No dia 25 de maio a União realizou o peticionamento endereçado ao ministro presidente do STF, requerendo o ingresso como amicus curiae na revisão da vida toda. A requisição foi assinada pelo advogado-geral da União, ministro Bruno Bianco Leal.
Ocorre que alguns fatos e atos desta petição nos chamaram atenção, e merecem ser combatidos e esclarecidos para que o debate processual seja preservado.
Primeiramente vamos tratar do pedido em si da União requerer seu ingresso como amicus curiae, que é o “amigo da Corte”. Essa modalidade de intervenção de terceiros possui a finalidade de trazer maior qualidade as decisões judiciais, ampliando o debate da matéria constitucional e resguardando direitos.
Se mostra importante para avaliar o “interesse institucional” do amicus curiae a sua imparcialidade. Neste caso a imparcialidade não se mostra neutralidade e nem mesmo altruísmo, pois neutro deverá ser o magistrado e seus auxiliares da Justiça. O amigo da Corte deve ser imparcial no sentido de que o processo que está ingressando não irá o afetar diretamente, não atingindo qualquer direito seu. A palavra deve ser entendida como institucionalidade.
Aqui vale destacar o artigo 16 da lei 8.212 em seu parágrafo único:
Art. 16. A contribuição da União é constituída de recursos adicionais do Orçamento Fiscal, fixados obrigatoriamente na lei orçamentária anual.
Parágrafo único. A União é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual.
A União responde de forma subsidiária ao fundo do RGPS, tendo interesse direto na ação, conforme a Lei Orgânica da Previdência Social, o próprio texto legislativo demonstra que a ação tratada a atinge, afetando seus direitos.
O amicus curiae possui sua intervenção baseada na existência de ver tutelado o interesse institucional, e sua atuação se faz em busca da respectiva tutela jurisdicional. O que não se admite é buscar direito seu, do próprio amicus curiae no processo em curso. No caso da revisão da vida toda o ingresso da União deve ser como parte, ainda que em litisconsórcio.
Vale destacar aqui a fala do próprio ministro Bruno Bianco, que assina a petição, dita na Rádio Bandeirantes em entrevista sobre a revisão da vida toda, após o pedido de destaque ocorrido no processo: “O INSS é cliente da advocacia-geral da União”. Os interesses da União são claros, legais e expressos verbalmente por seu representante neste processo. Não podemos aceitar que o cliente tenha seu advogado como amigo da Corte no processo.
A petição juntada no processo mostra certas confusões sobre o tema tratado, confundindo até mesmo o objeto da ação e sua fundamentação. Esta revisão possui como tema central a regra de transição do artigo 3º da lei 9.876/99, porém trata de uma questão de interpretação legislativa, ou seja, o debate é hermenêutico, buscando proporcionar bases racionais e seguras para uma interpretação do enunciado normativo.
Sempre que ocorrem mudanças na legislação previdenciária, o legislador busca amparar quem já estava próximo de atingir a sua tão sonhada aposentadoria. Ele não pode garantir para estas pessoas a aplicação da legislação anterior que será revogada, pois o direito não havia sido ainda conquistado, mas também não pode desconsiderar todo esforço mensal por décadas que esta pessoa fez e suas contribuições aos cofres públicos. Para isso são criadas as regras de transição.
As regras de transição buscam abrandar a chegada de uma nova legislação bem mais severa, e o intuito do legislador quando realiza a sua elaboração/criação é buscar trazer um caminho pouco menos penoso para estes trabalhadores alcançarem a sua aposentadoria. Jamais uma regra de transição pode ser utilizada para prejudicar, pois caso o interesse do legislador não fosse de pelo menos abrandar, ele nem a criaria, deixando apenas em vigor a nova regra permanente.
E em muitas aposentadorias a regra de transição foi mais desvantajosa que a permanente, trazendo prejuízos àqueles que já estavam perto de aposentar-se. De forma bem simples: quem estava por décadas contribuindo teve em seu cálculo a aplicação de uma regra mais desvantajosa que a regra permanente, utilizada futuramente por aquele que nem filiado ao sistema estava.
Nesta revisão buscamos que o STF traga a hermenêutica sobre a aplicabilidade da regra de transição, que ele interprete a vontade do legislador, dizendo se uma regra de transição pode ser mais desvantajosa que a permanente. Aqui não estamos tratando a criação de novos direitos pelo STF aos aposentados, conforme a AGU alega em sua petição, e sim a aplicação de uma regra mais favorável, dentro do mesmo ordenamento legal.
