Migalhas de Peso

A (não) participação de mulheres trans nas competições femininas

O experimento, em nome de uma suposta tolerância, traduz-se, em verdade, na intolerância com as mulheres.

23/3/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

Ultimamente a discussão sobre a presença de atletas transgênero em esportes femininos tem levantado árduos embates entre aqueles que são favoráveis ou contra tal participação.

Referida discussão, infelizmente, se tornou exclusivamente ideológica e categorizadora, onde os que defendem tal participação se consideram “inclusivos”, em detrimento daqueles que, negando-a, são imediatamente taxados de “reacionários” – na exata linha do pensamento de Miglioli, para quem cabe-nos rever uma outra atitude completamente enraizada entre nós, e que evidencia uma verdadeira letargia mental. Trata-se do hábito de raciocinar dentro de esquemas fixos (...) segundo este esquema, tudo o que temos que fazer é classificar as pessoas, os atos e os fatos em 'revolucionários' ou 'reacionários'. Feito isto, estará concluída a 'tarefa'. Como poderemos compreender a realidade, mantendo esta atitude?1

A estigmatização2 das partes debatedoras deste tema acaba por ignorar fatos objetivos que cotidianamente invadem nossa esfera de conhecimento – com atletas trans batendo recordes absolutamente impensáveis para atletas femininas -, desprezando provas e argumentos em prol de um discurso psicológico que molda os sentimentos do público sem ter que prestar qualquer espécie de satisfação ao que denominamos “verdade”.

Os cromossomos do atleta, em nossa opinião presente – que, como toda opinião sincera poderá ser modificada em acordo com fatos futuros, mas não por discursos políticos -, deve ser sim parâmetro para a participação em atividades esportivas. 

Por esse motivo, entendemos que mulheres trans não podem competir nas competições femininas, eis que a forma como tem sido feita a sua inclusão em tais esferas não está baseada na equidade física – preponderante para atividades esportivas - para com as mulheres cisgêneros.

Pedindo licença aos “politicamente corretos” que levantam, indiscriminadamente, a bandeira da tolerância, da inclusão das minorias etc., o debate sobre tais categorias, no esporte deve ser muito mais amplo e factual do que uma simples bandeira discursiva. Devemos observar, acima de tudo, a questão biológica e a ciência humana.

Importante esclarecer, ainda, que não estamos falando de inclusão das transexuais no âmbito social, jurídico e profissional, onde habilidades sócioafetivas e intelectuais não devem gerar preconceitos derivados da opção de gênero, raça, cor e etnia de cada um.

Pelo contrário, ao se falar especificamente do âmbito esportivo, deve-se levar em conta as consequências que o movimento identitário traz para as demais mulheres competidoras que ganham suas vidas baseadas, primordialmente, na sua capacidade física.

Deve-se considerar, ainda, a fundamental distinção entre inclusão social e inclusão esportiva, eis que a primeira se traduz em política que busca reparar grandes erros históricos e a segunda, infelizmente, nada mais é do que uma pseudopolítica de autoestima e de autodefinição cada vez mais estreita e excludente3.

Nos parece inadmissível sustentar a teoria de que os quesitos força, velocidade, resistência, dentre outras características, não são mais vantajosas e benéficas para as pessoas trans no contexto esportivo.

E nem há que se dizer que, “em determinados casos, com hormônios femininos assimilados desde cedo, as atletas trans estarão em pé de igualdade com as cis”, eis que a exceção confirma o aqui sustentado.

Não bastasse, o exemplo acaba por gerar uma contradição em si, pois se apenas nestes casos a equidade estaria satisfeita, obviamente não se poderá, com tais, criar-se uma regra geral que valha para todos – característica necessária à formação de categorias esportivas.

Sintoma evidente de que a bandeira política não se aplica à realidade fática, inclusive, é o apelo enviado por atletas de mais de 30 países ao comitê olímpico internacional no sentido de evitar a “destruição dos esportes femininos” e o que elas chamam de “flagrante discriminação contra as mulheres em razão do sexo biológico”.

É importante frisar novamente que não estamos abordando aqui o contexto social, e sim o contexto esportivo. Todos os integrantes do movimento contra reforçam, em seus artigos e entrevistas, que não se opõem à orientação sexual de ninguém e são solidários com a dor psicológica de pessoas que não se identificam com o sexo de origem, mas afirmam ser injusta e desleal a presença de transexuais no esporte feminino.

Para evitarmos este erro e tantos outros, recorramos a ciência. Simples assim. Não podemos simplesmente ignorar o fato de que em média, os homens produzem de sete a oito vezes mais testosterona do que mulheres.

É preciso ter maturidade para esse debate. Devemos deixar de lado todo o discurso identitário, que sem dúvida merece respeito em razão das inúmeras conquistas já alcançadas, mas que não pode se sobrepor a determinadas questões fisiológicas e naturais. Ora, se permitirmos que os homens, ainda que em nova identidade de gênero, participem de esportes femininos, haverá esportes masculinos, esportes mistos, mas não esportes femininos.

Não estamos falando de excluir as pessoas trans do esporte de alto rendimento, mas, em homenagem ao equilíbrio competitivo nas práticas esportivas, da abertura de novas categorias para tais grupos, sob pena de excluirmos as próprias mulheres deste cenário competitivo.

Por derradeiro, o grande problema do mundo atual é que todo e qualquer debate inclusivo virou discurso de preconceito em relação aos que não o apoiam.

No caso, a impulsividade e o extremo radicalismo nas defesas de direitos estão extinguindo a categoria feminina - por ironia do destino, mais uma vez o “sexo frágil” está em desvantagem. O experimento, em nome de uma suposta tolerância, traduz-se, em verdade, na intolerância com as mulheres. Mas já dizia Clarice Lispector, o óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar.


1 J. Miglioli, “O papel crítico do intelectual marxista”, Novos Rumos, n. 163, 1962.

2 Por todos, Erving Goffman.

3 M. Lila, “O progressista de ontem e o do amanhã”, Companhia das Letras, 2018.

Sofia Coelho
Sócia e coordenadora do Núcleo de Violência de Gênero do escritório Daniel Gerber Advogados, advogada especialista em Direito Público, Penal e Consumidor

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