Definitivamente não há calmaria nos mares, quando se trata do BR do Mar. Após um tumultuado período de debates protagonizado por importantes representantes do mercado, a Lei que criou o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem - apelidado BR do Mar (lei 14.301/22) -, foi finalmente sancionada no início de janeiro pelo presidente da República, com vetos de temas caros ao setor.
A apreciação dos vetos pelo Congresso, no último dia 17 de março, não logrou reverter por completo a tempestade formada. Dentre os vetos apreciados pelos congressistas, aquele que obrigava as empresas de navegação habilitadas no BR do Mar a contratar determinado número de marítimos brasileiros para suas embarcações afretadas, foi mantido.
Espalhou-se, de imediato, um entendimento que a proteção do emprego do profissional marítimo brasileiro estaria sendo preterida. Para além desta reação, dúvidas estão sendo levantadas quanto às regras que irão vigorar na composição da tripulação brasileira a bordo de embarcações estrangeiras afretadas pelas empresas habilitadas no BR do Mar.
O BR do Mar trouxe, inicialmente, regras específicas a serem observadas pelas empresas de navegação, determinando que fossem brasileiros 2/3 da tripulação das embarcações afretadas, em cada nível técnico do oficialato, incluídos os graduados ou subalternos, e em cada ramo de atividade, incluídos o convés e as máquinas, de caráter contínuo.
Com a manutenção pelo Congresso do veto que afastou o dispositivo legal que obrigava a tripulação das embarcações estrangeiras afretadas na forma da Lei que criou o BR do Mar ser composta majoritariamente por brasileiros, prevalece e deve ser observada a legislação que já se encontrava em vigor anteriormente ao BR do Mar. A Resolução Normativa 06, de 2017 (RN 06), editada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) – impõe que a tripulação das embarcações de bandeira estrangeira empregadas na navegação de cabotagem em operação no Brasil, possuam percentual de marítimos e profissionais brasileiros a bordo, conforme o tempo de permanência da embarcação em operação no país.
Assim, embarcações estrangeiras que operem na navegação de cabotagem em águas brasileiras por prazo superior a noventa dias contínuos, deverão contar com 1/5 de marítimos e profissionais brasileiros a bordo e, a partir de 180 dias de operação no país, com 1/3 de nacionais.
Não existe na RN 06 ou em outro dispositivo legal vigente, contudo, obrigação de serem dadas a brasileiros posições específicas nas embarcações estrangeiras empregadas na navegação de cabotagem em operação no Brasil. Já a Lei que criou o BR do Mar, em seu artigo 9º (inciso III) prevê expressamente que as embarcações estrangeiras afretadas pelas empresas de navegação habilitadas no programa terão, obrigatoriamente, o comandante, mestre de cabotagem, chefe de máquinas e condutor de máquinas brasileiros em sua tripulação.
Ao impor esta obrigação, a Lei garantiu aos oficiais marítimos brasileiros importantes posições a bordo das embarcações estrangeiras afretadas pelas empresas habilitadas no BR do Mar. Todavia, a Lei deixou de observar possível conflito de normas em decorrência de obrigação análoga, usualmente imposta pelas bandeiras dos países dessas embarcações estrangeiras afretadas.
A manutenção do veto presidencial pelo Congresso permitiu que fossem preservadas as regras atuais, aplicáveis à navegação de cabotagem em geral e também às embarcações afretadas na forma da Lei que criou o BR do Mar evitando-se a sobreposição de normas e desobrigando as embarcações afretadas “via BR do Mar” a contratar um número maior de marítimos brasileiros em comparação ao que já é previsto na legislação existente. Fato é que o emprego de marítimos brasileiros continuará sendo obrigatório nas embarcações estrangeiras afretadas “via BR do Mar”, com a vantagem, ainda, da obrigação de pertencerem a brasileiros relevantes posições hierárquicas a bordo.
Ainda em relação ao emprego dos marítimos brasileiros, deve-se saudar as previsões da Lei que criou o BR do Mar, que impôs importante incentivo à formação, capacitação e qualificação de profissionais marítimos brasileiros, obrigando as empresas de navegação à disponibilização de vagas para estágio embarcado, tanto nas embarcações brasileiras como nas estrangeiras afretadas na modalidade a casco nu ou por tempo. Ainda caberá ao governo Federal, todavia, regulamentar os quantitativos mínimos de vagas destinadas a praticantes para cada tipo de embarcação e operação.
Não se espera calmaria quando se fala em BR do Mar, principalmente por parte dos representantes dos profissionais marítimos, insatisfeitos com a manutenção do veto pelo Congresso. Muito há de se navegar até que a regulamentação do BR do Mar possa entrar, de fato, em vigor e alcançar os objetivos esperados por todo o setor e pela sociedade brasileira.