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Análise da legislação internacional sobre eutanásia e suicídio assistido

O cenário legislativo internacional aponta para uma redescoberta da morte natural, com dignidade, respeito, em um contexto de avanço quanto aos métodos de abreviação da vida.

20/6/2022

Conceitos iniciais.

Ortotanásia – palavra derivada do grego orthothanasia, (ortho): correto e (Thánatos), que na mitologia grega era a “personificação da morte”. Numa tradução livre, adaptada à língua pátria, poderíamos dizer que a ortotanásia nada é além da morte natural. E, definir a morte natural, principalmente nos dias atuais, não é missão fácil, considerando que, diante do avanço tecnológico e científico da medicina, morrer não possui mais nenhuma naturalidade. Ao contrário do que se compreendia antigamente, morrer, nos dias atuais, é antinatural.

O Conselho Federal de Medicina, em 2006, editou a resolução 18051 que, já por intermédio da sua ementa, conseguiu definir com bastante clareza a prática da chamada ortotanásia, ao assim definir: “Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.”

Por sua vez, a prática denominada como “eutanásia” em que, ao contrário da ortotanásia, implica numa abreviação da vida, é absolutamente proibida no Brasil, punida criminalmente pelo art. 121 do CP2, com a tipificação de “homicídio”. Realizar a eutanásia em solo brasileiro é considerado “matar alguém”, crime que pode acarretar uma pena de reclusão de seis a 20 anos, sendo submetido inclusive a julgamento pelo Tribunal do Júri, uma vez que é caracterizado o “dolo”, ou seja, a intenção de matar. A eutanásia, portanto, em sua forma “clássica”, envolve um ato comissivo do médico que introduz no paciente medicação própria a conduzir o mesmo à morte, abreviando, por consequência, a sua vida.

Doutrinariamente, há a chamada “eutanásia passiva”, que representa, no campo penal, um crime comissivo por omissão, disciplinado por intermédio do art. 13, parágrafo 2o. do CP, que assim dispõe: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado.” Assim, na eutanásia passiva, é considerado o fato de que o médico verifica que o paciente está morrendo, há uma possibilidade real e concreta de reversão do quadro, mas ele simplesmente observa, e nada faz, ainda que esta seja a última vontade do paciente.

Outra modalidade técnica de abreviação da vida consiste no que se denomina de “suicídio assistido”, regulamentado principalmente nos Estados Norte-americanos, baseado na garantia de morte digna ao paciente a partir de um pleno exercício da sua autonomia de vontade, no que se convencionou denominar de “die with dignity act”, ou “ato pela morte digna”. Neste modelo, o paciente é acompanhado por seu médico assistente que lhe prescreve uma série de medicamentos que serão autoadministrados, quando, como e onde o próprio doente definir.

Por fim, há que apontar ainda a existência dos chamados “cuidados paliativos” que, em síntese, representam uma forma de tratamento em que se objetiva o bem-estar do paciente terminal mantendo-o, dentro do possível, sem dor e com qualidade. Segundo a OMS3: “O cuidado paliativo é parte crucial dos serviços de saúde integrados, centrados nas pessoas.”

Legislação acerca da morte digna.

A morte por piedade – traduzida para os tempos modernos sob a denominação de “eutanásia” – era praticada e aceita por diversos povos, principalmente em se tratando de idosos e enfermos. Povos indígenas e nômades praticavam o homicídio piedoso a fim de que idosos, doentes e feridos, que não tinham condições de prosseguir com seus demais, não fossem abandonados à própria sorte, presas fáceis para inimigos e feras. Com o passar dos anos, a morte foi sendo absorvida pelo campo normativo, como um evento jurídico tutelado pelo Estado de maneira plena.

Atualmente tramita no Senado Federal o projeto de lei 236/12, conhecido como “Anteprojeto do Novo Código Penal brasileiro” que, em seu art. 122, prevê o homicídio piedoso, mas não como excludente de ilicitude e sim como um novo tipo penal, criminalizando de maneira própria a eutanásia, caminhando assim na contramão da discussão mundial a respeito do tema.

Contrario sensu, países como Holanda, Bélgica, Luxemburgo e alguns Estados Norte-Americanos, possuem normas que regulamentam a abreviação da vida de maneira plena, garantindo autonomia aos pacientes para decidirem sobre seu destino final, obviamente mediante o preenchimento de alguns requisitos. Em tais lugares, não se discute mais o direito à morte digna – tal conceito faz parte da rotina de seus cidadãos.

