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Imunidade dos templos de qualquer culto e a EC 116/22

A imunidade tributária com relação ao IPTU também passa a ser aplicada aos imóveis urbanos de propriedade de terceiros alugados pelas instituições religiosas.

18/4/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

O art. 150, VI, “b”, da CF/88 estabelece que é vedado instituir impostos sobre templos de qualquer culto. Trata-se de uma imunidade tributária destinada às instituições religiosas e que visa preservar os direitos de liberdade, de crença e de prática religiosas garantidas constitucionalmente no art. 5, VI a VIII.

Referida liberdade religiosa também é protegida pelo Código Civil, que no art. 44, § 1o, assim dispõe: “São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento”.

Apesar de o dispositivo constitucional mencionar templos de qualquer culto, a imunidade visa proteger as instituições religiosas, assim, não é restrita ao patrimônio imobiliário (templo - prédio ou terreno), mas também alcança o patrimônio mobiliário (veículos), às rendas e os serviços desenvolvidos, desde que relacionados com as suas finalidades essenciais (art. 150, § 4o da CF).

 A imunidade visa proteger as instituições religiosas sem qualquer discriminação quanto ao culto, por mais exótico que possa ser, no entanto, necessário se faz o caráter religioso. Neste sentido, o STF rejeitou pedido de imunidade tributária à maçonaria por considera-la uma “ideologia de vida” e não uma religião (RE 562351/RS).

Por força da imunidade constitucional, as instituições religiosas não pagam IPTU e IPTR dos seus bens imóveis, IPVA dos seus veículos, IR sobre as suas rendas, ICMS sobre os bens comercializados, ISSQN sobre seus serviços e os demais impostos quando figuram na relação jurídica tributária como contribuinte de direito.

Quanto aos bens imóveis, a imunidade se aplica a todos de sua propriedade, utilizados diretamente (locais de realização dos cultos) ou indiretamente (estacionamento, residência paroquial ou do pastor, sala de eventos, depósitos, etc.) em suas finalidades essenciais e, ainda, aos alugados à terceiros e desde que o valor dos aluguéis seja aplicado em suas atividades essenciais (súmula vinculante 52 do STF).

Até a publicação da emenda constitucional 116/22, de 17/2/22, a imunidade do IPTU era restrita aos imóveis urbanos de propriedade da instituição religiosa. Não se aplicava aos imóveis locados (alugados) de propriedade de terceiros, visto que o contribuinte de direito da relação jurídica tributária é o terceiro (locador/proprietário) e a instituição religiosa (locatária) é mera contribuinte de fato. Em decorrência dessa situação e por força de disposição contratual locatícia era obrigada a pagar o IPTU do imóvel locado (art. 22, VIII, da lei 8.245/91).          

Com a edição da EC n. 116/22, de 17/2/22, que acrescentou o § 1º-A ao art. 156, da CF/88, a imunidade tributária com relação ao IPTU também passa a ser aplicada aos imóveis urbanos de propriedade de terceiros alugados pelas instituições religiosas.

Referido parágrafo acrescentado ao art. 156, da CF/88 possui a seguinte redação: “O imposto previsto no inciso I do caput deste artigo não incide sobre templos de qualquer culto, ainda que as entidades abrangidas pela imunidade de que trata a alínea "b" do inciso VI do caput do art. 150 desta Constituição sejam apenas locatárias do bem imóvel”.

Como o parágrafo foi acrescentado ao art. 156 e cita expressamente o seu inciso I, essa ampliação da imunidade é restrita ao IPTU e não abrange o IPTR incidente sobre os bens imóveis rurais.

Em função da ampliação dos efeitos da norma imunizante, o enunciado da súmula 614 do STJ, que estabelece que “o locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado nem para repetir indébito desses tributos”, não se aplica a presente situação, uma vez que as instituições religiosas passam a ter interesse jurídico para pleitearem a aplicação da norma constitucional de imunidade.

Como a emenda constitucional foi publicada em 17/2/22, somente deverá ser aplicada a partir do exercício de 2023, em decorrência dos princípios da irretroatividade e da anterioridade, uma vez que o fato gerador do IPTU de 2022 ocorreu no dia 1/1/2022, data anterior a edição da EC 116/22 em 17/2/22. Apesar de a emenda dispor que entra em vigor na data da sua publicação, não pode ser aplicada no mesmo exercício financeiro em que foi publicada.

Ressalta-se que não se deve confundir a data da ocorrência do fato gerador, que define o momento do nascimento da obrigação tributária, com as datas do lançamento e do vencimento do tributo. No caso do IPTU, a obrigação tributária nasce no dia 1/1 de cada ano, no entanto, o lançamento, que é um ato administrativo, é efetuado em data posterior, observando a lei vigente na data da ocorrência do fato gerador (art. 144 do CTN). Somente depois de efetuado o lançamento é que o contribuinte é notificado (carnê) para o pagamento no prazo estabelecido (vencimento), seja à vista ou parcelado.

Em conclusão, a partir do exercício de 2023 os imóveis urbanos de propriedade de terceiros e alugados pelas instituições religiosas deixam de ser tributados pelo IPTU.

Arlindo Felipe da Cunha
Mestre e Doutor pela PUC/SP; Professor de Direito Tributário da USCS; Procurador do Município de Santo André; Advogado

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