1.Conceito e princípios
A governança corporativa surgiu com intuito de superar o chamado “conflito de agência”, que consiste no conflito de interesse do gestor/executivo com o proprietário da empresa, já que estes interesses nem sempre estão alinhados. Assim, buscou-se criar mecanismos de controle e fomento para garantir o alinhamento do comportamento dos executivos aos interesses dos acionistas (SILVA, 2005).
O relacionamento de agência é tido como um contrato, pela qual um ou mais indivíduos, incentivam outra pessoa, o agente, para desempenhar uma atividade em seu benefício. Quando as partes desse relacionamento buscam maximizar os próprios interesses, pode ocorrer um desalinhamento entre os objetivos (Jensen, Meckling 1976, p. 308, apud Silveira, 2002, p. 31). Assim, essas divergências podem ser dirimidas através dos custos de agência, o gasto dos acionistas de uma determinada empresa para alinhar os interesses com os gestores (JENSEN, MECKLING 1976, p. 308, apud SILVEIRA, 2002, p. 31).
Desta forma, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, 2015, p. 20, estabelece que a governança corporativa seria o sistema pela qual instituições são direcionadas, monitoradas e estimuladas, em todas as relações que envolvem a organização, sejam com sócios, diretoria, órgãos de fiscalização e controle, bem como todos os demais interessados.
Assi, 2017, entende que a governança corporativa consiste num conjunto de práticas que almejam uma otimização dos resultados corporativos, concatenando resultados de investimentos com boa gestão, facilitando a acessibilidade ao capital para empreendedores e investidores.
Já Witherell,1999, define a governança corporativa como um pré-requisito que garante a integridade e confiabilidade das instituições perante o mercado. Consiste em regras e práticas que delimitam o relacionamento entre gestores e todos os agentes interessados, stakeholders, garantindo a prestação de contas, justiça e transparência.
A governança corporativa pode ser compreendida também como conjunto de práticas com objetivo de otimizar o desempenho de uma companhia com intuito de proteger todas as partes envolvidas, como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital (CVM, 2002, p.1)
Andrade (2005 apud Santos, 2011, p. 27) observou os seguintes custos de agência para alinhas os interesses entre gestores e acionistas como:
- O custo para estruturação e criação de contratos entre acionistas e gestores;
- Custo de monitoramento das atividades dos gestores;
- Gastos promovidos pelo gestor para comprovar que seus atos não serão prejudiciais aos acionistas;
- Custos de premiações e incentivos;
- Por fim, perdas residuais, que decorrem da diminuição da riqueza do acionista principal em eventuais divergências entre decisões dos gestores e as decisões que poderiam maximizar as riquezas do acionista.
Neste sentido, a aplicação de uma política de governança corporativa adequada, cria um âmbito de confiabilidade que possibilita a captação de recursos externos, bem como confiança no cumprimento de compromissos com fornecedores, credores e funcionários. Consiste em pilar preponderante para o crescimento sustentável da empresa (WITHERELL, 1999, p. 8).
Essa governança corporativa é regida por alguns princípios, que devem orientar a conduta dos gestores:
- Transparência;
- Equidade;
- Prestação de contas (accountability);
- Responsabilidade corporativa.
A Transparência se refere a disponibilização de informações relevantes as partes interessadas, não se restringindo aquelas atinentes a fatores econômico-financeiros, contemplando todos os fatores que influenciam na gestão, eficiência e valor organizacional (IBGC, 2015, p. 20).
A Equidade consiste no tratamento isonômico entre sócios e demais partes interessadas, levando em conta suas particularidades. (IBGC, 2015, p. 20).
Já a Prestação de Contas, accountability, estabelece o dever de prestar contas de modo responsável, claro, tempestivo, conciso, atuando com diligência e assumindo as responsabilidades por eventuais problemas (IBGC, 2015, p. 20).
Por fim, o princípio da responsabilidade corporativa constitui o dever dos agentes de governança de atuar em prol da viabilidade econômico-financeira da instituição, levando em consideração o modelo de negócio, melhorando a eficiência e diminuindo os riscos aos negócios (IBGC, 2015, p. 20).
2. Histórico
A importância da governança corporativa transcende a boa relação da instituição com todos os acionistas, shareholders, já que uma aplicação ampla dos princípios da transparência e da prestação de contas são cruciais para integridade do sistema financeiro (WITHERELL, 1999, p. 8). Através de empresas confiáveis e bem geridas, temos a criação de empregos, geração de impostos, bem como fornecimento de bens e serviços ao mercado (WITHERELL, 1999, p. 8).