Historicamente, o Uruguai desponta com o primeiro Estado a possuir uma regra legal sobre o homicídio piedoso quando, em 1934, passou a vigorar seu CP e que, por intermédio do art. 37, assim definiu: “37. Do Homicídio Piedoso. Os Juízes têm a faculdade de exonerar de castigo o sujeito de honoráveis antecedentes, autor de um homicídio, realizado por motivos de piedade, mediante reiteradas súplicas da vítima.”4

O médico que, em razão de reiteradas súplicas de seu paciente para que realize procedimentos voltados à abreviação da vida, desde que tenha “antecedentes honoráveis”, poderá – e a lei deixa claro que se trata de uma faculdade do Juiz – ter a sua pena “exonerada”, ou seja, estará isento de culpa. E aqui temos dois problemas: o primeiro reside no conceito de “antecedentes honoráveis”, pois seriam eles aplicáveis ao médico que, reiteradamente, realiza esta prática? Cremos que não, se considerarmos que, numa analogia com o direito brasileiro, estaríamos falando de um “criminoso reincidente” e, portanto, sem qualquer benefício no campo penal quanto a este aspecto. O segundo questionamento reside na “faculdade” atribuída ao juiz, o que significa que não há uma situação concreta que vincule a decisão do magistrado em não aplicar a pena, apresentando, evidentemente, importantes variáveis, por exemplo, quanto à análise da “súplica” do paciente – teria sido ela suficiente? Estaria o paciente em sua capacidade cognitiva plena para “suplicar” pela morte antecipada? Evidentemente que se trata de uma regra que entrou e permanece em vigor desde 1934, atraindo assim uma exegese sob o prisma daquela época; entretanto não se pode olvidar que a experiência legislativa uruguaia serviu de modelo para muitos outros países.

O sistema legislativo norte-americano, por sua vez, permite que cada Estado tenha autonomia para deliberar sobre a questão da morte auxiliada ou assistida, como de fato já acontece em dez deles: California, Colorado, DC, Hawaii, Maine, Montana, New Jersey, New Mexico, Oregon, Vermont e Washington. No Canadá há um modelo muito próximo do adotado pelos Estados Norte-Americanos

O Oregon foi o precursor, por intermédio do “The Oregon Death With Dignity Act.” de 19975 que estabeleceu os requisitos para a realização do suicídio assistido, destacando-se como princípios básicos: a autoadministração voluntária de medicamentos legais, a prescrição por intermédio de um médico assistente e a situação de terminalidade da doença. Um dos últimos grandes Estados Norte-Americano a editar uma lei a respeito foi a Califórnia, através do “AB 15. Assembly Bill 15. End of Life Act.”6, de 5/10/15, mas que, por possuir uma espécie de vacacio legis, entrou em vigor de forma plena em 6/6/16. Pela Lei Californiana, dois médicos devem concordar que o paciente tenha menos de seis meses de vida, além de ter que se submeter a rigorosos controles quanto a sua saúde mental para poder decidir se realmente quer morrer. Depois, foram instituídas leis nos Estados do Colorado, DC, Hawaii, Maine, New Jersey e New Mexico.

Os Estados Norte-Americanos que possuem legislação específica seguem, portanto, este modelo voltado para a autoadministração de medicamentos, método considerado menos “agressivo” sob o ponto de vista médico, que privilegia a autonomia do paciente e não fomenta a criação de “clínicas de morte”.

Cabe aqui um adendo, ao citarmos um dos médicos mais famosos do mundo quando se trata de suicídio assistido, o norte-americano Dr. Jack Kevorkian, que teria auxiliado mais de 130 pacientes a realizarem procedimentos de morte assistida. Ele foi o inventor de uma “máquina do suicídio”, batizada de “Thanatron”, com referência a “thanatos”, personificação grega da morte, e que possibilitava aos pacientes a realização do suicídio através de um comando simples que liberava ao acesso venoso um coquetel de drogas letais; cassado seu direito de exercer a medicina e de prescrever tal medicação, ele criou então uma nova máquina, desta vez batizada de “Mercytron” – de “mercy”, misericórdia em língua inglesa – que liberava monóxido de carbono por intermédio de uma máscara buconasal. Dr. Jack morreu em 2011, já em liberdade, após ter sido condenado por homicídio ao ter realizado uma eutanásia – não permitida pela legislação norte-americana – com transmissão em rede nacional de televisão.7

Vejamos, agora, o caso da Colômbia que, em 20/5/97, por intermédio de uma decisão judicial da Corte Constitucional, sentença C-239/978 concedeu interpretação ao art. 326 do CP, descriminalizando o homicídio piedoso e culminando em expressa determinação ao governo para que editasse uma norma regulamentadora de tal procedimento.

