No último dia 03/05/22, foi publicado o acórdão da ADIn 5.766, de autoria da Procuradoria Geral da República ainda na gestão do então PGR Rodrigo Janot.
Quando da conclusão do julgamento, houve certa celeuma a respeito do alcance da declaração de inconstitucionalidade do art. 791-A, §4º, da CLT. Isto porque, o extrato do acórdão, publicado logo em seguida, dava conta de que a inconstitucionalidade alcançava a integralidade do dispositivo normativo.
Assim, em um primeiro momento, parecia estar vedada a condenação do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento de honorários de sucumbência, no âmbito da Justiça do Trabalho, ainda que sob condição suspensiva de exigibilidade, não obstante o próprio STF já tivesse reconhecido anteriormente, nos autos do Recurso Extraordinário 249.003/RS, a constitucionalidade do art. 98, §3º, do Código de Processo Civil, cujo conteúdo é semelhante à norma impugnada.
É certo, no entanto, que as dúvidas foram sanadas com a publicação da redação final do acórdão.
Tal como constou do extrato do acórdão, o voto do ministro Alexandre de Moraes, nomeado redator para o acórdão, foi vencedor. Vencidos, e parte, os ministros Roberto Barroso, Luis Fux, Nunes Marques e Gilmar Mendes.
“Vistos, relatados e discutidos estes autos, os ministros do STF, em plenário, sob a presidência do senhor ministro LUIZ FUX, em conformidade com a ata de julgamento e as notas taquigráficas, por maioria, acordam em julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e §4º, e 791-A, §4º, da CLT - consolidação das leis do trabalho, nos termos do voto do ministro ALEXANDRE DE MORAES, redator para o acórdão, vencidos, em parte, os ministros ROBERTO BARROSO (relator), LUIZ FUX (presidente), NUNES MARQUES e GILMAR MENDES. E acordam, por maioria, em julgar improcedente a ação no tocante ao art. 844, §2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os ministros EDSON FACHIN, RICARDO LEWANDOWSKI e ROSA WEBER.”
A própria ementa já descreve com clareza a ratio decidendi do julgamento, no sentido de que a inconstitucionalidade abrange apenas a presunção da perda da condição de hipossuficiência em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outro processo.
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.467/17. REFORMA TRABALHISTA. REGRAS SOBR GRATUIDADE DE JUSTIÇA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE ÔNUS SUCUMBENCIAIS EM HIPÓTESES ESPECÍFICAS. ALEGAÕES DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, ACESSO À JUSTIÇA, SOLIDARIEDADE SOCIAL E DIREITO SOCIAL À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA. MARGEM DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CRITÉRIOS DE RACIONALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. É inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário.
2. A ausência injustificada à audiência de julgamento frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual, mostrando-se proporcional a restrição do benefício de gratuidade de justiça nessa hipótese.
3. Ação direta julgada parcialmente procedente.”
O ponto objeto da declaração de inconstitucionalidade proposto pela Procuradoria Geral da República residia no fato de que o artigo 791-a, §4º, da CLT, após a reforma trabalhista, previa que a condenação do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento de honorários de sucumbência ficaria sob condição suspensiva de exigibilidade, somente podendo ser executada se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado, houvesse a comprovação de que deixou de existir a situação de hipossuficiência econômica (em redação semelhante ao que propõe o artigo 98, §3º, do CPC), no entanto, excepcionando a regra da condição suspensiva, tornando exigível desde logo o pagamento dos honorários, nos casos em que o beneficiário da justiça gratuita obtivesse, no mesmo ou em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa.
“Art. 791-A. ...
§4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgador da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.”
À princípio, quando da publicação do extrato do julgamento, em 20/10/2021, dava-se conta de que o artigo 791-A, §4º havia sido declarado integralmente inconstitucional.
“Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vencidos, em parte, os ministros Roberto Barroso (relator), Luiz Fux (presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes. Por maioria, julgou improcedente a ação no tocante ao art. 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Redigirá o acórdão o ministro Alexandre de Moraes. Plenário, 20/10/21 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/20/STF).”
No entanto, pelo voto do ministro Alexandre de Moraes, condutor do acórdão, restou evidenciado que o julgamento de inconstitucionalidade abrangeu tão somente a expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”.
Nesse sentido, resta esclarecido no voto:
“A deferência de tratamento permitida pela Constituição se baseia exatamente nessa admissão de hipossuficiência. Simplesmente entender que, por ser vencedor em outro processo ou nesse, pode pagar a perícia, e, só por ser vencedor no processo, já o terno suficiente, autossuficiente, seria uma presunção absoluta da lei que, no meu entendimento, fere a razoabilidade e o art. 5º, XXIV.
[...]
Uma eventual vitória judicial em outro ambiente processual não descaracteriza, por si só, a condição de hipossuficiência. Não há nenhuma razão para entender que o proveito econômico apurado no outro processo seja suficiente para altera a condição econômica do jurisdicionado, em vista da infinidade de situações a se verificar em cada caso.
[...]
Em vista do exposto, CONHEÇO da ação direta e, no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita”, constante do caput do art. 790-B; para declarar a inconstitucionalidade do §4º do mesmo art. 790-B; declarar a inconstitucionalidade da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”, constante do §4º do art. 791-A; para declarar constitucional o art. 844, §2º, todos da CLT, com a redação dada pela lei 13.467/17.”
No mesmo sentido, a ratio decidendi do voto do ministro Edson Fachin, acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que julgaram a ação procedente nos teos do pedido da PGR.
“Importante ressaltar que não há inconstitucionalidade no caput do artigo 790-B da CLT, com redação da lei 13.467/17, quando admite a possibilidade de imputação de responsabilidade ao trabalhador sucumbente, pois admitir a imputação é ato distinto de tornar imediatamente exigível tal obrigação do beneficiário da justiça gratuita. Se cessadas as condições que deu ao trabalhador o direito ao benefício da gratuidade da justiça, admite-se a cobrança das custas e despesas processuais.
Não se apresentam consentâneas com os princípios fundamentais da Constituição de 1988 as normas que autorizam a utilização de créditos, trabalhistas ou de outra natureza, obtidos em virtude do ajuizamento de um processo perante o Poder Judiciário, uma vez que este fato – sucesso em ação ajuizada perante o Poder Judiciário – não tem o condão de modificar, por si só, a condição de miserabilidade jurídica do trabalhador.
[...]
Ora, as normas impugnadas que impõem o pagamento de despesas processuais, independentemente da declaração oficial da perda da condição de hipossuficiência econômica, afrontam o próprio direito à gratuidade da Justiça e, consequentemente, o próprio direito ao acesso à Justiça.
Da mesma forma, importante afirmar que o benefício da gratuidade da Justiça não constitui isenção absoluta de custas e outras despesas processuais, mas, sim, desobrigação de pagá-las enquanto perdurar o estado de hipossuficiência econômica propulsor do reconhecimento e concessão das prerrogativas inerentes a este direito fundamental (art. 5º, LXXIV, da CRFB).”
Portanto, ao contrário do que se afirmou quando da conclusão do julgamento, o entendimento final, tomada em consideração a ratio decidendi dos votos proferidos, não se deu no sentido de impossibilitar a condenação do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento de honorários de sucumbência, mas tão somente no sentido de reputar inconstitucional, nos termos do pedido da PGR, a expressão inserta no art. 791-A §4º que presumia a perda da condição de hipossuficiência econômica pelo simples fato de o beneficiário ter obtido créditos em seu favor.
Prevalece hígido, portanto, no entendimento do STF, o conteúdo normativo do §4º na parte em que afirma a possibilidade de condenação ao pagamento de honorários de sucumbência, observada a condição suspensiva de exigibilidade.