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Aos 10 anos da LAI, novas teses vinculantes do STJ removem pretextos para negativas de acesso a informações públicas

No mês em que a lei brasileira de acesso à informação completa dez anos de vigência, as teses fixadas por unanimidade pela primeira Seção do STJ consolidam juridicamente o entendimento, aceito internacionalmente, de que a transparência é uma obrigação positiva do Estado, antes mesmo de ser um direito do cidadão.

30/5/2022

O Superior Tribunal de Justiça fixou em 11 de maio duas teses vinculantes1 que restringem significativamente pretextos usados por gestores públicos para sonegarem informações detidas pelos governos. Embora trate de transparência ambiental, o julgamento tem fundamentos que alcançam toda a atividade governamental.

O julgamento do IAC 13/STJ (REsp 1857098) afirma claramente que o direito de acesso a informações públicas é, nessa ordem, um dever do Estado e um direito do cidadão. Além disso, é o Estado que deve justificar a razão pela qual informações sob sua guarda não são públicas ou, sendo, não estão publicadas2.

A inversão é relevante. O caso julgado pelo STJ reforma uma decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Para o TJMS, não haveria obrigação de o Estado publicar as informações requeridas, por falta de previsão legal específica. Quem quisesse, inclusive o Ministério Público, poderia requerer o acesso conforme necessário; além disso, o Município de Campo Grande, o recorrido no caso, jamais havia se negado a entregar os documentos.

Para o STJ, porém, o direito de requerer o acesso não autoriza que os governos deixem de cumprir o dever de publicar. Nos termos do voto do ministro Og Fernandes, relator do caso, a “ordem natural das coisas, em matéria de transparência em uma democracia”, é o atendimento pela administração do dever de publicidade, com a veiculação de forma geral e voluntária das informações públicas, inclusive na internet, conforme art. 8º da LAI - Lei de Acesso à Informação.

Descumprido esse dever (transparência ativa), qualquer um pode exigir o acesso individual e específico (transparência passiva – art. 10 da LAI). Mas a possibilidade de se requerer o acesso não apaga a obrigação anterior dos governos.

Outro ponto fundamental do voto é a restrição dos motivos que os governos podem usar para rejeitar a divulgação, tanto de forma ativa quanto passiva. O STJ afirmou não existir liberdade (discricionariedade) para o governante optar por publicar ou não as informações públicas.

A administração pode, apenas, no caso de transparência ativa, motivar concretamente, com razões “públicas e republicanas”, sua decisão de não disponibilizar os documentos de forma ampla e na internet.

No caso da transparência passiva (por requerimento), a restrição é ainda maior: somente as hipóteses taxativas da Lei de Acesso à Informação (sigilo, segredo industrial e dados pessoais) autorizam a negativa.

Em qualquer caso, a decisão administrativa estará sempre sujeita a revisão judicial. Isso põe por terra outro argumento estatal: o de que a restrição de acesso é assunto dos gestores, e o controle judicial do ato violaria a separação de poderes.

Mais relevante é a afirmação da tese de que o Judiciário não pode presumir a validade da restrição de acesso pelos governos. Conforme o voto condutor, “o regime de transparência brasileiro [adota] o princípio da máxima divulgação: a publicidade é regra, e o sigilo, exceção, sem subterfúgios, anacronismos jurídicos ou meias-medidas”.

Além disso, os governos não podem se beneficiar de suas próprias interpretações de leis para negar a transparência. Assim, é o Estado que tem o dever de apresentar justificativas convincentes para aplicar a exceção. A presunção, portanto, atua em favor da divulgação. O Judiciário deve partir da ideia de que toda a informação detida pelo Estado é pública e deve estar publicada. “A opacidade administrativa não pode ser tolerada como simulacro de transparência passiva”, escreveu o ministro Og Fernandes.

Efeito vinculante

A decisão, unânime, foi tomada pela primeira Seção do STJ, que reúne todos os dez ministros responsáveis pelos casos específicos de direito público, como os que envolvem a administração pública municipal, estadual e federal.

O tribunal decidiu dar ao julgamento força vinculante devido à relevância do direito à transparência ambiental e de sua repercussão social (art. 947 do CPC/15). Por isso, o recurso do Ministério Público foi julgado por um órgão colegiado superior (seção) ao habitual (turmas), em um “incidente de assunção de competência” (IAC)3.

Isso também evita divergências no próprio tribunal, porque todos os ministros responsáveis pelo assunto apreciam o caso simultaneamente, podendo votar de forma contrária à proposta do relator. Depois, eles, as turmas do STJ e todos os demais tribunais e juízes do país, devem seguir o resultado do julgamento (art. 947, § 3º, do CPC/2015).

Se a tese do STJ for ignorada pelos julgadores nos casos futuros, há um atalho processual para levar o caso diretamente ao tribunal (reclamação – art. 988, IV, do CPC/2015), com trâmite bastante abreviado, principalmente em comparação com os recursos normalmente disponíveis.

No mês em que a lei brasileira de acesso à informação completa dez anos de vigência, as teses fixadas por unanimidade pela primeira Seção do STJ consolidam juridicamente o entendimento, aceito internacionalmente, de que a transparência é uma obrigação positiva do Estado, antes mesmo de ser um direito do cidadão, e de que cabe ao Estado justificar a ausência de publici.

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1 Outras duas teses vinculantes do julgado dizem respeito a matéria registral. Em resumo: as informações ambientais podem ser averbadas no registro do imóvel, e o MP pode requisitar essa averbação diretamente ao cartório. A íntegra do voto já foi publicada: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1510982127/recurso-especial-resp-1857098-ms-2020-0006402-8/inteiro-teor-1510982172

2 Há, ainda, uma subtese sobre a transparência “reativa”, tratando do dever do Estado de produzir a informação mediante requerimento de qualquer pessoa, aplicável apenas no âmbito ambiental. O espaço disponível não permite desenvolver o tema nesta oportunidade.

3 Esse é outro ponto que merece ser explorado em oportunidade própria. A opção pelo IAC ainda é resistida no Tribunal: enquanto os repetitivos somam mais de 1.100 temas, os IACs são apenas 13 (dois deles relatados pelo ministro Og Fernandes). A lista completa pode ser acessada em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?p=true&novaConsulta=true&quantidadeResultadosPorPagina=10&i=1&pesquisa_livre=&operadorPadrao=e&pesquisarSinonimos=on&pesquisarPlurais=on&tipo_pesquisa=T&tipo_pesquisa=I&cod_tema_inicial=&cod_tema_final=&sg_classe=&num_processo_classe=&num_ministro=&cod_origem=&cod_tipo_puil=&sg_ramo_direito=&ordenacaoCriterio=1&ordenacaoDecrescente=0

Murilo Pinto
Mestre em Direito e Políticas Públicas (UniCeub), especialista em comunicação pública (IESB) e servidor do STJ.

Fabiano Angélico
Mestre em Administração Pública pela FGV-SP, com especialização em transparência pela Faculdade de Direito da Universidade do Chile, e doutorando em Ciências da Comunicação pela Università dela Svizzera italiana (USI), na Suíça.

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