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Cirurgia: quem determina os materiais a serem usados, o médico ou o plano de saúde?

Verifica-se que a solução do problema não encontra-se apenas na regulamentação jurídica, via contrato, da relação firmada entre as partes, mas nessa em conjunto com critérios equânimes observando-se requisitos médicos e jurídicos.

19/4/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

Uma das grandes preocupações do consumidor acerca da cobertura dos planos de saúde diz respeito a qualidade dos materiais, equipamentos, instrumentos, próteses, medicamentos e outros utilizados na realização do procedimento cirúrgico. Quem deve decidir sobre isso, o médico ou o plano de saúde?

Geralmente quem paga opta pelo critério econômico, contudo o profissional de saúde que acompanha o submetido a um procedimento cirúrgico escolhe o que é mais adequado levando-se em consideração a qualidade dos insumos, as características clínicas do paciente, entre outros aspectos.

Nesse panorama, em regra, verificamos o estabelecimento de uma lide, visto que o médico prescreve ao paciente um determinado procedimento cirúrgico utilizando insumos específicos, entretanto, na grande maioria das vezes, o pedido do consumidor não é atendido pelo plano de saúde, que sempre opta pelo que é economicamente mais satisfatório para ele, ou seja, o que é mais barato em detrimento do que é melhor, clinicamente, para quem se submeterá a uma cirurgia.

Em linhas gerais tal questão seria facilmente resolvida em âmbito contratual, analisando-se as cláusulas do acordo de vontades firmado entre o consumidor e o plano de saúde, contudo os contratos de adesão, como regra, não preveem critérios para determinar quais insumos serão utilizados nos procedimentos cirúrgicos.

Vale destacar que, mesmo existindo na avença firmada entre as partes uma disposição com esse conteúdo, que leva em conta apenas o critério econômico determinando que sempre serão utilizados insumos de menor preço, a mesma será nula de pleno direito, nos termos do que dispõe o CDC (lei 8.078/90 – art 51).

Desse modo, verifica-se que a solução do problema não encontra-se apenas na regulamentação jurídica, via contrato, da relação firmada entre as partes, mas nessa em conjunto com critérios equânimes observando-se requisitos médicos e jurídicos.

Enquanto a resolução desse ponto controvertido não encontra solução no contrato, os consumidores, dia-a-dia, batem à porta do Poder Judiciário para exercer o direito a realização de uma cirurgia com insumos que atendam a complexidade clínica do quadro apresentado, em conformidade com o que determinou o profissional de saúde, e não apenas levando-se em consideração o valor dos mesmos, como geralmente faz o plano de saúde.

O judiciário, como não poderia deixar de ser, tem dado respaldo ao que é mais satisfatório ao consumidor, ou seja, a preservação de sua saúde, atendendo o que determina o médico, independentemente do valor dos materiais (medicamentos, equipamentos, prósteses...) utilizados na interversão cirúrgica.

Existem vários casos no poder judiciário brasileiro, podemos citar um caso de uma pessoa que era acometido de catarata advinda da idade (catara senil), sendo essa o procedimento natural de opacificação do cristalino, a lente mais externa do olho. Desse modo, ao se tornar opaca, ela impede o funcionamento normal do órgão, podendo levar a cegueira total.

O procedimento cirúrgico, a grosso modo, corresponde a substituição dessa lente natural, que pouco a pouco foi se tornado opaca, por uma artificial, totalmente transparente.

O plano de saúde, assim como o exposto neste texto, optou pela lente mais barata, sendo autorizada a realização da cirurgia com essa, todavia o paciente não aceitou a imposição e recorreu ao judiciário, que em sede de antecipação dos efeitos da tutela, concedida em agravo de instrumento assim se pronunciou (protocolo 349628-05.2013.809.0000 – 6ª câmara Cível – DJE TJGO nº 1406): “quanto a relevância da fundamentação, entendo, em juízo de cognição sumária, que a empresa, ao não oferecer o material pedido pelo médico sem, contudo, explicar as razões da concessão de uma lente de qualidade inferior, não pode subsistir, mormente quando o plano agravante abrange o procedimento pleiteado. Diante do exposto, defiro a pretensão liminar, para determinar que a agravada, forneça ao agravante a lente lio tecnis multifocal, necessária para a realização do ato cirúrgico”.

O consumidor não se contentou apenas com a realização da operação, o que é justo, quis mais do que apenas a solução do seu problema e foi atendido. Teve a concessão de lentes de melhor qualidade que lhe proporcionou excelente qualidade de visão e um pós-operatório mais satisfatório, assim como uma cirurgia mais segura, pois utilizou-se materiais de qualidade extrema, em conformidade com as necessidades apontadas pelo cirurgião.

Diante dessa triste realidade protagonizada por alguns planos de saúde, que se valem de critérios econômicos em detrimento da saúde e da qualidade de vida dos consumidores que são submetidos a qualquer procedimento cirúrgico, faz-se necessário recorrer ao Poder Judiciário para que tais empresas valorizem e preservem o que realmente é importante, a vida humana em sua plenitude. Não basta somente um paliativo, é necessário que, depois do ato cirúrgico, o paciente fique saudável e em condições de viver com qualidade.

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior
Advogado, pós-doutor em Direito Constitucional na Itália. Professor universitário. Sócio fundador escritório SME Advocacia. Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO. Membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB Nacional e árbitro da CAMES.

Tiago Magalhães Costa
Advogado especialista em Direito Civil e Processual Civil. Professor universitário. Sócio fundador do escritório SME Advocacia. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO e vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/GO.

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