Indústria das prisões
Luiz Flávio Gomes*
Desde 1980, especialmente nos EUA, o sistema penal vem produzindo o sub-produto da superpovoação dos presídios. Tudo começou como fruto da política econômica neoliberal de Reagan (que contou, nessa iniciativa, com a co-autoria de Tatcher). Cabe considerar que desde essa época, paralelamente, vem se difundindo o fenômeno da privatização dos presídios, que deu origem a uma das mais destacadas facetas da “indústria” das prisões.
Quem constrói ou administra presídios precisa de presos (para assegurar remuneração decorrente dos investimentos feitos). O Direito penal da era da globalização caracteriza-se (sobretudo), desse modo, pela prisionização em massa dos marginalizados.
Os velhos inimigos do sistema penal e do Estado de polícia (os miseráveis, marginalizados, toxicômanos, prostitutas etc.) constituem sempre uma massa de potenciais prisioneiros: são eles que habitam preferencialmente os horrendos cubículos dos presídios mundiais. Mas antes eles nunca haviam cumprido qualquer função econômica relevante (não são consumidores, não são empregadores, não são geradores de impostos). Tudo isso agora está ganhando nova dimensão.
A presença massiva de miseráveis e marginalizados nas cadeias gera a construção de mais presídios privados, mais renda para seus exploradores, movimenta a economia, dá empregos, estabiliza o índice de desempregados etc.
Gustavo Poloni, na Revista EXAME de 2/1/07, sobre o “mercado bilionário que lucra com o sistema prisional”, escreveu: “Uma das maiores forças do capitalismo americano é a capacidade empreendedora dos executivos, que são permanentemente encorajados a investir e a competir nas mais diferentes áreas da economia. A crença irrefreável dos americanos nas virtudes do setor privado faz com que alguns negócios assumam por lá proporções inéditas. Um exemplo é o mundo bilionário que se formou ao redor do sistema penitenciário - um setor delegado, em quase todos os países do mundo, à gestão pública. Os Estados Unidos têm a maior população carcerária do planeta, 2,2 milhões de pessoas. Como a legislação possibilita a ampla participação das empresas privadas, as companhias estão aproveitando a oportunidade para obter bons lucros. Hoje, elas são contratadas pelo governo para projetar e construir presídios, vigiar e reabilitar detentos e prestar serviços gerais, como limpeza das celas e alimentação dos presos. O resultado é um mercado de 37 bilhões de dólares, que deve continuar em expansão, pois o número de presos cresce à taxa de 3,4% ao ano desde 1995. As leis que regulamentam o sistema carcerário variam de um estado para outro. Mas, em linhas gerais, elas dão autonomia para que empresas assumam o controle de uma casa de detenção (no Brasil, elas podem trabalhar em presídios servindo quentinhas e lavando roupas, por exemplo). Uma das gigantes americanas do setor é a Corrections Corporation of America (CCA). Quando foi fundada, em 1983, ganhou do governo do Texas o direito de cuidar de 650 presos. Duas décadas depois, a CCA faz negócios com 65 presídios americanos em 19 estados e vigia 72 500 condenados. Pelo serviço, recebe 1,2 bilhão de dólares por ano”.
Mas a “indústria” das prisões não anda gerando riquezas só para os presídios privados. Na mesma matéria da Revista EXAME se lê: “As cifras impressionam mesmo quando alguns filões do mercado são analisados separadamente. A conta dos telefonemas feitos pelos detentos chega a 1 bilhão de dólares ao ano. A gastança despertou a atenção de gigantes como a AT&T, que fechou parcerias para instalar telefones fixos nos presídios. O nicho de novos serviços também vem crescendo. Exemplo disso é o personal trainer Steven Oberfest, perito em dar aulas de defesa corporal para condenados por crimes do colarinho-branco. Beneficiado pela recente onda de escândalos corporativos, Oberfest conquistou uma clientela de 30 pessoas, que lhe renderam em 2006 um faturamento de 600.000 dólares”.
Cerca de 125.000 presos cumprem pena hoje (2007) nos presídios privados dos EUA. Mas “a privatização do sistema carcerário nos Estados Unidos teve início nos anos 80. Como o governo não conseguia construir presídios na mesma velocidade em que prendia bandidos, a iniciativa privada entrou em cena para oferecer segurança. Os críticos da privatização acusam as empresas de fazer lobby por sentenças mais longas e batem na tecla de que a segurança pública é dever do Estado. Já os defensores insistem que os presídios privados são um mal necessário. Segundo a Association of Private Correctional & Treatment Organizations (APCTO), associação que representa o setor, a construção de uma casa de detenção pública pode demorar até cinco vezes mais e custar 25% mais caro. ‘Infelizmente, a população carcerária no país está crescendo’, afirmou a EXAME Paul Doucette, diretor da APCTO. ‘As empresas estão animadas com a demanda por novas vagas.’”
Considerando-se que o sistema penal funciona seletivamente (teoria do labeling approach), consegue-se facilmente alimentar os cárceres com a massa dos excluídos. De acordo com a lógica norte-americana, que é reconhecidamente anti-humana em vários momentos, em lugar de ficarem (os miseráveis) jogados pelas calçadas e ruas, devem se tornar economicamente úteis. Com isso também se alcança o efeito colateral de se suavizar a feiúra das cidades, cujo ambiente arquitetônico-urbanístico está repleto de esfarrapados e maltrapilhos. Atenua-se o mal estar que eles “causam” e transmite-se a sensação de “limpeza” e de “segurança”. Na sociedade do medo, quanto menos esfarrapados nas ruas melhor. Melhora a sensação de segurança.
O movimento “tolerância zero” (que significa tolerância zero contra os marginalizados, pobres etc.) é manifestação fidedigna desse sistema penal seletivo. Optou claramente pelos pobres, eliminando-lhes a liberdade de locomoção. Quem antes não tinha (mesmo) lugar para ir, agora já sabe o seu destino: o cárcere.
Finalmente a elite político-econômica norte-americana descobriu uma função econômica para os pobres, miseráveis e marginalizados.
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*Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
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