O termo governança corporativo foi cunhado em 1991, usado pela primeira vez como título de um livro lançado nos Estados Unidos pelo ativista Robert A. G. Monks, trazendo sugestões de boas práticas corporativas, tornando-se um divisor de águas (IBGC, 2006, p. 33).
Em seu livro, Monks afirma que empresas com cultura corporativa democrática poderiam viver muito tempo e se tornariam mais resistentes aos impactos das crises e recessões da economia, já que estão mais próximas do investidor (IBGC, 2006, p. 33).
Silveira, 2002, ensina que os debates acerca do tema cresceram depois de problemas relacionados a governança corporativa no mercado de capitais norte americano, um dos mais sofisticados do mundo e modelo para países como Brasil. Grandes empresas como Enron, Worldcom e Xerox foram acusadas de fraudes contábeis, relacionados a evasão fiscal, adulteração de balanço, e transações com base em informações privilegiadas (SILVEIRA, 2002, p. 47).
O escândalo da Enron resultou na falência da Arthur Andersen, uma das cinco maiores empresas de auditoria do mundo (SILVEIRA, 2002, p. 47). As fraudes também resultaram na falência da própria Enron, provocando forte comoção nacional, já que se tratava da sétima maior companhia dos Estados Unidos e uma das mais admiradas. Os funcionários da Enron também saíram muito prejudicados, pois grande parte dos fundos de pensão estavam alocados em ações da companhia (SILVEIRA, 2002, p. 47).
Em 1984, depois dos executivos da Texaco terem rejeitado uma oferta de compra para protegerem os próprios empregos, acarretando grande prejuízo aos acionistas, o CalPERS – California Public Employees Retirement System – fundo de pensão de funcionários públicos, iniciou um movimento pioneiro pela governança corporativa nos Estados Unidos (SILVA, 2014, p.).
O CalPERS enviou uma carta ao órgão regulador do mercado de capitais americanos, contendo recomendações para aprimorar o relacionamento das empresas com o mercado implementando medidas de transparência, fiscalização e comunicação. O fundo passou também a emitir a lista de companhias que havia deixado de investir e os motivos. A partir disso, a associação de conselheiros de administração dos Estados Unidos desenvolveu um código de boas práticas para investidores, incentivando a adoção de tais práticas por companhias americanas (SILVA, 2014, p. 15).
Entre as empresas que adotaram o código e um maior controle da atividade de executivos, temos a Time Warner, General Motors, American Express, IBM, Kodak, Sears, Compaq, dentre outras (SILVA, 2014, p. 16).
Como reflexo do movimento de conselheiros e acionistas para retirar o executivo principal da empresa e o presidente do conselho, a General Motors, em 1993, publicou seu código de governança corporativa, sendo um marco da história, de tal forma que costuma-se dividir a história dos conselhos em duas eras: pré-General Motors e pós-General Motors (IBGC, 2006, p. 75).
Em 2002 é aprovada a SOX – Lei Sarbanes-Oxley – pelo congresso americano, como resposta a uma série de escândalos corporativos envolvendo grandes empresas do país. Ela implantou uma série de regras acerca de governança corporativa, impondo práticas de prestação responsável de contas, conformidade legal, compliance, transparência e senso de justiça (IBGC, 2006, p.75)
Acerca da história da governança corporativa no Brasil, Castro, 2009, afirma que com a abertura internacional do mercado brasileiro, na década de 1990, foi trazida ao país a discussão acerca da governança corporativa, já que houve uma restruturação do panorama geral societário provocado pelas intensas privatizações e entrada de novos sócios nas empresas, principalmente estrangeiros, causando uma mudança drástica nas relações entre acionistas e gestores.
No Brasil, os progressos ao longo do tempo foram diversos, sendo essencial destacar que não vieram apenas por via de obrigações legais, mas das vantagens que tais práticas podem trazer, bem como a atratividade aos investidores (IBGC, 2006).
Dentro deste movimento mundial pelas boas práticas de gestão, houve uma reforma da lei 6.404/76, Lei das Sociedade Anônimas, através da lei 10.303/01, conhecida como Nova Lei das Sociedades Anônimas, trazendo atributos essenciais ao mercado acionário brasileiro como a equidade e transparência (IBGC, 2006, p. 83).
Arruda, Madruga e Junior (2008, p. 76) destacam que entre as reformas feitas no Brasil destacam-se a reformulação da Lei das Sociedades Anônimas, que embora com uma série de qualidades, acabou fracassando em razão das inúmeras emendas posteriores diminuindo os direitos dos acionistas minoritários, e a criação do segmento do novo mercado na bolsa de valores de São Paulo.