O texto fala sobre criação de vantagens por decisão judicial, fazendo um paralelo entre a desaposentação e a ação do adicional de 25%, mas a revisão da vida toda em nada se assemelha a estes temas. Não conseguimos compreender se esta argumentação é para fugir da matéria ou desconhecimento da mesma, pois aqui não tratamos de um novo benefício a ser criado e sim a aplicação da lei. Apenas e tão somente saber se o aposentado, quando prejudicado pela regra transitória, possui o direito de usar a regra permanente que está no mesmo regimento legal e para milhões de outros segurados foi assegurada.
O que o INSS tanto teme neste processo, e por isso apela para o jus terrorismo financeiro e não argumentos legais e constitucionais, é que o entendimento da Corte Superior é favorável aos aposentados na correção desta injustiça. O STF entende que é absurdo (palavras do próprio acórdão) uma regra de transição ser mais desfavorável que a regra permanente, e também já consolidou o seu entendimento sobre a “aplicação do melhor benefício”.
E mais, o próprio STF por 6 votos a 5 já se manifestou favorável sobre o tema, garantindo a segurança jurídica constitucional e também de suas decisões aos aposentados. Porém, por um pedido de destaque, este julgamento poderá ser recomeçado na Suprema Corte.
Outro tema que a AGU confunde na revisão da vida toda é a questão constitucional da regra de transição do artigo 3º da lei 9.876, demonstrando que por meio da ADIn 2111 o STF já se manifestou sobre a sua constitucionalidade. Ocorre que não estamos tratando da busca de tornar a regra de transição inconstitucional, isso é fugir do tema, pois conforme exposto acima, neste tema temos uma questão hermenêutica, de interpretação do texto legal.
Os aposentados não querem que o STF declare a transição inconstitucional, isso não é questionado em nenhum momento. AGU, para melhor elucidação do tema: aqui buscamos que a regra de transição seja aplicada para abrandar, como quis o legislador, e quando ela prejudicar, que seja aplicada a permanente.
Não existe qualquer “hibridismo legislativo”, onde se busca o melhor de duas ou mais legislações e nem mesmo a criação de regras diferenciadas, não se confundam e nem tragam confusões aos autos. E mais, não existe qualquer fundamentação para que a regra de transição seja declarada inconstitucional, por isso não há paralelo entre o tema 1102 e a ADIn 2111.
Sobre a ofensa ao equilíbrio financeiro e atuarial alegada pela União, os aposentados buscam que seja efetivado o princípio, aproximando mais o cálculo dos salários de contribuição sobre o que efetivamente deveriam receber. Isso se mostra o inverso do que a petição da AGU traz, pois quem tem interesse no respeito a este equilíbrio são os aposentados, onde a revisão da vida toda efetiva este conceito, aproximando o que você pagou, do que você irá receber.
Esta também foi citada no voto do ministro Alexandre de Moraes no processo, comprovando que a ação respeita o “princípio contributivo-retributivo”, onde o que você pagou deve retornar como retribuição no seu benefício.
E por final, a AGU entende que a decisão do STJ quando reconheceu este direito aos aposentados foi anti-isonômica. Mais uma vez os papéis se mostram invertidos e uma incompreensão do julgado, pois expõe que o STJ privilegiou certo grupo de pessoas. Ele não privilegiou, ele apenas garantiu o mesmo direito de quem utilizou a regra permanente. Como a regra de transição para alguns foi mais desvantajosa, e isso fere a principiologia da sua criação, ele aproximou os prejudicados de quem tinha a regra permanente a ser utilizada. Desconheço maneira mais efetiva de garantir o princípio da isonomia.
O STJ não criou um novo direito ou uma regra diferenciada para estes aposentados, nem mesmo declarou a possibilidade de utilizar a regra anterior, apenas garantiu que estas pessoas utilizem a regra permanente que milhões de aposentados usaram, por entender que jamais uma transitória pode prejudicar mais que a permanente.
O tratamento com privilégios seria um cálculo diferenciado dos demais, mas o STJ não fez isso, apenas possibilitou o recálculo pela regra permanente.
Portanto, é de se esperar que a União não ingresse no processo como amiga da Corte, por total reflexo dos efeitos do processo em seus direitos, sendo ela parte interessada. E no mais, que após seu ingresso como parte, passe a se aprofundar mais no tema, pois os elementos trazidos na peça refletem total desconhecimento deste tema tão importante ao direito previdenciário e a segurança jurídica dos aposentados.