitos do vínculo de emprego entre motorista e plataformas digitais, é fato notório que a maioria dos motoristas têm como trabalho principal o transporte pelo aplicativo, ainda mais pelo forte desemprego no país causado pela pandemia11.

Dessa forma, a discussão se há vínculo ou não de emprego impacta diretamente na esfera social, já que houve aumento de pessoas que trabalham como motoristas por meio desses aplicativos, inclusive no período da pandemia, e também na esfera jurídica, tendo em vista a necessidade de discussão da implementação de novas normas que regulamentem a relação entre motoristas e plataformas digitais.

Ademais, o impacto na esfera jurídica se dá também pela análise do requisito de emprego, a subordinação, por meio dos algoritmos das plataformas digitais utilizadas por esses motoristas, no qual os doutrinadores e juristas denominam como “subordinação algorítmica”. Ou seja, análise do requisito da subordinação que difere das tradicionais formas de trabalho com subordinação clássica, com o empregador dando ordem direta ao empregado.

Nesse sentido, sobre a subordinação algorítmica, Gaspar (2016, p. 186-187)12, afirma que esse tipo de subordinação ocorre através de plataformas digitais com controles algorítmicos utilizadas pelo empregador e empregado, sendo que o algoritmo presente nos meios digitais utilizados pelas partes apresentam um compilado de regras, como roteiro de tarefas, ordens ou comandos de trabalho, retratando as obrigações contratuais recíprocas entre o motorista e a empresa.

Ainda, o procurador do Trabalho Rodrigo de Lacerda Carelli, o desembargador do TRT-15ª Região, Jorge Luiz Souto Maior, e a Juíza do Trabalho da 4ª Região, Valdete Souto Severo, explicam sobre a dinâmica da subordinação através de plataformas digitais com controle e gerenciamento algorítmico.

Destacam que há uma codificação de toda atividade comportamental do Obreiro durante seu labor, sendo que tais ações e condutas realizadas pelo motorista durante o uso do aplicativo, faz com que essas empresas obtenham mais dados do trabalhador, passando este a ser fiscalizado mais rigorosamente, de modo a fazer parte do processo de produção da empresa13.

Dessa forma, é necessária a discussão da implementação de novas normas que regulamentem a relação entre motoristas e plataformas digitais, a fim de garantir a preservação da dignidade da pessoa humana e do trabalho digno, bem como a inclusão social, econômica e cultural desses motoristas, ambos garantidos constitucionalmente.

________________

1 BRASIL. TST-RR-100353-02.2017.5.01.0066, Ministro Relator Maurício Godinho Delgado. Disponibilizada em 08/04/2022. Disponível em: https://www.tst.jus.br/processos-do-tst. Acesso em 10 de abril de 2022.

2 Tribunal Superior do Trabalho. 3ª Turma | Assista à sessão do dia 06/04/2022. Youtube, 06/04/2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fRolL6DGtm0&list=PLSAyE9HVlBfIK2mmG07eBc3Htkboz3v_t&t=7490s. Acesso em 10 de abril de 2022.

3 BRASIL. TST - AIRR: 105758820195030003, Relator: Alexandre Luiz Ramos, Data de Julgamento: 09/09/2020, 4ª Turma, Data de Publicação: 11/09/2020. Disponível em: https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/925275204/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-105758820195030003. Acesso em 29 de março de 2022.

4 BRASIL. AIRR-11199-47.2017.5.03.0185, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, Disponibilizada em 31/01/2019. Disponível em: https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/669958328/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-111994720175030185/inteiro-teor-669958362. Acesso em 29 de março de 2022.

5 Tribunal Superior do Trabalho. 3ª Turma | Assista à sessão do dia 06/04/2022. Youtube, 06/04/2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fRolL6DGtm0&list=PLSAyE9HVlBfIK2mmG07eBc3Htkboz3v_t&t=7490s. Acesso em 10 de abril de 2022.

6 BRASIL. AIRR-11199-47.2017.5.03.0185, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, Disponibilizada em 31/01/2019. Disponível em: https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/669958328/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-111994720175030185/inteiro-teor-669958362. Acesso em 29 de março de 2022.

7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10 de abril de 2022.

8 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. R198 - Recomendación sobre la relación de trabajo, 2006 (núm. 198). https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312535:NO. Acesso em 09 de abril de 2022.

9 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em 09 de abril de 2022.

10 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Relatório: Trabalhar para um Futuro Melhor. 2019. Disponível em: https://www.ilo.org/lisbon/publica%C3%A7%C3%B5es/WCMS_677383/lang--pt/index.htm Acesso em: 10 abril. 2022.

11 GUIMARÃES, Fernanda. Cerca de 11,4 milhões de brasileiros dependem de aplicativos para ter uma renda. Publicada em 12/04/2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/cerca-de-11-4-milhoes-de-brasileiros-dependem-de-aplicativos-para-ter-uma-renda/. Acesso em 10 de abril de 2022.

11 GASPAR, Danilo Gonçalves. Subordinação potencial: encontrando o verdadeiro sentido da subordinação jurídica. São Paulo: LTr, 2016.

12 CARELLI, R. L. In: SOUTO MAIOR, J. L.; SEVERO, V. S. Resistência: aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular, 2017, pp. 267/280.

Rayssa Andrezza de Moraes Bertelli
Advogada, Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

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