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A lei 14.365/22 e a (in)constitucionalidade do exercício da advocacia pelos militares que se encontram na ativa

A expressão “em causa própria” dispensa comentários, ou seja, a advocacia só poderá ser exercida pelo próprio interessado em nome próprio.

8/6/2022

1 - Introdução ao tema

Em data de 2/6/22, foi sancionada a lei 14.3651, alterando com mais intensidade a lei 8.906, de 4/7/94 - Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, além de dispositivos do CPP e do CPC.

O art. 28, do EAOAB, situado no capítulo VII, que trata das incompatibilidades e impedimentos para o exercício da advocacia ganhou dois novos parágrafos, assim dispostos:

“§ 3º As causas de incompatibilidade previstas nas hipóteses dos incisos V e VI do caput deste artigo não se aplicam ao exercício da advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB, vedada a participação em sociedade de advogados.

§ 4º A inscrição especial a que se refere o § 3º deste artigo deverá constar do documento profissional de registro na OAB e não isenta o profissional do pagamento da contribuição anual, de multas e de preços de serviços devidos à OAB, na forma por ela estabelecida, vedada cobrança em valor superior ao exigido para os demais membros inscritos.”

Um olhar atento para a redação do referido art. 28 se faz necessário:

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;

II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta; (Vide ADIN 1.127-8)

III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;

V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;

VI - militares de qualquer natureza, na ativa;

VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;

VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.

§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.

§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.

§ 3º As causas de incompatibilidade previstas nas hipóteses dos incisos V e VI do caput deste artigo não se aplicam ao exercício da advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB, vedada a participação em sociedade de advogados. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

§ 4º A inscrição especial a que se refere o § 3º deste artigo deverá constar do documento profissional de registro na OAB e não isenta o profissional do pagamento da contribuição anual, de multas e de preços de serviços devidos à OAB, na forma por ela estabelecida, vedada cobrança em valor superior ao exigido para os demais membros inscritos. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)”

Por aí se vê que a novel lei 14.365/22 excepcionou do rol de incompatibilidades, os ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza e os militares de qualquer natureza na ativa, para o exercício da advocacia em causa própria, estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais, desde que mediante inscrição especial na OAB, vedada a participação em sociedade de advogados.

Nos termos do novel § 3º, do art. 28, do EAOAB, a incompatibilidade inerente aos ocupantes de cargo policial de qualquer natureza2, assim como a dos militares que se encontram na ativa3, ficará afastada desde que o exercício da advocacia seja em causa própria e estritamente para fins de defesa e tutela de direitos pessoais.

A expressão “em causa própria” dispensa comentários, ou seja, a advocacia só poderá ser exercida pelo próprio interessado em nome próprio. O termo “estritamente” atrela o exercício da advocacia para fins de defesa (tanto penal como administrativa, a lei não distingue), bem como para buscar a tutela de direitos pessoais, anote-se, dos mais variados matizes.

Nos ocuparemos apenas dos militares da ativa. Assim, estando na condição de indiciado no inquérito policial comum ou militar – IP ou IPM, de preso no auto de prisão em flagrante – APF ou réu no processo penal comum ou militar, o advogado militar poderá exercer sua defesa. Da mesma forma, poderá buscar em causa própria, qualquer direito pessoal que entenda lhe tenha sido violado, por meio de habeas corpus, mandado de segurança ou mesmo ação ordinária, além da defesa em processo criminal, anote-se, em qualquer juízo ou tribunal!

Convém, ainda, distinguir a incompatibilidade do impedimento. Enquanto aquela é a proibição total do exercício paralelo da advocacia com as atividades que estão relacionadas no art. 28 e incisos da lei 8.906 de 04/7/94, o impedimento (previsto no art. 30) é a restrição parcial do exercício profissional do advogado em relação a determinadas pessoas jurídicas.

O objetivo deste ensaio é verificar, estreme de dúvida, se a nova lei será possível de ser aplicada aos militares da ativa, tanto das Forças Armadas como das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares em face de sua destinação e estruturação constitucional.

_____

1 Altera as Leis nºs 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), e 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para incluir disposições sobre a atividade privativa de advogado, a fiscalização, a competência, as prerrogativas, as sociedades de advogados, o advogado associado, os honorários advocatícios, os limites de impedimentos ao exercício da advocacia e a suspensão de prazo no processo penal.

2 Os integrantes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar, Sistema Prisional e Força Nacional de Segurança Pública.

3 Lei 6.880/1980, art. 3º, § 1°: Os militares encontram-se em uma das seguintes situações: a) na ativa: I - os de carreira; II - os temporários, incorporados às Forças Armadas para prestação de serviço militar, obrigatório ou voluntário, durante os prazos previstos na legislação que trata do serviço militar ou durante as prorrogações desses prazos (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019); III - os componentes da reserva das Forças Armadas quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados; IV - os alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e; V - em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas.

Jorge Cesar de Assis
Advogado inscrito na OAB/PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da reserva não remunerada da PMPR.

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