Após um longo período de estudos e debates, em 20/4/15 foi editada a resolução  1216/15 do Ministério da Saúde colombiano9, definindo os requisitos para a morte auxiliada e criando, inclusive, a figura de um “Comitê Científico Interdisciplinar para o Direito de Morrer com Dignidade”, garantindo, também, o direito de amplo acesso aos cuidados paliativos.

A Suíça é outro exemplo bastante interessante em termos de morte assistida. Famosa por possuir duas associações de auxílio à morte – a EXIT e a DIGNITAS – o país não possui legislação específica acerca do tema, adotando os métodos de abreviação da vida por intermédio de uma decisão estabelecida pela sua Corte Federal, instância máxima judiciária, que em 2006 consignou que toda a pessoa tem direito a morrer, desde que tenha plena capacidade de discernimento, tratando-se, assim, de uma interpretação do art. 115 do CP suíço, que não pune o crime de auxílio ao suicídio, quando essa ajuda não é realizada por motivos egoísticos. A partir desta interpretação da lei, entidades não governamentais, como as principais citadas acima, passaram a estabelecer suas próprias regras de auxílio ao suicídio, sob o formato de associações, com normas internas bastante liberais.

Paradigma para muitos países que buscam uma legislação a respeito da morte auxiliada, a Bélgica possui uma legislação bastante avançada sob a ótica das demais normas internacionais, mas com regras específicas e rígidas a respeito de tal prática. A chamada “The Belgian Act on Euthanasia10, de 28/5/02, prevê a prática da eutanásia como medida de auxílio à morte, com controle médico, manifestação clara de vontade, ausência de qualquer pressão externa, além da verificação quanto a condição fútil medicamentosa, e insuportável sofrimento físico e mental. A notificação é obrigatória ao Estado, sendo que todos os casos devem ser submetidos a uma comissão de revisão. É de se destacar que, por intermédio de alteração realizada em 2014, o parlamento belga retirou qualquer limite de idade para a realização da eutanásia, ampliando assim a possibilidade de morte assistida a crianças e adolescentes.

Luxemburgo também possui lei autorizadora da morte auxiliada, denominada de “Euthanasia and Assisted Suicide”, evidentemente permitindo as duas práticas, desde 16/3/09, além de ter promulgado, no mesmo momento, uma lei específica para regulamentar os cuidados paliativos. A lei luxemburguesa é muito semelhante aos modelos Belga e Holandês, regulamentando, ainda, a possibilidade das chamadas “diretivas antecipadas de vontade”, prática que autoriza ao paciente, enquanto ainda consciente, determinar quais serão suas vontades, quando não mais possuir capacidade de expressá-las de maneira integral e completa.

Na Europa, alguns países como Alemanha e Áustria, permitem o que poderia entrar no conceito de “eutanásia passiva”, consistente no simples desligamento dos aparelhos, a pedido do paciente ou de seu representante legal. O CP austríaco, por exemplo, datado de 1974, alterado em 2013, em seu art. 110, prevê de forma bastante incisiva uma punição contra aqueles que contrariam a vontade de paciente, mesmo que de acordo com a ciência médica.

Por sua vez, a norma holandesa, denominada de “lei de 12/4/01, relativa ao término da vida sob solicitação e suicídio assistido e alteração do CP e da Lei de Entrega do Corpo”, de maneira bastante interessante, não utiliza, em nenhum momento, a terminologia “eutanásia”. Isto porque o CP holandês, em seu art. 293 pune como crime a prática da eutanásia – enquanto o 294 pune o auxílio ao suicídio – sendo que, em seu parágrafo primeiro há uma excludente de ilicitude, incluída justamente pela mencionada lei, cujo texto assim determina: “O fato mencionado no parágrafo primeiro não é punível, se ele for cometido por um médico que tenha cumprido as exigências de cuidado mencionadas no artigo 2o. da Lei relativa ao Término da Vida sob Solicitação e Suicídio Assistido, tendo comunicado o ocorrido ao Instituto Médico Legal de acordo com o artigo 7o, parágrafo segundo, da Lei de Entrega do Corpo.” A mesma regra também se aplica no caso do suicídio assistido.11

Neste sentido, tanto a realização indiscriminada da eutanásia quanto do auxílio ao suicídio continuam sendo punidos criminalmente no âmbito do território holandês; a lei, portanto, exige que todos os requisitos sejam efetivamente preenchidos para que o médico não seja processado criminalmente.

