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Lollapalooza: a responsabilidade civil do festival diante do cancelamento do show do Foo Fighters

É possível afirmar que aqueles que se recusaram ir ao festival no último dia por causa do cancelamento da banda principal, poderão pedir a devolução do valor pago pelo o ingresso daquele dia, corrigido monetariamente.

12/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Nos dias 25, 26 e 27 de março de 2022, ocorreu o festival Lollapalooza, em São Paulo. O Lolla, como é apelidado, é um festival de música alternativa que acontece anualmente. A edição recém ocorrida, antes de finalmente acontecer, foi remarcada por três vezes. Inicialmente, estava agendada para acontecer nos dias 3, 4 e 5 de abril de 2020. Diante da pandemia desencadeada pelo covid-19, o evento foi transferido para os dias 4, 5 e 6 de dezembro de 2020. Posteriormente, foi reagendado para os dias 10, 11 e 12 de setembro de 2021. Finalmente, aconteceu agora no final de março do ano corrente.

Desde as primeiras remarcações por causa da pandemia, o evento se viu envolvido em diversas discussões acerca de sua responsabilidade de viabilizar aos consumidores que haviam adquirido os ingressos o reembolso do valor pago pelo bilhete. O festival se esquivou da devolução dos valores pagos amparado na medida provisória 948/2020, que dispensou as empresas de turismo, cultura e estabelecimentos comerciais de fazerem o reembolso imediato de serviços cancelados em decorrência da pandemia.

Mais tarde, a medida provisória foi sancionada pelo presidente da República, tornando-se a lei 14.046/20, assegurando às empresas a possibilidade de oferecer remarcação do evento ou dar crédito para os consumidores, que deveriam usar o serviço até um ano após o fim do decreto da situação de calamidade pública, que terminou em 31 de dezembro de 2020.

Já em março de 2021, a MP 1.036/21 postergou o prazo de remarcação de eventos e do uso de crédito pelos clientes até dezembro de 2022. Não bastasse, na sequência, em fevereiro de 2022, a medida provisória 1.101/2022, prorrogou o prazo até dezembro de 2023. A conclusão é que, ressalvados os casos isolados de decisões judiciais obrigando o festival a realizar a devolução do valor pago, é possível afirmar que o Lollapalooza escapou de, diante das remarcações, viabilizar a devolução dos valores pagos pelos ingressos.

Com o avanço da vacinação e a mudança no cenário pandêmico, o festival, finalmente, foi marcado para acontecer em março de 2022, anunciando em seu lineup diversas bandas nacionais e internacionais. Aqui, destacando o anúncio da banda americana Foo Fighters.

Para compreender os aspectos acerca da responsabilidade civil do Lollapalooza, é importante entender, primeiro, quem são os Foo Fighters. Trata-se de uma banda de rock internacionalmente conhecida e tida como uma das maiores bandas do gênero em atividade. O grupo, comumente lota estádios e ocupa o status de headline (principal artista) de grandes festivais de músicas espalhados ao redor do mundo. Aqui no Brasil, tocou em 2001, 2012, 2015, 2018, 2019 e faria seu próximo show no país, justamente, no Lollapalooza. Em todas as passagens por nossa terra a banda fez apresentações para grandes públicos, o que demonstra o apreço dos brasileiros pelo grupo.

Em se falando do Lollapalooza 2022, a previsão para a apresentação correspondia a um show de duas horas, no principal palco do festival, no domingo, último dia do evento. Depois de tantas remarcações, o festival queria entregar um evento que se encerraria com uma verdadeira com chave de ouro! A expectativa para a apresentação era a melhor possível.

O festival começou acontecer e tudo parecia ocorrer bem, até que o imprevisível aconteceu: Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters, faleceu na noite do dia 25/03/22, no quarto de um hotel, em Bogotá, na Colômbia.

Hawkins, foi o baterista da banda por mais de duas décadas. Naturalmente, diante da morte precoce e inesperada do membro do grupo, o Foo Fighters anunciou o cancelamento do show no Lollapalooza. Mais uma vez, o festival se via dentro de um problema.

Com o cancelamento anunciado as vésperas do show, a organização do evento se viu impossibilitada de escalar qualquer outro grupo capaz de, minimamente, substituir com dignidade o enérgico grupo de rock enlutado. A organização, então, apresentou ao público uma alternativa deveras exótica, entregou uma espécie de tributo ao Taylor Hawkins e ao Foo Fighters. O tributo foi capitaneado pelo rapper brasileiro Emicida e contou com cantores de rap, hip-hop, hardcore e rock nacional. O público, que esperava assistir uma explosiva apresentação de rock orquestrada pelo Foo Fighters, assistiu, na verdade, shows de Drik Barbosa, Bivolt, KL Jay, Ice Blue, DJ Nyack, Criolo, Mano Brown e Ice Blue, do Racionais MC’s, Djonga, Rael, Planet Hemp e Ego Kill Talent. Não menosprezando os artistas que se apresentaram, mas a substituição foi pífia.

Previsivelmente, o tal tributo não agradou a todos e, dentre outras dúvidas, ecoou: diante do ocorrido, é possível buscar a devolução do valor pago nos ingressos?

