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Encerramento de conta bancária pela instituição financeira: ato abusivo ou direito do banco?

As falhas das instituições financeiras devem ser rechaçadas pela população da forma mais abrangente possível, pois, assim, elas serão compelidas a cometer menos erros.

28/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

População economicamente ativa – PEA – é um conceito advindo da Geografia e descreve um grupo de pessoas inserido no mercado de trabalho ou que está procurando nele adentrar para exercer algum tipo de atividade remunerada. Nesse contexto, ter uma conta bancária em uma instituição sólida, torna-se uma obrigação; um requisito para que o cidadão tenha condições de iniciar e gerir sua vida financeira.

Vale também destacar que, na maioria das vezes, agregada a conta corrente estão vários outros serviços e produtos, como por exemplo, caderneta de poupança, plano de saúde, diversas modalidades de investimentos, seguros (pessoais, residenciais, automotivos...), financiamentos, empréstimos (pessoais, consignados, com débito em conta corrente...), previdência privada entre outros.

Em grande parte das instituições bancárias existem programas de relacionamento que atribuem vantagens econômicas para os clientes fiéis que concentram o maior número de transações, produtos e serviços junto ao banco. Ou seja, há um estimulo à centralização da vida financeira em apenas um banco, o que, de fato, acaba acontecendo.

Essa gama de relações jurídicas são instrumentalizadas via contratos, ou seja, estão previstas em documento escrito no qual consta obrigações e direitos das partes, entre outras disposições de grande importância para o interesse individual e coletivo.

Vale destacar que, nesses acordos de vontades firmado entre o banco e a pessoa física, por força da súmula 297 do STJ, o cidadão é consumidor frente as instituições financeiras, aplicando-se, na integra, o Código de Defesa do Consumidor - CDC (lei 8.078/90), incluindo-se o instituto da inversão do ônus da prova e a responsabilidade objetiva do prestador dos serviços, quando cabíveis.

Frente a esse conjunto protetivo, previsto no CDC, e à manifestação de vontade do correntista, a qualquer momento pode ocorrer o encerramento da conta corrente junto ao banco, desde que atendidas as disposições contratuais e as previstas nas normas que regulamentam o ato. Não pairam dúvidas acerca da existência dessa possibilidade de resilição do contrato que vincula as partes, por motivação do consumidor, de forma unilateral.

Diante da afirmativa surge uma dúvida: por se tratar de contrato bilateral, a instituição financeira tem a mesma prerrogativa que o consumidor? Ou seja, ele também pode resilir o contrato de forma unilateral, independentemente da vontade do correntista. O senso comum de forma uníssona afirma que não, todavia essa assertiva é, em princípio, incorreta.

Desde que atendidas as disposições da resolução 2.025/93 do Banco Central do Brasil, pertinentes ao encerramento de conta, o ato pode ser realizado pela instituição financeira, independentemente de fundamentação e manifestação de vontade do consumidor.

O banco não é obrigado a manter contrato de prestação de serviços com seus correntistas, entretanto o rompimento da relação há de ocorrer sem a imposição de prejuízo a quaisquer dos contratantes, sob pena de gerar um manifesto desequilíbrio na relação jurídica livremente firmada.

A instituição financeira deve notificar seu correntista acerca da decisão de encerramento da conta, para que assim esse adote as medidas necessárias para que o ato ocorra da melhor forma possível, sem causar prejuízo para ambos.

Sob o prisma da norma apresentada, o encerramento da conta pelo banco, de forma unilateral, parece revestida de legalidade e em conformidade com o sistema jurídico, entretanto tal afirmação, levando-se em conta a jurisprudência dominante, não é verdadeira, momento em que o senso comum e o Poder Judiciário caminham lado a lado e vão ao encontro da equidade.

O STJ já decidiu que se a conta corrente é antiga, ativa e tem movimentação financeira razoável, o banco não pode, sem que haja motivo justo, encerrá-la de maneira unilateral, mediante simples notificação. A decisão, unânime, é da terceira turma do STJ (REsp 1277762).

Segundo a corte em destaque o ato de encerramento da conta corrente tratou-se de abuso de direito (art.187 do Código Civil) pois a liberdade contratual deve ser exercida levando em consideração a função social do contrato e deve respeitar as regras éticas e da boa-fé objetiva, ou seja, reconheceu-se que a conta corrente é uma necessidade básica do cidadão frente as necessidades do sistema econômico vigente.

Na decisão em comento a instituição financeira foi condenada ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) pelos constrangimentos causados em virtude do abuso de direito, bem como a manutenção da conta do consumidor que, para a instituição financeira não era interessante, todavia, essencial a gestão financeira da vida de seu titular.

Como as instituições financeiras centralizam uma gama de produtos e serviços indispensáveis à vida econômica do cidadão, bem como desenvolvem atividade essencial a existência digna de qualquer pessoa, sempre que houver violação ao direito do correntista, esse deve ser questionado frente aos órgãos de proteção e defesa do consumidor, junto ao Banco Central do Brasil através do telefone 145 ou no site "www.bcb.gov.br", e levado ao Poder Judiciário, para que assim os danos existentes sejam reparados.

As falhas das instituições financeiras devem ser rechaçadas pela população da forma mais abrangente possível, pois, assim, elas serão compelidas a cometer menos erros. A reprimenda serve de motivação para evolução do sistema financeiro, tornando-o mais adequado as necessidades dos que dele utilizam.

Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior
Advogado, pós-doutor em Direito Constitucional na Itália. Professor universitário. Sócio fundador escritório SME Advocacia. Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO. Membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB Nacional e árbitro da CAMES.

Tiago Magalhães Costa
Advogado especialista em Direito Civil e Processual Civil. Professor universitário. Sócio fundador do escritório SME Advocacia. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO e vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/GO.

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