Interessante é o fato de que a história da morte a pedido na Holanda, assim como em alguns países que adotam tal prática, tem início, não no Parlamento, mas no poder Judiciário. O caso paradigmático para fins de aceitação da eutanásia na Holanda que, como demostrado, continua sendo um crime, tipificado no CP, foi julgado em 1973, quando Geertruida Postma, médica, sofreu uma acusação formal de homicídio, após ter aplicado uma injeção letal de morfina em sua mãe, que reiteradamente pedia para morrer.

A médica, que decidiu tornar pública tal questão, foi condenada a uma pena simbólica de uma semana de prisão, suspensa por uma liberdade condicional de um ano. Contudo, a Corte de Rotterdam conseguiu extrair deste polêmico caso cinco critérios para tornar possível o auxílio, não penalizável, à morte. Foram eles: 1. A solicitação deveria partir de uma decisão voluntária, feita por um paciente bem informado; 2. O paciente deveria ter compressão clara e correta quanto a sua condição, bem como acerca de outras possibilidades existentes, com capacidade plena de ponderação entre tais opções; 3. O desejo de morrer deveria perdurar por algum tempo razoável; 4. A existência de sofrimento físico ou mental, insuportável ou inaceitável; 5. O médico deveria sempre consultar outro profissional.

Em outra decisão a respeito do tema, a Suprema Corte holandesa, no caso identificado como NJ 1985, 106, firmou entendimento no sentido de que um médico que realizasse a prática da eutanásia poderia então beneficiar-se da chamada “exclusão de ilicitude por estado de necessidade”, sendo que várias questões deveriam ser observadas para que o profissional não fosse condenado criminalmente. Assim, a jurisprudência holandesa sempre caminhou pela legalização da eutanásia, através de uma excludente de ilicitude, conceituada com base num preceito jurídico denominado de “estado de necessidade”.

Nesta senda, a lei então aprovada, a partir das decisões judiciais proferidas pela Suprema Corte Holandesa, passou a determinar que a realização das práticas de abreviação da vida deveria ser precedida de uma solicitação voluntária e bem decidida do paciente, estando o médico absolutamente convencido de que o paciente estaria sob um sofrimento sem qualquer perspectiva de melhora e em um grau de insuportabilidade incontrolável. Houve o cuidado também de constar, no texto legal, o fato de que o desejo de morrer deve ter alguma duração, sem estabelecer prazo mínimo ou máximo, com insuportável sofrimento e sem possibilidade de alívio, tanto de ordem física quanto mental.

No campo da Carta Republicana de 1988, uma das premissas em destaque encontra-se no art. 5o, III, como sedo o direito à não submissão à tortura nem a tratamento desumano ou degradante e, com base justamente nesta garantia fundamental é que nossa Constituição abre um importante acesso aos procedimentos de morte assistida.

Não que a Constituição garanta diretamente este direito – o que numa interpretação mais abrangente, poder-se-ia até ser defendido – mas é fato que nossa Norma Maior tem como premissa as liberdades e garantias individuais, incluindo-se o direito à dignidade.

Assim, o exemplo internacional, basicamente, nos indica duas formas de trabalharmos tal questão: interpretação do CP ou legislação específica, que descriminaliza os procedimentos, mediante determinados requisitos. A interpretação dada à norma penal não nos parece ser o caminho mais tranquilo, haja vista que as decisões judiciais sofrem alterações ao longo da história, e o que pode representar uma permissão, num momento posterior, transforma-se em proibição e, pior, diante de um caso concreto.

A segurança jurídica, elemento essencial no âmbito da autorização de tais procedimentos, fica extremamente frágil quando a sua base se dá por intermédio de uma decisão judicial, ainda que emanada de uma Corte Superior Constitucional. Evidentemente que o processo legislativo também pode implicar em modificações substanciais, considerando que o mesmo parlamento que edita uma norma pode, posteriormente, revogá-la ou alterá-la; contudo, em tal processo, há espaço para discussão, exposição do conjunto argumentativo e, o principal, segurança jurídica quanto ao seu resultado, não por intermédio de um caso concreto, mas em abstrato.