Em pesquisa rápida no Reclame Aqui, conhecido portal de denúncias e diálogos entre consumidores e os fornecedores, observamos relatos dos insatisfeitos que buscam um diálogo com a organização do festival visando o reembolso do valor pago pelo ticket.

De antemão, é fácil afirmar que o festival responde pela falha na prestação do serviço. Entretanto, definir como será essa responsabilidade não é um tanto quanto simples e proporciona uma boa reflexão sobre a responsabilidade civil do fornecedor do serviço à luz do Código de Defesa do Consumidor.

É fato que a relação entre o Lollapalooza e aquele que adquiriu o ingresso para o festival se apresenta como relação de consumo. De um lado, o festival, prestando um serviço de entretenimento; do outro, o consumidor do serviço de entretenimento. Nesse contexto, à luz do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, temos a responsabilidade objetiva do festival em responder pela falha na prestação do serviço, qual seja, o cancelamento do show, destacando a letra da Lei:

Código de Defesa do Consumidor - art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.             
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:           
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

De certo, o parágrafo 3º do supracitado artigo isenta, em tese, o fornecedor do serviço da responsabilidade, caso ele comprove que a falha na prestação por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Entretanto, quando se observa a teoria do risco, todo aquele que fornece um serviço sempre responderá por eventuais danos, independentemente da comprovação de dolo ou culpa, pois a prestação do serviço é, naturalmente, ligada ao próprio risco da atividade. Em se falando de um festival de música, o cancelamento de um show é um risco inerente ao próprio serviço em si.  

Diante do lançado, é possível afirmar que, independente dos motivos que levaram ao cancelamento do show, o festival responde pelos danos ocorridos. Seguramente é possível afirmar que independente de ter sido a morte do Taylor o vetor para o cancelamento do show, o Lollapalooza responde pela falha na prestação do serviço.

Então, um imbróglio nasce quando pensamos acerca da devolução do valor ingresso em decorrência na falha na prestação do serviço, pois o artigo 20 da legislação consumerista faculta ao consumidor a restituição da quantia paga, corrigida monetariamente ou o abatimento proporcional do preço pago no serviço, vejamos:

Código de Defesa do Consumidor - art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

Ocorre que, quando do anúncio do cancelamento do show, em momento algum o festival facultou aos consumidores a devolução do valor pago pelo ingresso. Por si só, a postura adotada pelo festival viola a normativa consumerista, pois caberia aos organizadores viabilizar ao público, de imediato, a possibilidade de restituição do valor pago diante do cancelamento. Em matemática simples, o ideal seria viabilizar àqueles que não queriam ir ao último dia de evento a devolução do valor pago no ingresso.

Não bastasse, é interessante analisar a situação sob outra ótica: se tratava de um grande festival, com uma gama extensa de artistas escalados no lineup, embora tenha ocorrido uma falha na prestação do serviço (a não apresentação da banda principal), os demais shows escalados para o dia aconteceram. Aquele que comprou o ingresso para o último dia, embora a expectativa de assistir a banda principal, ainda pôde usufruir das outras apresentações. Então, é sensato se falar no abatimento proporcional do preço pago no ingresso. Porém, nasce um outro problema: como se alcançar um critério para calcular o custo, proporcionalmente falando, do cancelamento do show do Foo Fighters diante do preço total do ingresso?

Como citado alhures, Foo Fighters é uma banda americana internacionalmente conhecida. Ela não se apresentou e, para ‘substituí-la’ foi escalado um tributo composto por artistas locais que, com respeito aos artistas, não chegam perto da banda de rock anunciada. É fato que a substituição não foi proporcional. Então, como calcular o custo do cancelamento do show dentro do valor global do ingresso? Não é, nem será tarefa fácil.

A título de conclusão, é possível afirmar que aqueles que se recusaram ir ao festival no último dia por causa do cancelamento da banda principal, poderão pedir a devolução do valor pago pelo o ingresso daquele dia, corrigido monetariamente, além de buscar ainda indenização por dano moral diante do ocorrido e da inércia dos organizadores em resolverem administrativamente o problema.

Sob a perspectiva dos que foram ao festival, mesmo assistindo aos demais shows que ocorreram, há a possibilidade, também, de buscarem a restituição proporcional do valor do ingresso. Acontece que em cada caso concreto, observada às expectativas pessoais de cada um acerca do show principal, é que deverá ser mensurado quanto o cancelamento da apresentação do Foo Fighters afetará no valor global do ingresso. Sendo possível, também, pleitear um dano moral diante da frustração.

É previsível, pois, que a matéria irá provocar o judiciário. Este, por sua vez, terá a difícil missão de julgar a necessidade de reembolso total do valor do ingresso ou, o que parece mais difícil ainda, abater, proporcionalmente falando, o custo do cancelamento do show da banda principal em cada caso concreto. É certo que sob as duas óticas, sem dúvidas, há a responsabilidade por parte do festival.

Leonardo Sampaio
Advogado, sócio fundador do escritório Sampaio Advocacia, bacharel em Direito pela Unesulbahia - Faculdades Integradas do Extremo Sul da Bahia, pós-graduado em Direito Administrativo e Constitucional pela EPD - Escola Paulista de Direito, professor universitário da UniFTC - UnesulbaBahia, presidente da Comissão de Atuação no Âmbito da Justiça Comum da OAB/Eunápolis,

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