Os desafios das administrações públicas municipais são enormes e de dificílima superação. Isso ninguém discute. Em um país de enormes dimensões como o Brasil, o mínimo que se deveria esperar é uma federação real, com descentralização de poder decisório e, principalmente, com divisão de recursos mais igualitária entre União, estados e municípios.
Porém, a cultura institucional brasileira forjou-se a partir da concentração de poder e de dinheiro público na capital do país. Muito embora o desenho institucional seja de um estado federal, tal qual os Estados Unidos da América e Alemanha, na federação tupiniquim é como se o poder central gentilmente cedesse parte de seu poder e recursos aos demais entes subnacionais, num ato de graciosidade e generosidade.
Isso resulta naquela já conhecida dependência econômica dos municípios aos cofres da União, que faz milhares de prefeitos se dirigirem ao Planalto Central com o “pires na mão”, para implorar por recursos financeiros que deem conta da infinidade de atribuições desses entes.
Resulta, ainda, na exacerbada dependência do poder executivo municipal das emendas parlamentares federais e estaduais. É claro que as emendas parlamentares são importantes ferramentas de descentralização do poder, mas, considerada a péssima saúde financeira da enorme parte dos municípios brasileiros, elas acabam se convertendo em instrumentos de dominação do parlamento federal e estadual sobre as administrações públicas municipais.
Estabelecido esse ponto de partida, o contexto que daí exsurge é que as prefeituras brasileiras sofrem, e muito, com a baixa capacidade operacional de seus servidores. Quer-se dizer: não se trata de capacidade técnica, de competência ou qualidade dos servidores, mas sim da efetiva condição que eles possuem de desenvolver o trabalho na ponta da linha.
A grande parte dos servidores dos mais de cinco mil municípios brasileiros possuem capacidade técnica e são extremamente dedicados à causa pública. Conseguem, muitas vezes, resultados incríveis, apesar de todas as dificuldades que enfrentam.
Entretanto, a falta de estrutura organizacional, de padrões e fluxos procedimentais e até mesmo de quantidade de pessoas dentro da administração, fazem com que o verdadeiro problema se encontre no momento da prática do ato administrativo propriamente dito.
Por exemplo: se um determinado contratado pleiteia um reequilíbrio econômico-financeiro junto a determinada secretaria municipal, muito provavelmente os servidores saberão quais são os requisitos teóricos para a concessão daquele pedido. Da mesma forma, a procuradoria-geral do município terá toda a capacidade técnica de oferecer um parecer adequado sobre a matéria.
O problema, contudo, está nos aspectos práticos: quem recebeu o pedido? Por onde ele passou dentro da administração pública? Houve um processo adequado, no sentido material mesmo? Quem é o responsável por fazer a análise financeira? Quem é o responsável por decidir o pedido? O responsável sabe decidir? E depois que decidir, o que fazer?
Esse tipo de situação se aplica a diversos outros casos que diariamente acontecem nas secretarias: elaboração da fase interna de licitações, fiscalização e gestão contratual, aplicação de penalidades, e por aí vai.
E não é só. Também existem severos problemas de comunicação entre secretarias que precisam se comunicar com facilidade, principalmente entre o setor requisitante de determinada aquisição e o setor responsável por realizar a contratação.
Daí, quando se percebe, aquela secretaria municipal está com suas atividades-fim praticamente paralisadas, atolada de papéis e afogada em suas atividades-meio, sem entregar os resultados esperados pela população.
O filósofo italiano Giorgio Agamben diz, brilhantemente, que há uma “fratura essencial entre o estabelecimento da norma e sua aplicação” (in Estado de Exceção. 2.Ed., São Paulo: Boitempo, 2004). Como dito, o grande desafio não está no conhecimento das normas. O verdadeiro problema que aflige as administrações públicas municipais é a prática dos atos administrativos.
Não se defende aqui, de forma alguma, que os estudos, capacitações e treinamentos não sejam essenciais. Sim, eles são e devem ser feitos continuamente. Mas é preciso que os municípios se esforcem principalmente na criação de ferramentas que interliguem a norma e a sua aplicação na realidade.
A definição de competências, fluxos, procedimentos e padrões, bem como o estabelecimento de canais adequados de comunicação entre as secretarias é um bom caminho para se começar.
O trabalho é árduo, mas necessário. Se é nas cidades que as pessoas vivem, é na prática que os problemas administrativos verdadeiramente acontecem. É como sabiamente ensina o ditado popular: “na prática, a teoria é outra”.