Migalhas de Peso

Os defeitos construtivos e as consequências para o Direito Imobiliário

Em diversas vezes, as partes fixadas no polo passivo das demandas respondem mais de uma ação pelos "mesmos problemas", considerando que muitas constroem condomínios, ou seja, possuem várias unidades imobiliárias com danificações similares, elevando, consequentemente, o desembolso pecuniário necessário para solver os valores estabelecidos na esfera judicial a título indenizatório.

3/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Não raramente, o Poder Judiciário é acionado para resolver litígios ligados aos defeitos construtivos existentes em determinados imóveis. Por conseguinte, à vista dos distintos procedimentos dessa natureza, tem-se no arcabouço jurisprudencial incontáveis entendimentos acerca da temática. Entretanto, recentemente, o TRF da 4ª Região proferiu um julgamento de suma relevância para a tônica ora destacada.

Porém, convém explicar que os "defeitos construtivos", segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, são: "Anomalias que podem causar danos efetivos ou representar ameaça potencial de afetar a saúde ou segurança do dono ou consumidor, decorrentes de falhas do projeto ou execução de um produto ou serviço, ou ainda de informação incorreta ou inadequada de sua utilização ou manutenção".i

Por outro plano, assevera-se que, conforme delimita o Diploma supracitado, a definição de "construção" é: "Construir Edificar, levantar prédios. Conjunto de materiais e serviços sendo ordenado conforme projeto, visando sua transformação em um bem".ii

Ademais, a fim de desnudar a distinção legal entre "vício" e "defeito", ambos aplicáveis no presente panorama, impende aduzir que "há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício", porquanto "o vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si". Logo, "o defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço".iii

Desta feita, concisamente, apresentando avarias estruturais, denotando abalos (em lato sensu) e riscos aos seus respectivos usuários, a edificação estará enquadrada no contexto acima aventado.

Assim, pelo enfoque jurídico, muitas são as consequências para tais situações.

No ponto, menciona-se que a 6ª turma Cível do TJ/DF manteve uma sentença condenatória, cujo o édito ultrapassou R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), promulgada em desfavor de uma empresa atuante no ramo imobiliário, pois esta foi responsabilizada pelos sinistros contidos na residência objeto da lide.iv

Outrossim, embora habitualmente os decretos sobrevenham, em média, na monta de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), cada caso, por óbvio, guarda a sua peculiaridade.

Aliás, é importante salientar que, em diversas vezes, as partes fixadas no polo passivo das demandas respondem mais de uma ação pelos "mesmos problemas", considerando que muitas constroem condomínios, ou seja, possuem várias unidades imobiliárias com danificações similares, elevando, consequentemente, o desembolso pecuniário necessário para solver os valores estabelecidos na esfera judicial a título indenizatório.

Nestes feitos, além dos elementos probatórios usualmente colhidos da instrução processual, é recomendável colacionar um laudo pericial, devidamente formulado por especialista, com o fito de verificar se as deteriorações foram causadas pelos profissionais que laboraram na obra em questão e, havendo tal nexo causal, sopesar as lesões do imóvel.

Veja-se, por exemplo, a ementa abaixo descrita:

APELAÇÃO. IMOVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍCIO CONSTRUTIVO. PRAZO. GARANTIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. DEZ ANOS. ENGENHEIRO. RESPONSABILIDADE. NEXO CAUSAL COMPROVADO POR LAUDO PERICIAL. VENDEDOR. CONSTRUTOR. RESPONSABILIDADE.

- O prazo prescricional da ação para obter, do responsável, indenização por defeito da obra na vigência do Código Civil de 2002 é de 10 anos.

- O responsável técnico/engenheiro apelante deve responder pelos vícios construtivos reclamados, mormente quando comprovado, como no caso dos autos, o nexo causal entre os danos identificados pela prova pericial e a atividade exercida pelo referido profissional.

- Constatada por prova técnica a existência de defeitos construtivos no imóvel, decorrentes de forma imediata de infiltrações e falhas da impermeabilização pluvial de tetos, paredes, rodapés e pisos, em razão de falhas de projeto e execução da obra, dúvida não resta de que o construtor responde perante o adquirente por tais defeitos construtivos, devendo arcar com as despesas que este teve de empreender a fim de colocar o imóvel em condições regulares de habitação.v

Para mais, consabido que o dano moral é plenamente cabível nesse campo fático, afinal "é evidente a indignação de quem compra um apartamento novo, mas, em pouco tempo, constata o descaso da construtora, em razão do vício de construção, que a impede de dar fim útil ao imóvel adquirido, seja para própria moradia ou locação a terceiros".vi

De fato, o desprazer oriundo desse calamitoso quadro ultrapassa o mero aborrecimento.

