Migalhas de Peso

O conflito de competência entre Vara Federal e Juizado Especial Federal nas causas de valor inferior a 60 salários-mínimos

O presente texto objetiva analisar o conflito de competência que existe entre varas federais e o juizado especial federal nas causas que não ultrapassam 60 salários-mínimos.

26/5/2022

1. A competência absoluta do Juizado Especial Federal para causas de até 60 salários-mínimos

A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a competência atribuída aos Juizados Especiais Federais é absoluta, a teor do art. 3º, § 3º, da lei 10.259/01, a ser determinada em conformidade com o valor da causa: até o limite de 60 salários-mínimos1. Assim, uma vez instalado Juizado Especial Federal ou da Fazenda Pública, conforme o caso, e o valor da causa for inferior ao de 60 salários-mínimos, a competência é absoluta do Juizado Especial Federal ou da Fazenda Pública, conforme o caso2.

Contudo, a regra de competência absoluta comporta exceção, ainda que o valor da causa seja inferior aos 60 salários-mínimos.

1.1. A incompetência do Juizado Especial Federal mesmo quando a causa for inferior a 60 salários-mínimos: exceção da regra geral pela formação do polo passivo com pessoa jurídica de direito privado

Quando no polo passivo há, também, pessoa jurídica de direito privado, não haveria como se admitir a competência dos Juizados Especiais Federais para processamento da demanda, pois o regramento disposto no art. 6º, II, da lei 10.259/01, prevê que apenas podem figurar como partes demandadas, no Juizado Especial Federal Cível, a União, suas autarquias, fundações e empresas públicas federais, in verbis:

Art. 6o Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível:

I - como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na lei no 9.317/96;

II - como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais."

No caso de ação proposta em face de pessoa jurídica de direito privado, não há como se admitir a competência dos Juizados Especiais Federais diante do disposto no art. II, da lei 10.259/01 que restringe a possibilidade de figurarem no polo passivo no Juizado Especial Federal Cível, à União, suas autarquias, fundações e empresas públicas federais. Nestas situações a competência é da vara federal, ainda que a o processo tenha valor inferior a 60 salários-mínimos3.

1.2. A incompetência do Juizado Especial Federal mesmo quando a causa for inferior a 60 salários-mínimos: exceção da regra geral nos casos de simples intervenção de terceiro

Acrescente-se também que a intervenção a simples intervenção de entes federais, diante de manifestação de interesse jurídico no feito, afasta a competência dos Juizados Especiais Federais (JEFs) na medida em que o artigo 10 da lei 9.099/95, que se aplica subsidiariamente aos Juizados Especiais Federais, determina não se admitir, naquele procedimento especial, qualquer forma de intervenção de terceiro4 nem de assistência5.

5. Conclusão

A regra de competência absoluta do Juizado Especial Federal em razão do valor da causa comporta exceção: a) quando também figura como parte no polo passivo pessoa jurídica de direito privado; b) quando o ente federal intervém em demanda entre particulares, porque não é cabível intervenção de terceiros no JEF e nem assistência. Nestas duas situações a competência será da Vara Federal e não do Juizado Especial Federal mesmo nas causas com valor inferior a 60 salários-mínimos.

____________ 

1 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS IMPUGNADOS. RECONSIDERAÇÃO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL EM RAZÃO DO VALOR DA CAUSA. OCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. AGRAVO DO ART. 1.042 DO CPC/2015 CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1700921 PR 2020/0108618-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 26/10/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/11/20)

2 Apenas como exemplo: REsp 1.537.768/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 20.8.2019, DJe de 5.9.2019).

3 Nesse sentido: TRF5. (CC 0805527-83.2021.4.05.0000, j. 02/06/2021, Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira).

4 Nesse sentido: TRF5. ROCESSO Nº: 0812991-61.2021.4.05.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO, DJe 13/05/2022.

5 Lei 9099/95. Art. 10. Não se admitirá, no processo, qualquer forma de intervenção de terceiro nem de assistência.(...)

Guilherme Veiga Chaves
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa/UNIPI, Itália. Advogado sócio do escritório Gamborgi, Bruno e Camisão Associados Advocacia.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

A insegurança jurídica provocada pelo julgamento do Tema 1.079 - STJ

22/11/2024

O fim da jornada 6x1 é uma questão de saúde

21/11/2024

ITBI - Divórcio - Não incidência em partilha não onerosa - TJ/SP e PLP 06/23

22/11/2024

Penhora de valores: O que está em jogo no julgamento do STJ sobre o Tema 1.285?

22/11/2024

A revisão da coisa julgada em questões da previdência complementar decididas em recursos repetitivos: Interpretação teleológica do art. 505, I, do CPC com o sistema de precedentes

21/11/2024