Apesar disso, José Paschoal Rossetti e Adriana Andrade (2011, p. 431) afirmam que a Lei de Sociedade Anônimas, lei 6.404/76, estabeleceu as bases para os processos de governança corporativa no país, bem como edificou os alicerces das sociedades por ações e consequentemente do mercado de ações.
Em 1995 é criado o IBCA – Instituto brasileiro de Conselheiros de Administração, mais tarde rebatizado de IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – com objetivo de ampliar as possibilidades de que o sistema de governança opere criando valor para as empresas. (IBGC, 2006, p. 19)
Em 1999, o IBGC lança o Código de Boas Práticas de Governança, aderindo e assimilando diversos movimentos similares no resto do mundo, principalmente nos Estados Unidos e na Europa (IBGC, 2006, p. 61).
A CVM – Comissão de Valores Mobiliários, em junho de 2002, lança ao mercado as recomendações da CVM sobre governança corporativa, voltado para companhias abertas, fiscalizadas pelo órgão. Na época surgiu o questionamento se seria legal a CVM recomendar práticas sem competência legal para exigir seu cumprimento, prevalecendo o entendimento de que era apenas a visão do órgão acerca da governança corporativa, podendo orientar e influenciar a relação entre conselheiros, auditores, acionistas de forma geral e administradores (IBGC, 2006, p. 63).
Cabe ressaltar que em dezembro de 2000 foi implantado um novo segmento da bolsa de valores de São Paulo, atual B3, o chamado Novo Mercado, comprometido a negociar ações de empresas que adotam voluntariamente boas práticas de governança corporativa (SILVA, 2014, p. 804).
Contudo, a premissa básica a uni-los é que as boas práticas de governança corporativa têm valor para os investidores (IBGC, 2006, p. 65). Os direitos assegurados aos acionistas e a qualidade das informações prestadas pelas companhias reduzem as incertezas no processo de avaliação e, como desdobramento, os riscos, além de fortalecer o conjunto do mercado de capitais (IBGC, 2006, p. 65). A partir de tais evidências, a Bovespa vem trabalhando no sentido de promover a migração de companhias já listadas no seu mercado tradicional para os níveis um e dois de governança ou o novo mercado (IBGC, 2006, p. 65).
Os padrões e regramentos do novo mercado e os níveis diferenciados de governança corporativa proporcionam um melhor reconhecimento por parte do investidor da qualidade de governança das companhias, incentivando também a listagem de novas companhias, e aprimorando a transparência entre as companhias e expandindo o direito dos acionistas (IBGC, 2006, p. 65; SILVA, 2014, p. 804). As empresas passarão por uma gradação de exigências em relação a governança corporativa, iniciando no nível um, passando pelo nível dois, e terminando no novo mercado.
Nesta senda, Rossetti e Andrade (2011, p. 441) ensinam que esses níveis diferenciados foram criados com o objetivo de proporcionar um ambiente de negociação que estimule, ao mesmo tempo, o interesse dos investidores e a valorização das empresas. O ponto-chave exigido para listagem das empresas nesse segmento diferenciado de mercado é a maior proteção e, como consequência, a maior presença do sócio minoritário no mercado (ROSSETTI, ANDRADE, 2011, p. 444-445).
3. Considerações finais
A governança corporativa é um tema fascinante, que não se esgota nos fundamentos trazidos aqui. A intenção é fazer um apanhado geral sobre o tema e motivar vocês a lerem mais sobre o tema.
Assim, conforme abordado anteriormente, ao longo da história temos inúmeros exemplos dos efeitos catastróficos que podem ocorrer quando temos gestões que vão de encontro as boas práticas de governança, principalmente quando os interesses dos gestores vão de encontro ao dos proprietários.
A governança corporativa busca alinhar uma cultura de geração de resultados e de valor, atrelados em princípios éticos como o da equidade e transparência. Esta cultura facilita também a tomada de decisão do investidor, que de posse de informações da empresa pode ter melhores julgamentos.
Dentro do âmbito de um panorama empresarial brasileiro de transição, a adoção e implementação de boas práticas de governança, bem como alterações legislativas, podem catalisar mudanças, fomentando novos investidores e os concedendo uma maior proteção, principalmente aos acionistas minoritários.
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ASSI, Marcos. Governança, riscos e Compliance. São Paulo: Saint Paul Editora, 2017. 168 p. ISBN 978-8580041279.
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ROSSETTI, José Paschoal; ANDRADE, Adriana. Governança Corporativa: Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências. 5. ed. atual. e aum. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2011. ISBN 978-85-224-6271-1.
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