Nesta acepção, é pacífico entre as Cortes que "a indenização por dano moral deve reparar o sofrimento da vítima e, ao mesmo tempo, desestimular a prática do fato, pelo ofensor, devendo o Juiz estabelecê-lo com critérios de proporcionalidade e razoabilidade, sem deixar de atender a esses objetivos, todavia evitando o enriquecimento sem causa do ofendido, ou provocando injusto desfalque do patrimônio do ofensor".vii

Em reforço, insta sublinhar que esta é, igualmente, a compreensão do STF: “a indenização por dano moral é arbitrável mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa”.viii

Noutro vértice, é de bom alvitre enfatizar que o posicionamento sobredito não é imutável, sobretudo quando percebido o denominado “caso fortuito” ou de “força maior”, ocorrências que afastam a responsabilidade do construtor. A propósito:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM TUTELA INIBITÓRIA. ALAGAMENTO DE GARAGEM DE PRÉDIO. PERDA TOTAL DO VEÍCULO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE VÍCIO CONSTRUTIVO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. [...] AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À PARTE, QUE PÔDE SE MANIFESTAR SOBRE O LAUDO PERICIAL EM MAIS DE UMA OPORTUNIDADE. MÉRITO. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONSTRUTORA EXCLUÍDA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE DEFEITO NO PRODUTO E DA OCORRÊNCIA DE FORÇA MAIOR. EXCESSO DE CHUVAS. EVENTO PREVISÍVEL, MAS INEVITÁVEL. LICITUDE DA CONDUTA DA RÉ.

1. O produto entregue pela construtora apelada não apresentou qualquer defeito, o que já é capaz de excluir sua responsabilidade pelo fato, nos termos do art. 12, §3º, inciso II do CDC. Nesse sentido, a mera existência de divergência entre o projeto e a obra, além de ter se revelado como irrisória, não é capaz de alterar o fato de que todas as exigências dos órgãos competentes foram devidamente observadas pela ré.

2. Parte da doutrina defende que, apesar de não estarem expressamente previstos no CDC, o caso fortuito e a força maior também são causas excludentes da responsabilidade civil consumerista. No caso, o que se verifica é que, aparentemente, o alagamento ocorrido no subsolo do Condomínio foi decorrente do excesso inesperado de chuva no dia dos fatos, somado ao fato de que a rede de águas pluviais pública se encontrava afogada, circunstâncias que não podem ser imputadas à apelada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.ix

Hodiernamente, adveio mais uma decisão fulcral para o assunto aqui refletido. O processo de que se fala discute a responsabilidade de duas empresas por vícios construtivos vislumbrados em um apartamento situado em Itajaí/SC.

Em resumo, a autora postulou a rescisão do contrato de aquisição, com o intuito de reaver R$ 68.153,74 (sessenta e oito mil e cento e cinquenta e três reais e setenta e quatro centavos) e, ainda, requereu a condenação das rés por danos morais, valorosos em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

O aspecto que reclama atenção está exposto na tutela de urgência, na qual foi determinada o pagamento mensal de R$ 1.000,00 (mil reais) à requerente, a título de aluguel, até que calhe a deliberação final, nesses exatos termos: “Determino as requeridas I* Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda e R* Construtora e Incorporadora Ltda., em até 48 (quarenta e oito), iniciem o pagamento mensal à autora na importância de R$ 1.000,00 (hum mil reais), à título de aluguel, até que sobrevenha decisão na presente lide, sob pena de multa diária por descumprimento, que fixo em R$ 500,00(quinhentos reais), até o limite de R$ 30.000,00 (trinta mil reais)”.x

Ulteriormente, a decisão foi mantida em sede de agravo de instrumento.xi

Decerto, razão acoberta os magistrados, pois se o consumidor adquire um imóvel, mas não pode ocupá-lo em virtude do inábil serviço da construtora, nada mais justo que conceder, temporariamente, uma moradia àquele que está desassistido, por assim dizer.

Portanto, avista-se que a resposta estatal para a espécie litigiosa apresentada está coadunada princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tratando a matéria com a seriedade que lhe é condigna.

____________

i ABNT, NBR 13752, 3.28

ii ABNT, NBR 13752, 3.24

iii https://www.migalhas.com.br/coluna/abc-do-cdc/297238/a-distincao-entre-vicio-e-defeito-no-codigo-de-defesa-do-consumidor

iv TJDFT - 0705282-18.2019.8.07.0009 - 6ª Turma Cível - Desembargador LEONARDO ROSCOE BESSA

v TJMG - Apelação Cível 1.0153.13.007594-5/001 - Des.(a) Cabral da Silva - Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL - 23/08/2019

vi TJMG - Apelação Cível 1.0145.14.043147-2/001 - Des.(a) Newton Teixeira Carvalho - 24/06/2016

vii TJSP - 0115954-52.2009.8.26.0011 - 10ª Câmara de Direito Privado - 03/06/2019

viii R.J.T.J.E.S.P. 156/94

ix TJPR - 0001151-53.2018.8.16.0194 - Relator:  Nilson Mizuta - 05/10/2020 - 5ª Câmara Cível

x JFSC - 5000810-10.2021.4.04.7208 - 3ª Vara Federal de Itajaí

xi TRF4 - 5036105-04.2021.4.04.0000 - Luís Alberto D Azevedo Aurvalle - 09/2/2022

Victor Porto Abreu
É bacharelando em Direito, estudante de Transações Imobiliárias e membro da Comissão de Acadêmicos da OAB/SC.

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