Cresce a cada dia o número de M&As envolvendo aquisições de startups e scale-ups em que se discutem estratégias para reter acionistas vendedores e pessoas-chave pelo comprador. Esse movimento resulta, em especial, da relevância que tais indivíduos têm no crescimento destas sociedades, que, em diversos casos, estão em pleno desenvolvimento. Tais pessoas, em geral, também têm papel determinante na integração dos businesses pós-fechamento, o que pode ser crucial para o sucesso da aquisição.
Uma das estratégias tem sido o pagamento de um preço contingente (i.e., earn-out), que comumente é utilizado para condicionar uma parcela do preço a um evento futuro e incerto, que geralmente é o resultado da sociedade adquirida nos anos subsequentes. Nesse contexto, a fim de reter os acionistas vendedores da startup ou scale-up e garantir o sucesso do negócio, além do pagamento de uma parcela incondicional, o preço de compra também compreende um pagamento contingente sujeito ao cumprimento de determinadas metas, estabelecidas no contrato de compra e venda, dentre as quais destaca-se a permanência dos vendedores na sociedade.
Do ponto de vista contábil, as auditorias têm analisado cuidadosamente pagamentos de earn-out feitos aos vendedores, que permanecem prestando serviços, para determinar se tais pagamentos devem ser contabilizados como contraprestação pelo investimento adquirido (registrado como parte do custo de aquisição) ou como remuneração pela prestação de serviços (registrado como despesas imediatas no resultado).
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis 15, que é a orientação para a contabilização de Combinações de Negócios, lista os elementos-base para a classificação como contraprestação ou remuneração. Para fins contábeis, mesmo que tenha sido tratado juridicamente no contrato de compra e venda como preço de compra, o earn-out pode ser registrado como remuneração, a depender das características fáticas do negócio, conforme descrito no B55 do CPC 15.
O principal elemento que pode caracterizar o earn-out como remuneração, sob a ótica contábil, é a ligação explícita ou implícita entre o pagamento e a manutenção da relação de emprego.
Na ausência dessa condição de permanência, outros elementos que possam aproximar ou distanciar tal pagamento da pessoalidade e/ou performance dos vendedores devem ser analisados, como, por exemplo, a existência de métricas relacionadas à função dessas pessoas, valor da remuneração padrão, forma de cálculo do earn-out etc.
Apesar de, sob a ótica contábil, os reflexos serem bastante distintos e relevantes, especialmente para o adquirente, a contabilização não afeta a natureza jurídica do earn-out e, portanto, não pode ser determinante para seu tratamento fiscal. A natureza jurídica da transação deve prevalecer sobre as normas contábeis.
Ainda que seja contabilizado como remuneração, se for parte integrante do preço de compra e não pretender dissimular uma remuneração por serviços, o earn-out deve assim ser tratado pelas partes: (i) o adquirente deve considerar como parte integrante do custo de aquisição do investimento (inclusive para fins de goodwill) e (ii) o vendedor deve considerar o valor no cálculo do eventual ganho de capital auferido na alienação.
Por ora, nem autoridades fiscais nem os tribunais se manifestaram sobre o tema, de forma que não é possível descartar o risco de questionamento quanto ao tratamento fiscal a ser dado a tais parcelas, em especial no caso de reclassificação contábil do preço para remuneração. Mas, como ocorre em diversos outros casos, há sólidos argumentos jurídicos para demonstrar que a mera forma de contabilização destes valores não pode determinar exclusivamente seu tratamento fiscal.