O art. 171 do CP tipifica o crime de estelionato como sendo a obtenção, “para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”, ou seja, o criminoso induz a vítima a realizar determinada coisa, se utilizando de fraude para alcançar o seu objetivo, visando obtenção de vantagem ilícita para si.
O que diferencia o estelionato dos demais crimes patrimoniais, é que aquele não usa da força, mas sim, usa de meios fraudulentos para se obter vantagem de forma ilícita, dissimulando seus verdadeiros sentimentos e intenções, ocultando ou falseando a verdade.
O estelionato sentimental, também conhecido como estelionato afetivo é um tema que tem ganhado evidência no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente após o lançamento do documentário “O golpista do Tinder”, na plataforma de streaming “Netflix”, na qual se relata a história de Shimon Hayut, israelense envolvido em diversas fraudes que importaram na subtração de mais de US$ 10 milhões pertencentes a mulheres de diversos países, iludidas pelas relações afetivas que estabeleciam com o golpista.
Com o avanço da internet, surgiu ainda um subtipo do estelionato sentimental, que é o scammer sentimental. Nesse caso, o criminoso usa da internet para enganar e extorquir suas vítimas, através de promessas de casamento ou namoro, cuja finalidade é o auferimento de vantagem ilícita se aproveitando dos sentimentos daquelas.
Após a fase da conquista, os estelionatários convencem suas vítimas a realizarem transferência em seu nome de valores altos em dinheiro ou, até mesmo, de criptomoedas que é facilmente negociáveis na Deep Web.
Esses criminosos usam perfis falsos na internet, com fotos de homens ou mulheres atraentes, fazendo com que suas vítimas se apaixonem mais facilmente ainda, devido a boa aparência. Esses perfis falsos são publicados, geralmente, em sites e aplicativos de namoro e em redes sociais, como por exemplo, o Facebook, prometendo amor e casamento, algo que, para a vítima, constitui um relacionamento real.
A ausência de conhecimento acerca dos crimes virtuais, especialmente o scammer sentimental, tem favorecido o aumento no número desse tipo de crime, o que, aliado à vulnerabilidade sentimental das vítimas, torna a prática dessa modalidade criminal ainda maior e pouco investigada.
Esses fatores, ainda podem ser somados ao fato de que não existe uma base no ordenamento jurídico brasileiro que busque reparar os danos oriundos do uso da afetividade de outrem para a obtenção de vantagens, torna a discussão desse assunto ainda mais importante.
O Direito Civil brasileiro adota a teoria “subjetiva” da responsabilidade, nela são verificados o dolo e a culpa como elementos obrigatórios para o dano indenizável, de acordo com o disposto no art. 927 do CC/02, entretanto, não é excluída a possibilidade de adoção da teoria “objetiva”, a qual não prevê essa obrigatoriedade.
Por outro lado, o crime de estelionato na internet não é tipificado de maneira precisa no ordenamento jurídico brasileiro, motivo pelo qual se aplica o art. 171 do CP de forma análoga aos crimes cometidos por scammers.
A inexistência de uma tipificação penal específica para os crimes cometidos no ambiente virtual, traz maior insegurança jurídica para a sociedade, abalando-a significativamente com o aumento nos indicies de criminalidade na internet, fazendo-se necessário que o crime de estelionato praticado na internet seja tipificado em instrumento normativo apropriado, visando a proteção do cidadão e possibilitando a punição dos agentes causadores dos danos.
Vale ressaltar, entretanto que, algumas normas que regulamentam os crimes cibernéticos no Brasil estão ganhando espaço nos tribunais, como é o caso da lei 12.737/12, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, responsável pela alteração do CP, que tutelou no art. 154-A a respeito da invasão de dispositivo informático.
Destaca-se ainda o art. 307, do CP, que visa punir aqueles que cometem o crime de falsa identidade, com a seguinte redação: “atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem”.
Portanto, aquele que faz uso de perfil falso é responsabilizado pela prática de conduta inadequada. Nesse caso, o delito se perfaz independentemente da obtenção da vantagem ou da produção de dano a terceiro.
É evidente ainda que, tal regulamentação só se deu devido a pressão da opinião pública sobre o aparato do Poder Legislativo.
Sabendo que essa lei não foi o suficiente, mas o primeiro passo para uma nova tipificação de legislação, em 2014, a lei 121.965, conhecida como “Marco Civil da Internet” foi sancionada.
O Marco Civil da Internet é responsável por estabelecer uma série de o conjunto de direitos e deveres aplicáveis aos usuários da internet, provedores e poder público, proporcionando, na medida do possível, a melhor conciliação entre o Direito e a chamada cultura digital.
Apesar da existência dessas leis envolvendo o mundo virtual, ressalta-se que, para o crime de estelionato sentimental virtual ainda não há previsão legal específica.
Sendo assim, a legislação brasileira tem necessidade de leis que possam, de forma clara e eficiente, punir os crimes informáticos, uma vez que, as leis existentes e que poderiam ser usadas contra o estelionatário virtual, além de possuírem falhas que dificultam sua interpretação para a aplicação da punição dos infratores, são inespecíficas para essa modalidade criminal.