Migalhas de Peso

A vez do biogás e do biometano

Pacote de medidas governamentais impulsiona matriz energética sustentável em busca das metas do compromisso global de metano da COP-26.

11/4/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

As recentes medidas governamentais anunciadas para impulsionar o aproveitamento e uso do biogás e do biometano mesclam demandas antigas do segmento, como a adesão ao REIDI1 - Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infra-Estrutura, com inovações como a proposta de um crédito de metano, além de benefícios fiscais e linhas de crédito e financiamento.

Os investidores e empreendedores aguardavam por um direcionamento governamental para incrementar o aproveitamento econômico do potencial energético do biogás e do biometano, ainda que já existissem investimentos, muitas vezes upsides de outras atividades, como no caso do aproveitamento de biometano de aterros sanitários de resíduos domésticos para geração de energia elétrica.

A iniciativa governamental se dá no contexto do Marco Regulatório do Gás Natural (lei 14.134, de 8/4/21) e se alinha aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil após a 26ª conferência das partes da convenção-quadro das Nações Unidas sobre mudança do clima, em especial após a aderência ao compromisso global de metano, que estabelece como meta a redução de 30% das emissões de metano até 2030 em relação aos níveis de 2020.

O pacote de medidas se materializou por meio do decreto 11.003, de 21 de março de 20222, que instituiu a estratégia federal de incentivo ao uso sustentável de biogás e biometano, da portaria do ministério do meio ambiente (MMA) nº 71, de 21/3/222, que instituiu o programa nacional de redução de emissões de metano – metano zero e da portaria normativa GM/MME 37, de 20/3/223, que atualizou a portaria normativa 19/MME/214 ao possibilitar a inclusão dos investimentos em biogás e biometano no REIDI.

A estratégia federal de incentivo ao uso sustentável de biogás e biometano traz definições regulatórias importantes e destaca, entre os objetivos, o fomento ao seu uso como fonte de energia e de combustível capaz de reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

As diretrizes para atingir estes objetivos trazem perspectivas inovadoras ao buscar incentivar o mercado de carbono com o uso de créditos de metano, a celebração de acordos setoriais, a implantação de pontos e corredores verdes para veículos movidos por biogás e biometano, além da promoção de desenvolvimento tecnológico por meio de fomento à pesquisa e cooperação nacional e internacional para o financiamento, a capacitação, o desenvolvimento, a transferência e a difusão de tecnologias.

O programa nacional de redução de emissões de metano - metano zero5 surge no escopo dessa estratégia governamental com maior detalhamento sobre as ações de fomento pretendidas, além de se apresentar como oportunidade para a redução de emissões de gases de efeito estufa e de custos de combustível e energia. A intenção é fortalecer o segmento ao possibilitar que produtores rurais e gestores de aterros sanitários possam atuar também como fornecedores de combustível e energias limpas e renováveis, além de subprodutos, como biofertilizantes.

A conexão do programa com o marco legal de resíduos sólidos (decreto 10.936/22), que regulamentou a política nacional de resíduos sólidos (lei 12.305/10), fica clara em razão do foco de atuação no aproveitamento do biometano em aterros de resíduos sólidos urbanos e em unidades agrícolas de  produção de cana-de-açúcar, suinocultura, criação de aves, indústria de laticínios, sem prejuízo de outras fontes e aplicações, desde que atendam aos critérios e procedimentos estabelecidos pelos órgãos competentes.

O programa prevê a implementação de linhas de crédito e financiamento específicas de agentes financeiros públicos e privados para o desenvolvimento de ações e atividades, incluindo, mas não se limitando a:

a) implantação de biodigestores;

b) implantação de sistema de purificação de biogás, produção e compressão de biometano;

c) criação de pontos e corredores verdes para abastecimento de veículos pesados movidos a biometano, tais como ônibus, caminhões e implementos agrícolas, contribuindo para a redução de gases de efeito estufa e para a melhoria da qualidade do ar;

d) implantação de tecnologias que permitam a utilização de combustíveis sustentáveis e de baixa intensidade de emissões de gases de efeito estufa em motores de combustão interna de ciclo Otto ou diesel, atendidas as normas fixadas pelos órgãos competentes;

e) alavancagem da utilização ou desenvolvimento da tecnologia veicular;

f) desoneração tributária para infraestruturas relacionadas com projetos de biogás e biometano.

Outro destaque do programa é a ideia de se estabelecer um crédito de metano - representação de uma tonelada de metano que deixou de ser emitida para a atmosfera. Ainda que não haja um mercado regulado de créditos de carbono no Brasil, já é possível observar benefícios em programas como o renovabio durante a produção de biocombustíveis. Para Gabriel Kropsch, vice-presidente da ABiogás, em entrevista à agência EPBR, “o biometano tem uma característica adicional. Além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa na troca do combustível fóssil por um biocombustível, o aproveitamento desse biometano na produção evita as emissões feitas na decomposição da matéria orgânica”6. Ou seja, o produtor de biocombustível ganha tanto na captura do gás oriundo dos resíduos agroindustriais quanto na produção de combustíveis com a possibilidade de emitir crédito pela emissão evitada.

Dentre as medidas anunciadas, a que possui impacto mais imediato é a possibilidade de que produtores de biometano possam aderir ao REIDI, que garante a suspensão de incidência de contribuição para o PIS/PASEP - Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e de COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social na aquisição de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos, prestação de serviços e materiais de construção para utilização ou incorporação destinadas à produção do biometano.

Já é possível, inclusive, perceber a movimentação de outros atores do poder público, como no caso do estado do Rio de Janeiro com a publicação da lei 9.635, de 6/4/226, que concedeu a redução da base de cálculo do ICMS nas saídas internas de biogás e biometano de tal forma que a carga tributária do imposto resulte na aplicação do percentual de 12% sobre o valor da operação.

O incremento do aproveitamento do biogás e do biometano se apresenta para os setores de energia e de combustíveis como uma alternativa a ser avaliada economicamente, cuja fonte principal de matéria-prima são os resíduos gerados em outras atividades e que representam custo para estas, sem a dependência de comodities associadas à volatilidade do mercado internacional. Dessa forma, o desenvolvimento dessa alternativa pode ser encarado como estratégia de mitigação para diversos fatores como a crise climática, a oferta e variação no preço do combustível e a garantia de acesso à energia elétrica.

____________

 https://epbr.com.br/governo-lanca-credito-de-metano/

2 https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-11.003-de-21-de-marco-de-2022-387357085

3 https://in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mma-n-71-de-21-de-marco-de-2022-387378473

4 https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-627/gm/mme-de-17-de-marco-de-2022-387376098

5 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-normativa-n-19/gm/mme-de-16-de-agosto-de-2021-338993916

6 https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/climaozoniodesertificacao/MinutaProgramaMetanoZero.pdf

7 http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=53&url=L2NvbnRsZWkubnNmL2M4YWEwOTAwMDI1ZmVlZjYwMzI1NjRlYzAwNjBkZmZmLzYxZjFlMmE2NGQ0OTk5OGIwMzI1ODgxYjAwNzY4MTIxP09wZW5Eb2N1bWVudA== 

Yuri Leite Silva Sing Toledo
Advogado da área de Ambiental e Mudanças Climáticas na BMA Advogados.

Márcio Pereira
Sócio da área de Ambiental e Mudanças Climáticas do BMA.

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