Pelas normas brasileiras, o auxílio ao suicídio é tipificado como crime, por intermédio do art. 122 do CP, que assim dispõe: “Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio.  Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.” A eutanásia, por sua vez, é considerada crime de homicídio, tipificado no art. 121 do CP.

Interessante destacar que, assim como no modelo jurisprudencial holandês, o chamado “estado de necessidade” também possui correlação nos art. 23 e 24 do CP brasileiro, em que o ato seria então realizado para salvar o paciente de um perigo atual, sofrimento extremo e morte iminente, fazendo com que tal questão pudesse ser enfrentada no âmbito das cortes nacionais.

Na história do Parlamento brasileiro, houve uma única tentativa de se praticar algo próximo da morte assistida, através do projeto de lei 125/9612, de autoria do então senador da República Gilvam Borges, que objetivava “Autorizar a prática da morte sem dor nos casos em que específica”.

Todavia, tal projeto, que sequer chegou a ser discutido amplamente na Casa Legislativa, não previa exatamente a morte auxiliada, mas tão somente a permissão para o “desligamento dos aparelhos que mantêm alguns dos sinais vitais do paciente, caso seja constatada a sua morte cerebral, desde que haja manifestação de vontade deste.” (art. 2o. do projeto).

Assim, é evidente que se faz absolutamente necessária a discussão de tal questão no âmbito do Parlamento Federal brasileiro, a fim de que possamos debater o direito à morte digna. Afinal, se a vida tem valor, a morte a ela se equipara, haja vista ser o caminho a que, inexoravelmente, todos nos encaminhamos. Vivemos para um dia morrer, e não simplesmente por viver. Segundo Pascal Hintermeyer13, realizando uma adaptação de Aristóteles, “Não foi tão-somente para não morrer, mas também para não morrer mal, que os homens se reuniram em sociedade.”

_____

1 BRASIL. Resolução CFM n. 1805/2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169.

2 BRASIL. Decreto-Lei n. 2848/1940. Código Penal. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, 31 dez 1940.

3 WHO. Palliative Care. [internet] [acesso 14 junho 2022]. Disponível: https://www.who.int/health-topics/palliative-care

4 URUGUAY. [internet] [acesso 05 out 2016] Disponível: https://www.oas.org/juridico/mla/sp/ury/sp_ury-int-text-cp.pdf

5 Estados Unidos da América - EUA. [internet], Oregon State. [acesso 14 junho 2022]. Disponível: https://www.oregon.gov/oha/ph/providerpartnerresources/evaluationresearch/deathwithdignityact/pages/index.aspx

6 Estados Unidos da América - EUA. [internet], California State. [acesso 14 junho 2022]. Disponível: https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/billNavClient.xhtml?bill_id=201520162AB15

7 Estados Unidos da América - EUA. [internet] [acesso 14 junho 2022] Disponível: http://www.imdb.com/name/nm1535170/bio?ref_=nm_ov_bio_sm

8 Colômbia. [internet], Corte Constitucional. [acesso 05 out 2016]. Disponível: http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1997/c-239-97.htm

9 Colômbia. [internet], Ministerio de Salud y Proteccion Social. [acesso 05 out 2016]. Disponível: https://www.minsalud.gov.co/Normatividad_Nuevo/Resolución%201216%20de%202015.pdf

10 BÉLGICA. [internet]. [acesso 05 out 2016]. Tradução do texto legal em inglês disponível: http://www.ethical-perspectives.be/viewpic.php?TABLE=EP&ID=59

11 Holanda. Termination of Life on Request and Assisted Suicide Act 1o. abril de 2002. [internet], [acesso 14 junho 2022]. Disponível: http://www.eutanasia.ws/documentos/Leyes/Internacional/Holanda%20Ley%202002.pdf

12 BRASIL. Projeto de Lei do Senado n. 125/96. Autoriza a prática da morte sem dor nos casos em que especifica e dá outras providencias. Diário do Senado Federal. Junho de 1996. Quinta-feira 6 09479.

13 HINTERMEYER P. Eutanásia a dignidade em questão. São Paulo. Edições Loyola. 2006.

Osvaldo Simonelli
Advogado e Professor. Especialista em Direito Médico Mestre em Ciências da Saúde. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito Público. Idealizador do Programa de Formação em Direito Médico.

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