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Fundo de investimento em participação como instrumento de desenvolvimento econômico

Os fundos de investimento se consolidaram como um instrumento de alocação de capital e produção de riqueza. No entanto, é importante que o investidor esteja atento a alguns pontos relevantes ao realizar as operações societárias.

18/5/2022

Os fundos de investimento certamente são um importante instrumento para fins de desenvolvimento socioeconômico da sociedade. Ao tratarmos exclusivamente dos fundos de investimento em participações (“FIPs”), em todas as suas categorias, há mais de 1.307 registrados perante a comissão de valores mobiliários.1 Para fins de comparação, atualmente, há um pouco mais de 400 empresas listadas na bolsa de valores B3.2

Apesar dos FIPs serem um instrumento jurídico relativamente novo, especialmente quando realizamos uma análise comparativa com os Estados Unidos, cuja indústria de private equity e venture capital é mais madura e desenvolvida, a tendência para os próximos anos é o seu rápido e significativo desenvolvimento. Não é sem razão, por exemplo, que a despeito dos impactos negativos causados pela pandemia da covid-19 na economia brasileira, conforme o relatório divulgado pela ABVCAP, durante o ano de 2021, os investimentos de PE e VC totalizaram 38 bilhões de reais, representando um aumento de mais de 200% em comparação ao volume de investimentos realizados em 2020.3 Ao tratarmos apenas do CVC - corporate venture capital, ao longo de 2021, US$ 638,2 foram investidos em startups brasileiras por diversos CVCs.4 Em vista desse contexto, algumas notas se fazem necessárias para pontuar os pontos de maior atenção para os investidores que buscam aproveitar as oportunidades oferecidas pela indústria de PE e VC.

A relevância do FIP atualmente não condiz com a sua recente introdução no ordenamento jurídico brasileiro. Isto porque, somente através da promulgação das leis 4725/93, 8668/93, 11478/07 e 13043/14, os Fundos de Investimento de Participação foram diretamente regulados. Em comparação com a legislação que versa sobre a sociedade limitada e sociedade por ações, que são outros instrumentos jurídicos de produção de riqueza, o FIP é, portanto, um instituto incipiente.

Ao traçarmos uma linha em busca da origem do FIP tal como conhecemos hoje, observamos que na década de 70, o Banco Central editou a Resolução 145, originando os “fundos de mútuo de investimento”. Ocorre que alguns anos depois, através da promulgação da lei 6.385/76, responsável pela constituição da Comissão de Valores Mobiliários, a sociedade brasileira passou a conviver com duplicidade de normas em relação aos referidos fundos, considerando que, à época, o Conselho Monetário Nacional, atribuiu à CVM o papel de regulamentar e fiscalizar a atuação dos fundos.

Somente em 2002, a CVM e o Banco Central, através de um convênio “com vistas ao intercâmbio de informações e outras atividades correlatas”5, formalizaram-se a transição de regulamentação e fiscalização dos atuais FIP, unificando a legislação cabível. Por isso, hoje, não há como falarmos sobre esse assunto sem mencionarmos as famosas instruções normativas 578 e 555 da CVM.

Sendo sempre um objeto de reflexões, o fundo de investimento em Participação é constituição sob a forma de condomínio fechado (art. 1.368-C do Código Civil). De forma objetiva e resumida, o FIP é uma comunhão de recursos financeiros, de um ou mais quotistas, cujo objetivo é adquirir, temporariamente, valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de Companhias que tem um grande potencial de crescimento e valorização do investimento realizado. É bem verdade que o investimento é de alto risco, afinal, as empresas investidas não estão consolidadas no mercado, e não há garantia de um retorno mínimo do investimento realizado. Além disso, o FIP não possui alta liquidez, pois, salvo em decorrência de eventos de liquidez das empresas investidas ou hipóteses específicas nos contratos de investimento, o aporte realizado somente poderá ser resgado após transcorrido um determinado período, que não costuma ser inferior a 36 meses.

Conforme exposto anteriormente, o fundo de investimento em participação se sujeita às normas da instrução normativa 578 da CVM, e, em caráter subsidiário, da instrução normativa 555 da CVM. É de fundamental importância a estrita observação às normas ali referidas, bem como as demais pertinentes à natureza jurídica do FIP. Dentre todas as obrigações, algumas certamente merecem destaque.

