Migalhas de Peso

Magazine Luiza e Via levam prática comum, porém irregular, do mercado de anúncios digitais ao Judiciário

Afinal, vale tudo para ganhar o consumidor?

4/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Não é necessário ser especialista em marketing digital para perceber a importância de um bom posicionamento em ferramentas de busca aos que desejam aumentar a visibilidade de uma marca. Está posto que o consumidor é, cada vez mais, digital.

Problema dos novos tempos e progressivamente mais comum, a prática de “Brand Bidding” é trazida aos holofotes pela recente disputa judicial  travada entre Magazine Luiza e Via (proprietária de marcas como Casas Bahia e Ponto Frio), na qual as empresas mutuamente se acusam de utilizar o nome uma da outra como “termo-chave” no Google Ads, levando os usuários que buscavam por uma delas a se depararem, logo nas primeiras linhas de resultados, com sua concorrente direta através de anúncios patrocinados. A publicidade ‘parasitária’, como é por muitos denominada, se tornou peça no jogo do mercado.

Afinal, vale tudo para ganhar o consumidor?  Para que se possa melhor entender a gravidade dessa prática e a necessidade de coibi-la através de meios técnicos e jurídicos, precisa-se, primeiro, compreender o poder exercido pelas ferramentas de busca.

O Google responde por mais de 95% de todo o tráfego de mecanismos de busca em desktop no Brasil1. Tal realidade se reflete no mercado de consumo com nitidez: o brasileiro, cada dia mais, busca no Google antes de comprar ou contratar. Nessa conjuntura, a presença online tornou-se imprescindível ao crescimento de qualquer negócio e um bom posicionamento em plataformas de pesquisa converteu-se em vantagem competitiva. Para tanto, são exploradas diferentes abordagens de marketing para alcançar determinados públicos em mecanismos de busca, sendo cada vez mais comum falar-se em SEM.

O SEM (Search Engine Marketing) usa plataformas de publicidade pagas para otimizar resultados em mecanismos de busca e alcançar determinado público-alvo em diversos formatos de anúncios. O motivo por trás de sua ampla adesão é simples: enquanto as táticas orgânicas podem levar meses ou anos para mostrar resultados reais, o SEM possibilita a geração de um tráfego mais intenso em um curto período de tempo, aumentando, em muito, a possibilidade de conversões por meio de anúncios de “alta performance”.

Não raramente, especialistas em SEM iniciam seus projetos com uma pesquisa de palavras-chave associadas ao produto ou serviço com o intuito de criar campanhas milimetricamente direcionadas. Nesse quadro, uma das plataformas mais utilizadas para gerar novos negócios é o Google Ads, serviço de publicidade do Google capaz de colocar marcas em destaque nas pesquisas relacionadas a determinados serviços ou produtos através de sua associação a “termos-chaves”, os quais passaram a performar grande influência na visibilidade digital. 

No que concerne às empresas, mais do que termos associativos, a palavra mais relevante e responsável por levar o consumidor diretamente ao seu site é, senão, o próprio nome da empresa, sua denominação. Nesse contexto, podemos observar a gravidade da prática de “Brand Bidding”, na qual uma empresa utiliza o nome de outra como gatilho de elevação em plataformas de busca, influenciando, ainda que sub-repticiamente, o consumidor e o induzindo ao erro. Dessa forma, não é surpreendente que ambas as empresas, Magazine Luiza e Via, tenham levado a questão ao judiciário e recebido decisões favoráveis.

A vinculação de termos de concorrentes aos seus anúncios patrocinados via Google Ads fere frontalmente a proteção conferida pelos Arts. 18 e 1.166, ambos do Código Civil, bem como pelo Art. 33 da Lei de Registro Público (Lei 8.934/94) e disposições da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96). Nesses casos, diante da ausência de autorização e de parceria comercial, bem como a clara oposição de interesses, estamos perante uma incontestável violação ao direito da personalidade, em que pese ser o nome um de seus atributos. Ainda, fica evidente a concorrência desleal por desvio de clientela e aproveitamento parasitário, na medida em que, sendo as empresas concorrentes, busca-se autopromoção às custas da notoriedade do nome de outra empresa. Nesse sentido é a decisão de 2018 proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial (1645614/SP), com Relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino2.

A jurisprudência também se inclina em reconhecer que a apropriação do nome de concorrente para fins comerciais é suficiente para configurar ato de concorrência desleal, dispensando, inclusive, a comprovação dos danos morais causados à vítima, vez que presumidos (in re ipsa), fazendo nascer, desde logo, o dever de indenizar, conforme instruem recentes decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (2019)3 e de São Paulo (2020)4.

O uso do nome do concorrente na indexação de buscas do Google e as consequentes disputas judiciais são uma realidade. A má conduta de se apropriar do tráfego de outra empresa é uma prática que, infelizmente, vem crescendo de forma exponencial, podendo ser ainda mais danosa no futuro e sensibilizando a preservação da livre concorrência. Uma vez que a publicidade paga não pode se sobrepor à clientela, direito intangível das empresas, a priorização e adoção dos meios técnicos para evitar esse cenário se fazem cada vez mais necessárias do ponto de vista preventivo, sendo neste sentido que as empresas mais preparadas caminham.

Considerando, pois, a necessidade de consolidar uma união entre aspectos técnicos aos jurídicos, faz-se imprescindível a utilização das novas tecnologias que possibilitam o monitoramento constante dessa prática, explorando, assim, aplicações desenvolvidas especificamente em observância a esse cenário e que vão ao encontro da proteção às violações marcárias.

Atualmente em destaque no mercado, tecnologias como as da AdPolice vêm se mostrando importante instrumento no combate ao “Brand Bidding”, possibilitando, através da optimização e motores inteligentes, a categorização de buscas por concorrentes desleais, registro de datas, palavras-chave, buscadores e uma formalização via “screenshots” – criando-se uma documentação legalmente relevante. Em que pese o ponto de vista jurídico, é possível identificar todo o caminho do clique, o que pode alicerçar, de maneira muito mais robusta, eventual pedido de danos morais, assim como materiais, se cabíveis.

O nome de um negócio carrega consigo a representação de toda autoridade e peso do trabalho de sua construção, desse modo, cada conquista e passo dado se fundem na ideia que se faz da empresa no imaginário do público geral, de clientes e parceiros comerciais. Por conseguinte, muito mais do que a mera perda econômica, a proteção à marca visa preservar todas as suas subjetividades e o universo intangível que a cerca, como sua reputação e clientela, devendo o mercado estar sempre atento às más condutas e práticas criminosas que emergem a cada dia, de diferentes formas, e que devem ser combatidas com o uso inteligente de todos os meios disponíveis.

____________

1 https://www.statista.com/statistics/309652/brazil-market-share-search-engine/ 

https://www.statista.com/statistics/639072/googles-share-of-search-market-in-selected-countries-latam/

2 https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/595813666/recurso-especial-resp-1645614-sp-2015-0325698-0/inteiro-teor-595813672

3 https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/arquivos/2019/informativo-393-versao-final.pdf

4 https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/928164076/apelacao-civel-ac-10146812220188260003-sp-1014681-2220188260003/inteiro-teor-928164131

Natália Brotto
Advogada, mestre em Direito dos Negócios pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV.

Ramon Ayres de Sá
Advogado, especialista em Direito Digital e Compliance pelo Ibmec SP/ Instituto Damásio e está cursando MBA em?Digital Bussiness?pela Universidade de São Paulo (USP).

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