Outro dia, dentre as centenas de mensagens que recebo por cotidianamente, chegou-me uma bastante intrigante. Dizia ela: "(...) se eu tivesse 17 anos e estivesse começando agora, jamais escolheria o direito novamente". Pois é. Triste e real percepção do que arrumaram para cadeira que já teve cabeças brilhantes como Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Teixeira de Freitas, Barbosa Moreira, etc. Entretanto, a intrigante afirmação, algo assemelhada a um lamento lacônico, é significativamente expressiva no momento em que vivemos.
Não há dúvida de que esse sentimento de arrependimento nasceu, e é fomentado, entre outras razões, pelo fenômeno do ativismo judicial, algo de fato não tão recente, mas que vem marcando cada vez mais fortemente essa quadra do século, atingindo amplamente a sociedade, aí incluídos os juristas ou não. No nosso entender, desde que o exagerado protagonismo diário desse ativismo, estabelecido em todas as regiões (pois há 18 mil magistrados no país), viu-se em meio da divisão política que experimentamos no mais recente período, o grande prejudicado é o Direito.
É como se ele fosse o pequeno marisco, entre o poderoso mar e a forte pedra. Não pode se sair bem.
E isso é muito ruim para o convívio dos homens e mulheres que formam o corpo social de uma nação,que, na pior das hipóteses, não deveria se familiarizar com princípios de direito, fórmulas interpretativas de normas constitucional. Isso sem falar nos códigos penal ou civil, ou mesmo na aplicação de princípios de complexa conceituação e cujo o “coringa” é o da dignidade da pessoa humana, conceito multifacetado e plurissignificante, cabível em qualquer situação, uma vez que é “moderno e erudito”.
Quando semelhante conjunção de situações ocorre, numa sociedade que deveria estar preocupada em unir forças para sair da crise mais rapidamente, há algo estranho no ar.
O resultado disso são as infindáveis, e pouquíssimo fundamentadas, discussões, que tomaram conta dos bares e das rodas de conversa nas esquinas, sobre, por exemplo, e mais recentemente, o indulto a um único parlamentar condenado a quase 9 anos de prisão por verborragia contrária à democracia (cujo mérito esse texto não discutirá, uma vez que o intérprete do marisco já sedimentou o entendimento de que o indulto é ato discricionário do Presidente da República).
Nesse passo, espera-se que o STF surfe bem as ondas do agressivo e bravio mar que ataca o rochedo, sem descurarmos que a história política recente deste e de vários países registra a concessão de outras graças ou indultos, acolhida a discricionariedade que os caracteriza.
De todo modo, que não se pode ignorar, na falta de outra expressão mais serena, que a “espetacularização” da discussão de temas caros à sociedade reflete a grave falta de outros atrativos socioculturais.
Retomando a mensagem inicialmente mencionada, não há dúvida de que a expressão de quase lamúria presente nela ultrapassa a mera insatisfação com o Direito, alcançando, na verdade, a falta de coerência da pedra ou do mar.
Insistimos, como o assunto do momento não é mais a covid-19, a guerra da Ucrânia (que, aliás, continua matando muitas crianças e inocentes) ou, vá lá, o último vencedor do Big Brother Brasil, a pauta do dia passa a ser o indulto.
Introjetado nas entranhas do marisco, com seus rigores e primados técnicos, mas que passa a ser tratado com fugacidade e paixões dignas de arquibancada, em debates em que não importa a discussão dos institutos, suas respectivas naturezas, origens e aplicações práticas, mas a simples afirmação de (meias?) verdades absolutas.
O que fizeram com a ciência jurídica, essa milenar Cátedra Universitária! Nascida para prevenir conflitos, tornou-se a maior causadora deles.
O marisco está inseguro, não tem estabilidade, cambaleante, sendo crucial que se lhe empreste os dois elementos em distensão, a segurança jurídica e a ausência de ativismo. Quanto à mensagem que inspirou esse artigo, respondo que a escolha pelo Direito ainda é o melhor caminho. Que ele vença com desassombro o mar revolto, tal como Davi ao enfrentar Golias.