Em primeiro, é importante ressaltar a obrigatoriedade de o FIP investir, no mínimo, 90% do seu patrimônio nos valores mobiliários referenciados no art. 5º da IN 578. Além disso, o FIP tem o dever de participar do processo decisório das suas investidas, influenciando na sua estratégia e gestão. Para tanto, há algumas alternativas, como a celebração de acordo de acionistas, adquirir ações que sejam do bloco de controle da Companhia, previsão de direitos especiais nos acordos de investimento, como o direito de veto e/ou voto afirmativo em matérias estratégicas.6

O FIP também precisa ter um prazo determinado de duração, devendo ser especificado o prazo para realização dos investimentos e, também, o prazo para realização dos desinvestimentos, isto é, o “exit” do FIP da Companhia investida. O desinvestimento pode ocorrer quer seja pela realização do IPO da companhia, ou pela alienação da posição societária do FIP para um potencial acionista, inclusive, outro FIP. Não há regra quanto ao prazo a ser estipulado, todavia, cerca de 81% dos regulamentos registrados na CVM apresentam um prazo de duração médio de 9,8 anos.7

Por fim, é importante ressaltar que os quotistas respondem pelo patrimônio líquido negativo do fundo. Quando pensamos em fundos de corporate venture capital, isto é, fundos que são constituídos por empresas que querem ingressar no mercado de inovação e nova economia, tal disposição parece irrelevante, pois, havendo um único quotista, fica claro que este assume o risco do investimento. Por outro lado, em FIPs que possuem diversos quotistas, tal obrigação deve ser avaliada à luz do risco e benefícios que a tese de investimento pode proporcionar.

Por fim, outro ponto a ser observado no momento da elaboração dos documentos definitivos do investimento, refere-se aos direitos especiais do FIP para além dos especificados anteriormente para fins de assegurar a sua influência na gestão. Os fundos de investimento estão sujeitos à fiscalização da CVM e, portanto, apresentam um alto grau de compliance e de governança. Definitivamente, o cenário das empresas investidas é normalmente bem diferente.

Sendo assim, justamente por força da IN 578/CVM, é necessário um olhar atento e experiente para a elaboração de cláusulas que observem premissas básicas, tais como: (i) proibição de emissão de partes beneficiárias e inexistência desses títulos em circulação; (ii) adesão à arbitragem como mecanismo de resolução de conflitos em detrimento do poder judiciário, (iii) mandato de, no mínimo, dois anos para os conselheiros eleitos a comporem o conselho de administração da companhia, e etc.

Enfim, é necessário também tecer alguns comentários sobre a administração e gestão do fundo de investimentos. Tanto a administração quanto a gestão do fundo devem ser realizadas por pessoas devidamente credenciadas pela CVM, sendo que a administração pode ser realizada por uma pessoa natural, e a gestão somente poderá ser exercida por uma pessoa jurídica.

É bastante comum nos depararmos com dúvidas sobre as figuras do administrador e gestor; no entanto, as suas obrigações são bem distintas e não se confundem, exceto pelo princípio de agir no melhor interesse do FIP. Resumidamente, o administrador tem como atividade constituir o fundo e realizar todas os atos necessários para o seu regular funcionamento, inclusive realizar a contratação de terceiros. O gestor, por outro lado, tem como atividade a definição da estratégica de investimento do fundo com intuito de valorizar o seu patrimônio, tendo poderes para negociar em nome do fundo com as companhias a serem investidas. Assim, podemos, de forma extremamente superficial, apontar que a atividade do administrador se destina ao FIP em si, ao passo que a atividade do gestor se concentra na relação do FIP com as companhias investidas.

As particularidades dos investimentos realizados através dos FIPs são tantas que não é possível exauri-las nestas breves notas – especialmente dado a relevância da indústria de PE/VC. De todo o exposto, resta a certeza de que as empresas que buscam se aproximar do mercado de inovação e nova economia, mantendo-se competitivas no mercado, devem enxergar o fundo de investimento em participação como um dos melhores instrumentos jurídicos disponíveis para atingir tal objetivo.

__________

1 Dados extraídos da Central de Sistemas da CVM em 11 de janeiro de 2022.

2 Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/business/com-boom-de-ipos-bolsa-volta-a-ter-mais-de-400-empresas-em-1990-eram-615/. Acesso em 11 de janeiro de 2022.

3 Disponível em https://www.abvcap.com.br/pesquisas/estudos.aspx>. Acesso em 10 de janeiro de 2022.

4 Dados extraídos do “Report Retrospectiva 2021” da Distrito.

5 Disponível em https://sistemas.cvm.gov.br/port/public/publ/convenio.asp. Acesso em 10 de janeiro de 2022.

6 Essa obrigação é dispensada nas hipóteses (i) da participação societária do FIP ser reduzida em 50% a sua participação societária original e que represente menos de 15% do capital social da Companhia, ou (ii) do valor do investimento ser reduzido a zero contabilmente e desde que seus quotistas deliberem nesse sentido.

7 Termos e Condições dos Regulamentos de Fundos de Private Equity e Venture Capital Brasileiros. Maio/2021.

Renata Niada Engel
Advogada do escritório Perroni Sanvicente & Schirmer. Especialista em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas.

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